2 histórias de solidão

NOTA PRÉVIA: São histórias reais relatadas na imprensa.

1- A SENHORA DO AEROPORTO

A senhora recusou-se a falar com os orgãos de comunicação social. Parece até que fala pouco. Não quer saber de nada daquilo que a rodeia. Tem a sua vida para viver.

É apenas a história de uma senhora de sessenta anos, mais coisa menos coisa, que vive no aeroporto da Portela. Chega de manhã, faz a sua higiene nas instalações aeroportuarias, e depois senta-se numa cadeira, na sala de espera, assim como quem está prestes a iniciar viagem. Tem junto dela uma mala, a sua bagagem, como convém. Parece que causa algum incómodo, aquela inquilina quase viajante. Mas não há como impedir o acesso a passageiros. E ela é-o. Sempre calada, metida consigo própria, limita-se a ficar junto da sua mala de viagem, à espera, no aeroporto.

2- A RUA

Este senhor deixou que o filmassem, mas recusou ir a estúdio, dar o seu testemunho. Também ele tem a sua vida.

Quando se olha para ele parece um sem-abrigo. Mas tem casa. É um senhor de sessenta anos, mais coisa menos coisa. Há vinte anos, morreu-lhe a mulher e um filho num acidente de automóvel. Ele sobreviveu. Desde então, a sua rotina leva-o a fazer uma ronda pelos caixotes de lixo da cidade, à procura de alimentos para dar aos pombos. Depois vai para ao pé dos pombos e alimenta-os. A rua tem gente e movimento e pombos. É tudo o que ele precisa para viver. Mas continua a ter uma paixão: o futebol. Quando há jogo, leva uma cadeira e fica, sentado no passeio, a ver o espectáculo no televisor de uma montra de um stande de automóveis. Os donos do stande deram-lhe um telecomando e deixam a televisão estratégicamente virada para a rua, para que ele possa assistir ao futebol. Ele tem casa e tem televisão. Mas lá, diz, em casa, tem as recordações do lar, da mulher, da vida que passou. Lá, diz, só tem vontade de chorar.

NOTA FINAL: Ontem, também tive necessidade de sair à rua. De bom grado iria até sentar-me no aeroporto da Portela. Tudo, menos estar em casa. Estava com uma vontade enorme de chorar.