Globalização e instabilidade na América Latina.

É fato que a América Latina talvez tenha sido a região mais integrada à economia mundial, mesmo que por vezes “forçadamente”, neste período mais recente do que se chama de globalização, tomada aqui em seu aspecto prioritariamente financeiro. Também é reconhecido por todos que as adversidades advindas desta integração, que se deu de forma passiva e perversa para os países latino-americanos, trouxeram consigo características marcantes da nova conjuntura mundial que são a instabilidade e volatilidade extrema aos fluxos de capitais de curto prazo que varrem o mundo como uma onda de desgraças que desestruturam países e trazem caos aos seus habitantes.

Análises sobre os impactos do processo da globalização financeira acompanhado da liberalização do comércio nos levam a conclusões bastante claras e inequívocas de que estamos perdendo sempre ao surfarmos na onda neoliberal globalizante que ronda nossos mares. Dentre os países latino-americanos estão algumas dos principais mercados ditos emergentes que estiveram muito vulneráveis, nos últimos anos, aos sabores e interesses do grande capital especulativo o que acarretou em toda a desestabilização do fim da década de 90 do século passado. Brasil, México, Argentina são os grandes nomes dentre os “emergentes” mundiais e foram, como vimos nas crises passadas, por certo, os países mais afetados na América Latina com o processo recente de liberalização dos fluxos de capitais. Contudo, todo este processo que tomou a década de 1990, mas que tem sua gênese na década de 1970, poderia ter sido evitado e muito bem gerido caso os dirigentes latino-americanos não se apresentassem tão subalternos e coniventes com interesses outros. Se fizermos uma análise do passado histórico bem recente confirmaremos a “falta de memória” dos nossos dirigentes, o seu alinhamento com interesses de fora e/ou sua burrice mesmo para lidar com tais questões. Cremos que todas as alternativas estejam corretas e se completam, para a desgraça da América Latina.

Ainda na década de 70 do século passado, alguns países da América Latina passaram por experiências regionais de inserção financeira internacional que ficaram conhecidos como “Experimentos do Cone Sul”. A dinâmica deste processo foi bastante semelhante àquela que seria apresentada nos países periféricos americanos durante a liberalização dos anos 90 e suas crises. Vale ressaltar que o “Enfoque Monetário do Balanço de Pagamentos”, visão nascida na Universidade de Chicago, foi o fulcro para todo o processo de liberalização dos anos 70. Todo o lero-lero neoliberal, que hoje domina a cena internacional, já tomava fôlego na década de 1970 e demonstrava toda a sua ineficácia em evitar as crises além da falta de visão local sobre o processo econômico vigente. O tecido social latino-americano iniciava sua jornada de deterioração que chega no fim dos anos 90 em níveis bastante preocupantes. A crise político-social começa a se abater sobre alguns países da região.

Vemos, então, ser o impacto da globalização das finanças sobre os países da América Latina exorbitante. As nações subdesenvolvidas, com graus de heterogeneidade assustadores, são inseridas num contexto global onde a desregulamentação financeira age de forma a criar cada vez mais bolhas especulativas irresponsáveis que afundam milhares de pessoas na miséria e acirram o deslocamento do mundo financeiro em relação à economia real. Só uma boa dose de coragem juntamente com uma pitada bem generosa de heterodoxia econômica podem fazer as economias latino-americanas terem alguma esperança quanto ao futuro. Mas, diante do que tem ocorrido nas nações latino-americanas, mesmo nos governos ditos de esquerda (será que este termo já não é anacrônico?), com o neoliberalismo entrando nos poros do governo e sendo guia mestra para as políticas econômicas temos um quadro que se configura, pelo menos no curto prazo, chocante e ridículo.

Gostaríamos de salientar alguns pontos que são importantes no contexto político-econômico atual latino-americano. A ALCA, que parece pelo menos ter sido abrandada, será um ponto-chave da nossa política externa nos próximos anos. Pressões vindas dos EUA pós-eleições far-se-ão bastante fortes e é necessário que o governo tenha uma firme posição de defesa dos interesses nacionais, de políticas industriais e de incentivo interno. Vale salientar a importante e magnífica guinada da política externa brasileira para o diálogo sul-sul, cremos que pode ser muito eficiente e eficaz este contato e cooperação entre países menos desenvolvidos para a consecução de políticas mais autônomas na periferia do sistema capitalista. Um outro ponto que gostaríamos de citar é a necessidade de voltarmos a ter um sistema econômico mais eqüitativo o qual só poderemos obter com um Estado regulador, atuando na prevenção das crises e na diminuição das disparidades de renda. Uma medida que deve ser usada é o controle e regulação sobre os capitais externos via tributação (algo como Taxa Tobin talvez) ou regulação efetiva de entrada e/ou saída dos capitais de curto prazo (hot money).

As idéias de Keynes sobre o sistema financeiro conseguiram manter estabilidade mundial no pós-guerra por mais de 30 anos. Talvez fosse a hora de deixarmos de lado os manuais “cêntricos” neoclássicos e, como diria o grande Raúl Prebisch ou mesmo o mestre Furtado, colocarmos nossa imaginação e criatividade em forma para pensarmos o “viver econômico” na periferia no século XXI acoplando a isso as experiências e teorias heterodoxas anteriores. Pensar, refletir, criar e principalmente agir de forma autônoma são os caminhos para a saída árdua que a América Latina de hoje, e a periferia em geral, tem de trilar para escapar das armadilhas que a mundialização das finanças vem colocando em seu caminho na busca pelo desenvolvimento, por uma sociedade mais justa. Como diz o mestre Celso Furtado: “Ainda há espaço para a UTOPIA”, pensemos e ajamos, pois.

Ivan Tiago Machado Oliveira

Salvador-BA, Brasil.

Setembro/2005.

Ivan Tiago Machado Oliveira
Enviado por Ivan Tiago Machado Oliveira em 21/10/2005
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