ESPERANÇA

O apuramento político exige observância do raciocínio lógico. Entretanto, nessa área, o discurso se mostra eficaz quando é elaborado de forma passional, quando as abordagens ficam limitadas ao plano abstrato.

O cronista preparava uma incursão sobre o "nonsense" de muitos políticos e sobre as agressões cometidas aos princípios básicos da lógica aristotélica, quando lhe sobreveio a história vivida por Esperança, importante personagem da ficção.

Esperança vivera com intensidade uma dessas disputas eleitorais. E não era para menos. Estremecendo tímpanos, expondo imagens e produções gráficas, um afortunado mundo despertava.

O certame convulsionou os eleitores. Foi impossível não tomar causa. Em cafés, bares e restaurantes o assunto eleitoral misturava-se às xícaras, copos, facas e garfos.

A província já não era um lugar dormente. Nas ruas cartazes trepidavam. O mundo novo na lábia das promissões, conforme a crença das ideias esposadas, atraía e estimulava as pessoas. De forma sutil, ou até mesmo sem qualquer disfarce semântico, formadores de opinião tomavam partido e influenciavam seus seguidores.

Dias enfeitiçados antecederam a apoteose. Nenhum real interesse senão àquele pertinente a busca da felicidade. Havia fogos, diversão, regabofe e quimera.

Assim como Esperança, os mais suscetíveis a retórica foram capazes de idealizar metrôs, viadutos, túneis e ruas. Confiaram no surgimento de escolas, hospitais e creches modelares. Acreditaram na maciça aplicação dos recursos em segurança pública, no sistema viário, na educação e na saúde.

Esperança alimentava sua fé, enquanto debates apimentados, refrãos hipnóticos, músicas, cores, bandeiras e malhas misturavam-se ao suor, a pele bronzeada e ao brilho do sol.

Graças a tecnologia, no entardecer daquele outubro memorável, divulgou-se o resultado. Seguiram-se entrevistas, agradecimentos, discursos e carreatas. Nos meios de comunicação houve detida análise do resultado através índices e mapas. A alegria dos vencedores invadiu a madrugada.

Mas, nos dias seguintes, como de golpe, retraíram-se os ânimos. Em homenagem a governabilidade e as coalizões políticas, noticiou-se farta distribuição de cargos comissionados. Aos poucos, nos meses e anos pósteros, os tomadores do serviço público voltaram a se submeter as filas de espera. Sobrevieram chuvas, alagamentos, resfriados e a terapêutica dos chás. No transporte coletivo, as dificuldades de sempre.

As denúncias, as carências hospitalares, os dramas da segurança pública e os aborrecimentos comuns a maioria das pessoas foram despertados pela impiedosa realidade.

Esperança continuou rodeada por suas tarefas e o tempo passou, não sem antes gerar tributos, impor restrições e acarretar a perda de direitos sociais.

Certa vez, entre o costumeiro e a indispensável fantasia, Esperança indagou sobre a brevidade do entusiasmo e das promissões. Concluiu que não houve felicidade semelhante a vivida durante aquele certame, quando se viu reconhecida como gente e tocada pela mais intensa e mágica emoção.

Esperança e outros ficcionistas contumazes, assim como muitos de nós, saudosos dos shows que animaram o evento, por vezes ainda não distinguimos bem as causas de uma expandida ressaca, principalmente quando nos deixamos envolver pela veemência dos sentimentos em uma área que clama pela intervenção da racionalidade.