Ser Bobo, ou ser Bom?

Ser Bobo, ou ser Bom?

Quem já teve a oportunidade de ler minha pequena história: “Conheça a história do caipira que passou no concurso para juiz de direito”, vai entender com mais facilidade o que tenho a dizer. Aproveitando aquela história, lembrei-me de que naquela época, em razão de ser pobre e excluído, o que já era uma sina desgraçada para carregar, ainda era debochado o tempo todo, recebendo tratamento humilhante em face da minha insignificância, visto e tido com indiferença e vítima do bullying, etc., até porque eu não tinha amigos na escola e não tinha mesmo. Tinha uns colegas para conversar naqueles momentos que eles queriam se divertir com minha insignificância, enfim, ‘tirar um bão sarru’.

Mas eu era muito bão em matemática na época, portanto, nas vésperas das provas, dos trabalhos escolares eu ‘ganhava’ muitos “amigos e amigas”. Todos vinham conversar comigo, me convidavam para lanchar e chegavam ‘inté’ pagar as despesas das guloseimas. Chegavam a me convidar para assistir televisão em suas casas. Mas eu ‘bobo’ como sempre acreditada que estavam mudando o conceito sobre mim, se redimindo. Eu chegava inté a ficá feliz. Eu só percebia que era interesse quando acabavam as provas ou os trabalhos, depois tudo voltava a ser como dantes. Triste sina. Como eu era ‘bobo’ meu Deus. Chegavam outras provas e novos trabalhos lá começava tudo novamente, os assédios, os elogios, os convites e depois voltava como antes. Até quando eu ia continuar sendo ‘bobo’’ uai. Como sempre digo: ‘O caipira nasceu só prá sofrer nesse mundo’

Minha protetora, saudosa vó Elisa, italiana matreira, sem ‘papos’ na língua, preconceituosa como todos os italianos da época, matreira, protetora, por perceber o quanto eu era usado e humilhado pelos ‘boysinhos’ e filhinhos dos papais, mas todos ‘burros’, idiotas e metidos a besta, não se cansava de ‘puxá minhas ‘oreias’, dar ‘croqui’ na cabeça, me por de castigo, enfim de passar os severos corretivos por eu ser e continuar sendo ‘bobo’ e fantoche na mão deles uai. Esse é um tipo de situação em que eu fui feito de besta e de ‘bobo’.

Nada demais ajudar quem precisa de aula de matemática, anda mais ocê sabendo e tendo condições, porque nada melhor para aprender, ensinando; mas daí alguém pedir sua ajuda e depois fingir que ocê não existe? Depois continuar te tratando como se ocê não existisse, ou melhor, continuar te humilhando, te esnobando, te ignorando? Ah, era muito triste e frustrante. É, pobre nasceu para ser usado e sofrer nesse mundo ‘memu’.

Tudo bem uai. Vamos ser legais, bons, solícitos, amáveis, solidários, generosos, mas não sejamos idiotas. Não sejamos ‘bobos’. Então resolvi rabiscar umas coisitas para que sirva de reflexão, enfim, para que possamos ser legais, bons, ‘alma boa’, mas sem sermos bestas, tendo em vista a existência de gente folgada, aproveitadora, egoísta, neste mundão de meu Deus.

Há momentos que é preciso se impor, e isto, não pressupõe ser mal, orgulhoso ou vaidoso. Há circunstâncias em que as pessoas querem nos influenciar para que façamos suas vontades. Querem se impor de modo que fiquemos submissos a eles. Mas ficar sob o jugo do outro é dar a ele o seu poder de escolha, é abrir mão de sua integridade, de sua verdade para agradar. É claro que é saudável ajudar, ceder, mas apenas quando o seu coração sente que é para ceder, para ajudar. É preciso notar a sutil diferença entre o ceder equilibrado e o ceder desequilibrado, aquele que o anula.

Vejam que interessante. Quando Jesus propôs aos seus discípulos que fossem inocentes como pombas e espertos como serpentes, propôs um modelo de santidade cristã. Devemos ser puros e simples, mas não ser, idiotas, bobos. Nem permitir que abusem de nossa fé ou paciência. Paulo reagia, e reagiu. Pedro reagia, e reagiu. Os discípulos reagiam, e reagiram. Cristo reagiu uai. Pode-se fazer isso sem deixar de amar ou sem perder a santidade, a bondade.

É preciso saber a diferença entre ser bom e ser bobo. Aprendi, depois de tanto ser bobo dos outros. A diferença é simples.

Quando você chamar alguém de bobo, tente saber se a pessoa sabe exatamente o que ela está fazendo.

Já cansou de avisar sua amiga daquele cara que está traindo ela? Já cansou de pedir pro seu amigo abrir o olho porque a esposa não dá valor?

O bobo na história, finge que não tem nada acontecendo, procura mudar de assunto, nega na frente de todo mundo uma coisa que está mais que na cara. Se é preciso ver para crer, o bobo não vai querer ver.

O bom, não importa a área, se é trabalho ou amor, a pessoa boa gosta de acreditar nos outros de uma forma diferente. Diferente do bobo, ela sabe muito bem o que está acontecendo, mas quer apostar numa mudança, quer dar uma chance, quer sempre perdoar, tenta ver tudo pelo melhor lado possível.

Porém a grande diferença está no fato dele saber quando parar e quando está perdendo seu tempo. A pessoa boa sofre calada. Algumas pessoas costumam dizer que os bons são bobos, mas isso se tratando é claro de um mundo onde muita ambição e egoísmo circula. Nem todas as pessoas preferem trapacear, fazer tudo do jeito errado, e se você procura acreditar nos outros, pode acabar tido como o bobo, cego etc.

Se você tem uma amiga por exemplo que mente muito e o namorado sabe e ainda está com ela, imediatamente não quer dizer que ele seja bobo. A única pessoa neste momento que pode enganá-lo é ele mesmo. Ele está consciente de que aquela mulher está fazendo mal pra ele, mas por algum motivo ainda continua com ela. Por quanto tempo você dará a chance a ela?

O perigo da pessoa boa é o coração. Bondade tem um limite, porém a paixão cega fará com que você continue amando a pessoa independente de quem ela seja, e muitas vezes isso irá prejudicá-lo, porque a pessoa irá se aproveitar dos sentimentos. O apaixonado passa de bom pra bobo num piscar de olhos, porque ele é capaz de se submeter a qualquer tipo de humilhação pela pessoa amada.

Faça o essencial, ajude quando ver que realmente pode, mas não sacrifique suas prioridades só para agradar a alguém. Saber dizer não pode mudar muito a sua vida. Claro que há exceções e situações extraordinárias que a gente faz um esforço, mas não queira abraçar o mundo ser o bonzinho, não dá. Sabemos que é impossível agradar a todo mundo e quando cedemos aos caprichos dos outros ou pior quando fazemos o trabalho dos outros, sendo que eles podem muito bem cumprir com suas tarefas, sacrificamos a nós mesmos e deixamos de lado as nossas necessidades. O reconhecimento, não vêm, jamais.

No meu caso, sofri muito, desesperei, me senti desmotivado, discriminado. Então uma dica: controle muito bem os ‘sins’ que ocê anda dizendo por aí, seja seletivo para o seu próprio bem. Ajudar é uma coisa, e faz bem. Fazer o trabalho pela pessoa é outra história. Não tenha medo de parecer besta ou mal educado, tenha medo é de adoecer de estresse, isso sim.

O que é ser bom? É tratar os outros com carinho, ajudá-los quando precisam, preocupar-se. É considerar suas necessidades, inclui-los; é confiar. Nem sempre temos os resultados esperados. Muitas vezes, os outros nos decepcionam, e nos deixam com a sensação de sermos os errados da história, os bobos. Nos tornamos amargos e resolvemos que “não vale a pena”, nos sentirmos “bobos” e daí em diante tendemos a não ser “tão bons” como antes.

A verdadeira bondade inclui o fazedor e o recebedor. Fazer bem ao outro e mal a nós mesmos, afora as cenas heróicas de filmes e lendas, é estúpido. Masoquismo não combina com bondade. Nesse caso, o que acontece não é da pessoa ser “incrivelmente boa”, mas dela ter uma autoestima tão baixa que não ousa levantar sua voz. A bondade que faz bem ao fazedor e ao recebedor é aquela que faz crescer os dois. Mesmo quando implica algum sacrifício, pode estar contribuindo com o processo de individuação tanto do fazedor quanto do recebedor. Ela deve estimular a autonomia e autoestima.

Precisamos ser sinceros e realistas. Existem pessoas no mundo precisando de ajuda verdadeira. As nossas energias, como as delas, são limitadas: usemo-as com responsabilidade para, efetivamente, aumentar o bem e não as bobagens.

Em uma cultura pautada pelo individualismo, servir, doar, fazer algo pelo outro sem esperar nada em troca pode não pegar bem. Ou a pessoa que faz isso é esquisita, ou é uma boba, sem personalidade. Sob essa ótica, a pessoa que ajuda a outra estaria sendo submissa, estaria se anulando. O legal não é fazer café para alguém, é alguém fazer café para a gente.

Como eu me sinto quando ajudo outra pessoa? Generoso ou me anulando? Será que tanto altruísmo assim pressupõe certa anulação? E, se sim, qual é o problema de se anular por alguns instantes, para que, naquele momento, as necessidades de um outro estejam em primeiro plano, e não as nossas? As nossas necessidades, o nosso caminho, precisam estar sempre em primeiro plano? Ah, nem tanto ao céu, nem tanto a terra. Generosidade não tem nada a ver com anulação, pelo contrário: as pessoas generosas têm tanta plenitude que sobra um pouco para doar para os outros. E faz todo o sentido. Percebo que, quando estou nos meus melhores dias, me sentindo bem, sereno, grato, é quando sou mais generoso.

Então, uma coisa é ser bom. Outra coisa é ser bobo. Ser generoso é estar com a alma em paz. Saber dizer não, ah saber dizer não, é optar por não ser bobo.

Então, por falar em ser ou não ‘bobo’, e mais ainda, por acharem, ‘osotros’ qui nóis minerus semos bobos’, quando somos, na verdade bons, gentis, hospitaleiros, generosos, agradáveis, contadô de causus, lembrei me de um poema da Clarice Lispector: “DAS VANTAGENS DE SER BOBO”.

“O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar o mundo. O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo. Estou pensando."

Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a idéia. O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não vêem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os vêem como simples pessoas humanas

O bobo ganha utilidade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski.

Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer. Resultado: não funciona. Chamado um técnico, a opinião deste era de que o aparelho estava tão estragado que o conserto seria caríssimo: mais valia comprar outro. Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e portanto estar tranqüilo. Enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado. O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo não percebe que venceu.

Aviso: não confundir bobos com burros.

Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a célebre frase: "Até tu, Brutus?" Bobo não reclama. Em compensação, como exclama!

Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem estar todos no céu. Se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz. O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos. Ser bobo é uma criatividade e, como toda criação, é difícil. Por isso é que os espertos não conseguem passar por bobos. Os espertos ganham dos outros. Em compensação os bobos ganham a vida. Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que saibam que eles sabem.

Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah, quantos perdem por não nascer em Minas!

Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas. É quase impossível evitar excesso de amor que o bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.

Clarice Lispector

Extrema, 1º/11/17.

Milton Biagioni Furquim

Juiz d Direito

Milton Furquim
Enviado por Milton Furquim em 02/11/2017
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