Fidel Castro, 81

por Ipojuca Pontes em 16 de julho de 2007

Resumo: Como escreveu Alina Revuelta, a filha exilada, Fidel Castro fez o povo cubano embarcar num sonho para acordar num pesadelo. Hoje, à margem a boa-vida levada pelo tirano e sua casta revolucionária no poder, a população da ilha sobrevive soterrada pelas eternas promessas de dias melhores.

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“Fidel Castro é um sujeito que pensa que é Fidel Castro”

(Paráfrase de um pensamento de Victor Hugo sobre Napoleão III)

Aos trancos e barrancos, Fidel Castro estará completando no próximo dia 13 de agosto, numa segunda-feira, 81 anos. Traindo todas as evidências, ou conjecturas, o tirano de Cuba, a ilha-cárcere, resiste tenazmente ao bafo da morte anunciada. Segundo obscuros informes médicos redigidos por asseclas de plantão, ele ainda está convalescente de possível diverticulite aguda ou coisa semelhante. Em suma, o ditador se “recupera” blindado numa das 36 mansões que mantém à sua disposição. A cada 60 dias, por ocasião de planejadas visitas do tiranete Hugo Chávez, seu autodesignado sucessor, Fidel mostra a fisionomia exangue para os olhos do mundo, sempre metido num macacão vermelho - arranjo de algum figurinista para ofuscar os efeitos da enfermidade e aparentar uma saúde que não tem.

A doença de Fidel virou um espetáculo de circo barato, explorado ao sabor da mitologia engajada. No momento, o aparato publicitário da ditadura cubana se empenha em anunciar a cada instante o ato da ressurreição de Fidel, heresia que promete vida nova e definitiva ao tirano octogenário para a folgança dos que com ele se fartam no eterno banquete (ensangüentado) da Revolução. Agora, sem poder mais intoxicar as massas com discursos enfadonhos de até 14 horas, o ditador articula a publicação de longos artigos nas páginas do “Juventud Rebelde” e do “Granma” - os dois panfletos cubanos especializados em sonegar a verdade dos fatos aos habitantes da ilha-cárcere.

Pelo plano concebido, o Comandante-em-chefe, compenetrado na representação do papel de Ressurgente, regurgita exauridos motes revolucionários que são servilmente desenvolvidos por escribas do Conselho de Estado. Por efeito da mais canhestra mimese, os ghostwriters oficiais se esmeram na interpretação dos fatos históricos ao gosto e à moda de Fidel, ou seja, de forma delirante e mentirosa.

Semana passada, por exemplo, a pretexto de contestar a divulgação de documentos secretos em que a CIA (Agência Central de Inteligência, dos Estados Unidos) comprova as várias tentativas do governo cubano fomentar a revolução armada no Brasil, o provecto ditador envereda pelo caminho do deboche.

Num artigo da série intitulada “Reflexões do presidente Fidel Castro - Os fundamentos da arte de matar” (site do “Granma”, 06/07/2007), o tirano do Caribe, deixando de lado as documentadas denúncias da CIA (sobretudo as que se reportam ao envio de dólares e armas para fazer no Nordeste a revolução campesina de Chico Julião), parte para o ataque, no seu entender a melhor defesa, destilando o ácido habitual contra o “imperialismo ianque, sua hipocrisia e falta de ética”. Desta feita, o saco de pancadas é o então vice-presidente Richard Nixon que, em Washington, no mês de abril de 1959, considerou o já comunistizado Fidel notório “ignorante em matéria de economia”.

Mais para ficcionista medíocre de que propriamente historiador, Fidel, entre outras preciosidades, “escreve” nas suas “reflexões críticas” que Nixon, no encontro apontado, “não tinha anotações do que pretendia dizer, nem anotava o que dizia” (como se ele, Castro, um boquirroto completo e irresponsável, assim o fizesse): “Era um fanático pelo capitalismo desenvolvido e seu domínio do mundo por direito natural. Idealizava o sistema. Não concebia outra coisa, não existia a mais remota possibilidade de se comunicar com ele” - diz Castro na sua cantilena contra Nixon, o presidente que mais tarde foi à Pequim, abriu as portas da América e retirou a China do isolamento político e econômico em que vivia.

Dá para entender personalidade tão controversa quanto doentia? É muito difícil, mas, em todo caso, é bom lembrar que a partir de estudos levados a afeito por psiquiatras norte-americanos, Fidel Castro está catalogado nos anais da psicologia como um caso agudo de narcisismo paranóico, que o torna cego para a realidade externa, sobretudo para fatos e pessoas que contestam os seus delírios de Salvador do Universo. Com efeito, na sua virulenta cruzada, o ditador caribenho se vende como uma espécie de “confidente da Providência” - o que patenteia a insanidade diagnosticada.

A sua formação, no entanto, é bem mais prosaica. Filho de um cruel latifundiário galego (Angel Castro), desde cedo garoto-problema cujo ódio à figura do pai levou-o ao ativismo e à violência política, Fidel Castro atravessou boa parte da juventude a cultivar os ensinamentos do terrorista russo Serguei Netchaiev contidos no “Catecismo Revolucionário”, um manual feito sob medida para qualquer tipo de aventureiro mais ensandecido. De uma figura assim, agindo numa Cuba avacalhada por sucessivas ditaduras, afeita aos mitos latino-americanos de magia, prazer e enriquecimento rápido, no auge da Guerra Fria - o que mais se podia esperar?

Como escreveu Alina Revuelta, a filha exilada, Fidel Castro fez o povo cubano embarcar num sonho para acordar num pesadelo. Hoje, à margem a boa-vida levada pelo tirano e sua casta revolucionária no poder, a população da ilha - cerca de 11 milhões de pessoas - sobrevive soterrada pelas eternas promessas de dias melhores, temerosas e cabisbaixas ante a fome endêmica das “cadernetas”, as trevas dos “apagóns” e a raiva invejosa provocada pelas “botellas’, nome que rotula a boa boca dos poderosos que se fartam diante da miséria geral.

E, no entanto, basta chafurdar nas estatísticas, Cuba já foi considerada um dia a terceira maior economia das Américas, tendo diante de si apenas os Estados Unidos e a Argentina. Mesmo com o sargento Batista, ditador fugaz, e em que pesem todos os desmandos e a corrupção, as condições de vida na ilha eram bem mais palatáveis.

Mas só até a chegada de Fidel, o “confidente da Providência”.

O autor é cineasta, jornalista, escritor e ex-Secretário Nacional da Cultura.