Saber aprender e ensinar no século XXI: o permanente desafio de construir a escola ética e cidadã.

Artigo produzido especialmente para o XI Congresso Saber 2007, São Paulo, 21 a 23 de setembro de 2007.

Saber aprender e ensinar no século XXI: o permanente desafio de construir a escola ética e cidadã.

Prof. João Beauclair.

Resumo:

Saber aprender e ensinar no século XXI é permanente desafio à construção de um cotidiano escolar onde seja possível fazer valer as dimensões humanas da Ética e da Cidadania Ativa. Num tempo de revisões paradigmáticas em importantes campos do Conhecimento, da Ciência e Tecnologia, a Psicopedagogia pode auxiliar neste movimento, propondo estratégias e ações que viabilizem a melhoria dos processos de aprender, ensinar e conviver nos espaços institucionais de nossa atualidade. A proposta aqui apresentada é a de refletirmos sobre como tais ações e estratégias podem contribuir para que aprendizagens significativas sejam vivenciadas por todos os envolvidos na magia de educar, capacidade humana que faz com que sentidos e significados sejam despertos para um viver ético e cidadão.

Palavras-chave:

Psicopedagogia, Cotidiano escolar, Aprendizagem Significativa, Ética e Cidadania, Sociedade Aprendente, Sociedade do Conhecimento.

Introdução:

“Somos todos anjos de uma asa só,

e só podemos alçar vôo

se estivermos abraçados

uns aos outros.”

Léo Buscáglia

Saber aprender e ensinar no século XXI é permanente desafio à construção de um cotidiano escolar onde seja possível fazer valer as dimensões humanas da Ética e da Cidadania Ativa. Na complexidade de nosso tempo, com todas as questões sociais presentes, os modelos de percepção de mundo ultrapassados que não dão mais conta de encontrar alternativas possíveis, precisam ser superados para a construção de um novo tempo, onde possamos ver e viver dias melhores.

Na revisão paradigmática que atualmente vivemos em importantes campos do Conhecimento, da Ciência e Tecnologia, a Psicopedagogia pode auxiliar neste movimento, propondo estratégias e ações que viabilizem a melhoria dos processos de aprender, ensinar e conviver nos espaços institucionais educativos. A proposta aqui apresentada é a de refletirmos sobre como tais ações e estratégias podem contribuir para que aprendizagens significativas sejam vivenciadas por todos os envolvidos na magia de educar, capacidade humana que faz com que sentidos e significados sejam despertos para um viver ético e cidadão.

I - Saber Aprender e Ensinar no século XXI: desafios contextuais.

"Os professores ideais são os que se fazem de pontes,

que convidam os alunos a atravessarem,

e depois, tendo facilitado a travessia,

desmoronam-as com prazer,

encorajando-os a criarem as suas próprias pontes."

Nikos Kazantzakis

Inicio este artigo utilizando uma linguagem metafórica, prática comum em minhas ações e produções como ensinante e aprendente no caminhar educativo de formar pessoas em Educação e Psicopedagogia. As metáforas possibilitam a construção de novos significados e ampliam nossas potencialidades de interpretação e intervenção com o mundo, com as pessoas, com o conhecimento.

O trecho escolhido acima como citação remete nosso pensar aos desafios de sermos pontes, enquanto ensinantes, aos nossos aprendentes. Ousar criar novos conceitos, pois também é interessante, para dar nova carga semântica as palavras e ações que necessitam nosso constante revisitar. Assim, as aprendizagens podem ganhar novas roupagens e impulsionar nossa criatividade, necessária para processos reflexivos mais abrangentes.

Faz tempo que brinco, feito criança, com as palavras, espaço de prazer e de procura de sistematização dos desafios vividos. Aprendências e ensinagens , por exemplo, são conceitos que gosto de trabalhar. Rubem Alves, Hugo Assman e Nilda Alves sustentaram meu inicial movimento neste sentido e Alicia Fernández, quando nos ensina sobre autoria de pensamento, fortalece este meu mover no mundo, em busca de novos sentidos e significados às minhas ações e intervenções educativas.

No contexto que atualmente vivemos isso é um imenso ganho para quem atua com pessoas e aprendizagem, pois possibilita a construção metacognitiva e cria espaços e tempos de trabalho, onde o fazer pedagógico amplia suas possibilidades. Aprender é ensinar e ensinar é aprender, como já nos falava, faz tempo, Paulo Freire, nosso educador maior numa perspectiva humanística, ativa e proativa de fazer educação.

Acredito que são números os desafios a serem enfrentados no contexto atual da ação educativa. Mas evito falar dos entraves como barreiras: e meu foco de ação sempre foi, é e será, sempre, vinculado as possibilidades, não aos empecilhos. Sair do lugar da queixa é estratégia essencial, pois quando não se move, a vida fenece. Diante das complexidades do ato educativo, queixar-se simplesmente é morrer em vida, pior morte, pois somos invadidos pela inércia, pela Síndrome de Gabriela: “eu nasci assim eu cresci assim vou ser sempre assim... Gabriela”, como nos ensina o poeta.

Evitar esta síndrome é a ação maior que cabe a cada um de nós. Mas como fazer este movimento? Mudança de foco, reconstrução de um outro olhar sobre nossas vidas, ações e missões. Compromisso, militância e comprometimento com o agir e o fazer que leve a outros lugares, no caminho da utopia, que serve para caminhar, como nos ensinou Eduardo Galeano.

Utopia como mola mestra para o enfrentamento, que é uma palavra bonita quando mudamos o seu sentido. As palavras servem para serem mudadas e alteradas em seus sentidos para que utópicas, novas e criativas construções aconteçam. Serve este processo para semear em nossos corações à esperança como uma ação, como atividade e proatividade facilitadora de processos de mediação, onde o ser sujeito seja pleno de respeito, com as imensas variáveis que compõem nossa espécie.

Enfrentamento não pode mais ser visto como o tradicional enfrentar, que sugere conflito, disputa onde alguns perdem e outros ganham e que somente envolve dor, nenhum prazer.

Penso a palavra enfrentamento como uma postura, um posicionamento de cada um de nós ao se colocar em frente ao outro, com um olhar mais límpido e que facilita a importância do diálogo como estratégia de mediação de conflitos, possibilitadora de novos arranjos para as questões em aberto, ou em busca de alternativas, de soluções.

No cotidiano escolar a ação educativa não é ação isenta de nossas escolhas: quando em relação de ensinagem, cada um de nós, como aprendentes, deve ter em mente o que Henry Adams nos ensinou: um ensinante “sempre afeta a eternidade. Ele nunca saberá onde sua influência termina”. E para tanto, que essa consciência ganhe efetiva presença em nossas vidas, um desafio se configura: superar o medo. É Nelson Mandela que trás relevante contribuição a este pensar quando em belíssimo texto nos diz que nosso medo mais profundo é de sermos poderosos além da medida e que é a nossa luz - e não nossa escuridão-, que nos assusta. Adiante ele afirma que cada um de nós pretendendo ser pequeno, não serve ao mundo. A ação de ensinagem, visando aprendências e vivências significativas, deve ser elemento de luz diante das nossas cotidianas ações.

Ainda com Mandela, aprendemos que à medida que deixamos nossa luz brilhar, vamos dando permissão para que os outros façam o mesmo: esta não seria a maior missão de todos nós, educadores de crianças, jovens e adultos neste complexo mundo que vivemos, com tantas possibilidades de interação, movimento, aprendizagem e ressignificação da própria vida?

Aprender e ensinar, hoje, deve ser algo como o trabalho de um jardineiro, que ao cuidar do jardim, pensa na beleza das flores, dos frutos, dos pássaros, das sutilezas e das riquezas das diferentes manifestações da vida que neste espaço ocorre. Quem, hoje com mais de 35 anos, não se lembra de suas aventuras (e algumas desventuras) quando crianças em seu jardim de infância, redescobrindo outros mundos, interagindo com outras pessoas, lidando com outras materialidades e aprendendo com a música, com a poesia, com as histórias, os cantinhos?

Saber e ensinar no século XXI é tarefa de resgate de tempos outros, onde a ludicidade estava mais presente e com gostos de sabores mais amenos, menos apressados e prontos. Para isso, não é interessante fazer pesquisas de outros métodos e ler autores que se firmaram com suas excelentes contribuições a prática e a práxis pedagógica? Ler autores da Escola Nova, reler Piaget que, sabiamente, em seus escritos, nos dá a consciência de que a criança é o pai do adulto e fomentar em nossas escolas o gosto pela dúvida, pela busca, pela pesquisa como esforço de permanente abertura ao nosso pensar sobre novas tarefas e construções?

Um dos maiores desafios, ao saber que somos invadidos cotidianamente com inúmeras informações, é lidar com esta nova sociedade, cuja revolução, nos meios de informação, mídia e tecnologia, remete nosso pensar, refletir e agir sobre o como ensinar e aprender numa sociedade aprendente.

Diversos documentos oficiais, divulgando sobre tais mudanças em nosso mundo, ressaltam impactos imensos, seja o impacto da própria globalização e mundialização, seja o impacto da sociedade da informação e da nova sociedade tecno-científica. Unidos, enquanto impactos, algumas terminologias tem sido amplamente adotadas no jargão técnico sobre o tema, tais como sociedade da informação, sociedade do conhecimento (knowledge society) ou sociedade aprendente (learning society).

Saber aprender e ensinar no século XXI é enfrentar o desafio contextual de estarmos em processo de construção de uma sociedade do conhecimento (ou aprendente) que tem seu foco na produção intelectual, com intensiva utilização das tecnologias da comunicação e informação.

Fica cada vez mais claro que o conhecimento é determinante recurso social, econômico, cultural e humano neste novo período de nossa evolução histórica: a sociedade aprendente. É Hugo Assman que nos diz que com a expressão sociedade aprendente “pretende-se inculcar que a sociedade inteira deve entrar em estado de aprendizagem e transformar-se numa imensa rede de ecologias cognitivas”.

Assim, aprender e ensinar no século XXI, é necessariamente lidar com a aprendizagem numa perspectiva de construção de ecologias cognitivas, onde a capacidade de aprender está sendo cada vez mais necessária nas distintas interações que, enquanto sujeitos, estabelecemos com os outros, com o meio, ou seja, com a sociedade.

Em Pierre Lévy (1994), aprendemos que tais ecologias cognitivas são as complexas relações que estabelecemos com a realidade, fazendo a utilização coletiva de nossas inteligências com o entrelaçamento e a mediação dos avanços tecnológicos. Saber aprender e ensinar no século XXI é enfrentar este desafio no nosso contexto educacional atual: criar estratégias para o desenvolvimento de uma ecologia cognitiva geradora de uma sociedade do conhecimento, onde competências e habilidades para aprender e ensinar sejam acessíveis a todos. Um outro teórico importante, Peter Senge, nos fala sobre a necessária construção de organizações de aprendizagem

“nas quais as pessoas expandem continuamente sua capacidade de criar os resultados que realmente desejam, onde surgem novos e elevados padrões de raciocínio, onde a inspiração coletiva é libertada e onde as pessoas aprendem continuamente a aprender em grupo.

O desafio que se configura, então, é pensar como nossas escolas, em suas ações cotidianas, podem organizar ações educativas que atendam a demanda por aprendizagens significativas e por efetivas construções de conhecimentos. Em nosso momento histórico atual, reside nos projetos político-pedagógicos a busca por coerência entre as práticas de ensinagens e os novos paradigmas científicos que, no contexto das emergentes mudanças, devem estar presentes nas reformulações pedagógicas.

Na sociedade aprendente do século XXI, é a prática educativa em si que necessita ser revisada, com profundidade, em suas abordagens didáticas, em suas concepções epistemológicas e nos seus distintos aspectos curriculares, pois o avanço crescente da ciência, das tecnologias e dos meios de comunicação exige a presença da coerência nos contextos educacionais, visando atender demandas contemporâneas pela disseminação de novos paradigmas científicos, necessários à economia globalizada.

São as mudanças que desencadearam a sociedade aprendente que desafiam as instituições educacionais a oferecerem formação que seja compatível com as demandas atuais - criadas com as redes eletrônicas de comunicação, com a internet e as múltiplas possibilidades midiáticas de acesso à informação e a ampliação cada vez maior, em nosso planeta, da produção de conhecimentos, disponível nos bancos de dados presentes no ciberespaço.

Mediante tal realidade, a ação docente deve ser focada, irremediavelmente, no ensinar para aprender, visto que a maior demanda educacional contemporânea é formar sujeitos aprendentes, capazes de aprender de modo criativo, contínuo, crítico e autônomo. A adoção de novas abordagens, de novos modos de ensejar a capacidade de investigação e de “aprender a aprender” deve ser objetivo a ser perseguido por todas as instituições educacionais, para a construção de novos dos modos de produção do saber, criando condições necessárias para o necessário e permanente processo de educação continuada.

Um valioso aspecto a ser observado é a busca por ativas metodologias pedagógicas, que fomente, nas redes informatizadas, às necessidades de acesso às informações e ao conhecimento. Neste sentido, aprendentes e ensinantes precisam estar em movimentos de parcerias na pesquisa, na investigação e na busca por coletivas modalidades de aprendizagem. Importante desafio para o aprender e o ensinar no século XXI.

II - Revisões paradigmáticas e Psicopedagogia: o caminho sendo trilhado.

Os desafios elencados acima podem ser enfrentados com novos estudos, novas inserções teóricas e práticas no campo educacional. A Psicopedagogia, no Brasil, tem contribuído de modo significativo, para a necessária revisão da prática escolar cotidiana, inserindo, nos espaços e tempos institucionais, novos paradigmas e novas dimensões para o ato educativo.

Autores oriundos de campos de conhecimento distintos, tais como Edgar Morin, Humberto Maturana, Paulo Freire, Pedro Demo, Aglael Luz Borges, Francisco Varela, Ivani Fazenda, Fritoj Capra, Maria Cecília Castro Gasparian, Alicia Fernández, Hugo Assmann, Sara Pain, Jorge Visca, Edith Rubinstein, Leonardo Boff, Maria Cândida Moraes, Xésus R. Jares, Júlia Eugênia Gonçalves, José Manuel Moran, Maria José Esteves Vasconcellos, J. Gimeno Sacristán, Sara Pain, Laura Monte Serrat, Jung Mon Sung, Nilda Alves, Fernando Hernandez, José Contreras, César Coll Salvador, Moacir Gadotti, Boaventura Santos, Gloria Pérez Serrano, entre outros tantos e importantes teóricos de nosso tempo, alimentam ações e pesquisas psicopedagógicas, (com o intuito de colaborar, de modo contundente, numa constante produção de informações e conhecimento), em um esforço conjunto e cooperativo para auxiliar, de modo crítico e reflexivo, na elaboração de novos conhecimentos e no seu inteligente uso nos espaços institucionais.

A Psicopedagogia no Brasil, hoje, tem relevante papel neste sentido, organizando práticas docentes em associação a esta nova realidade. O ensinante na educação básica, e nos demais níveis de escolaridade, com o auxilio do profissional psicopedagogo, pode superar as possíveis dificuldades relativas às mudanças essenciais que a práxis pedagógica contemporânea necessita. O ensinante, mesmo sem ser o único elemento significativo em todo este movimento, continua sendo o protagonista no que diz respeito às decisões pedagógicas, apesar de outros tantos fatores que neste processo interferem.

O ensinante, como fundamental elemento - e por seu papel em cada sala de aula que atua-, pode favorecer a mudança, visto ser ele que direciona sua própria prática pedagógica. Apesar da predominância da perspectiva reprodutora do conhecimento que, infelizmente ainda é paradigma dominante, com a presença da fala massiva e massificante, hoje, com o apoio e o trabalho dos profissionais psicopedagogos inserindo-se em diferentes espaços institucionais, metodologias mais criativas ganham espaço no cotidiano escolar.

É, sem dúvida, uma realidade nova, complexa e desafiadora para a educação como um todo - e para a Psicopedagogia em particular - esta sociedade contemporânea, do conhecimento e aprendente, que pode ser vislumbrada como um campo aberto para novos estudos, novas pesquisas e propostas educativas.

A crise vivenciada no exercício da prática docente, em todos os níveis de ensino, estimula a busca por novos caminhos necessários à educação, que atendam aos novos paradigmas de nosso tempo. É fundamental, para as novas dinâmicas comunicacionais advindas desta sociedade aprendente, sociedade da informação e do conhecimento, adequar processos pedagógicos presentes na revisão, ou melhor, na transição de paradigmas, como nos ensina Boaventura Santos (1987) que a define como um necessário espaço à ruptura e a mudança do paradigma dominante e tradicional, movimento essencial direcionado à construção do paradigma emergente.

Para Boaventura Santos (1987) tal paradigma emergente teve sua origem na ciência de nossa contemporaneidade, que por ele recebe a definição de ciência pós-moderna. Assim, as revisões paradigmáticas, como caminho sendo trilhado, podem ser pensadas, feitas e investigadas pela Psicopedagogia, que por sua própria história e pelo seu desenvolvimento, caracteriza-se com espaço interdisciplinar que visa alcançar a transdisciplinaridade, propondo a uma educação que atenda, efetivamente, as demandas pro aprendizagem presentes na pós-modernidade.

Interessantes contribuições para a ampliação desta idéia estão presentes no livro Psicopedagogia: contribuições para a educação pós-moderna, publicado pela Editora Vozes em 2004. Ao tratar dos processos de autonomia, de autoria de pensamento, de construção de novos olhares, dos vínculos afetivos, da temática de inclusão, alteridade e identidade, ao propor a contextualização plena do sujeito humano em ambientes de aprendência, além de dar especial atenção às questões presentes no cotidiano escolar, a Psicopedagogia tem contribuído de fato, com grande relevância, para o permanente desafio de construir a escola ética e cidadã, necessária para o saber aprender e ensinar no século XXI.

Algumas proposições e reflexões podem, com o suporte psicopedagógico, levar a construção de ações e estratégias contributivas para o ressignificar das vivências presentes no cotidiano escolar. Se a busca é por aprendizagens significativas, aprendentes e ensinantes devem ser percebidos como caminhantes por uma mesma estrada, de mãos dadas, na busca de conhecer, de saber, de compreender os imensos desafios de nosso tempo, que emergem em todos os aspectos da vida humana e afetam a todos nós.

A construção de um outro cotidiano escolar exige trabalharmos com as dimensões éticas necessárias a construção de uma cidadania ativa, onde a participação de todos, sem nenhuma exceção, gere uma gestão escolar democrática e possibilitadora de novos movimentos de conscientização.

Algumas das minhas apostas metodológicas, a partir de minhas antigas e atuais vivências profissionais como arte-educador, psicopedagogo e formador de educadores e psicopedagogos em cursos de pós-graduação, teço a seguir, como forma de contribuir para novas reflexões e proposições.

III – Proposições e reflexões: ações e estratégias contributivas as vivências de aprendizagens significativas:

“Não haveria existência humana

sem a abertura de nosso ser ao mundo,

sem a transitividade de nossa consciência”.

Paulo Freire

Diante do que aqui expus, e de acordo com minha postura profissional, acredito sempre ser necessário fazer proposições ao nosso pensar sobre os temas que trabalho. Apesar de fazer análises, levantar questões e estudar determinados temas ser de grande importância, cabe a quem se dedica a Educação e Psicopedagogia também fazer proposições, ou seja, apontar alguns caminhos, sempre discutíveis e provisórios.

No percorrer de minha trajetória tenho pensado e me conduzido deste modo: faço proposições, exerço minha autoria de pensamento compartilhando idéias, conhecimentos e saberes no intuito de dar minha parcela de contribuição de modo mais significativo. Escrever, para mim, é um modo de aprender, pois com a escrita, sistematizo meus estudos e posso compartilhar, com meus artigos e textos, minhas buscas em Educação e Psicopedagogia.

No meu primeiro livro, Psicopedagogia: trabalhando competências, criando habilidades, publicado em 2004, propus uma matriz de competências e habilidades básicas para a ação psicopedagógica, mediante as mudanças presentes no nosso século XXI. Interessante comentar aqui que este trabalho, nascido de minhas próprias perguntas e dúvidas psicopedagógicas, hoje está em sua segunda edição, é utilizado em diversos cursos de pós-graduação em Psicopedagogia em nosso país e tenho recebido interessantes comentários de ensinantes e aprendentes em Educação e Psicopedagogia, sobre o seu uso em estudos, aulas e produções monográficas.

No meu segundo livro publicado, Para Entender Psicopedagogia: perspectivas atuais, desafios futuros, minha proposição maior está focada na própria formação do psicopedagogo e em sua permanente busca de profissionalidade, caminhando em processos de formação continuada, de supervisão e de busca de formação pessoal.

Incluir, um verbo ação necessário à inclusão: pressupostos psicopedagógicos, é meu último trabalho, recentemente publicado, e lançado em Portugal e Espanha no início deste ano. Neste livro, também mantenho a iniciativa da proposição elencando, numa perspectiva dialógica e participativa, competências técnicas para profissionais envolvidos em Psicopedagogia e Educação Inclusiva.

Aqui também considero importante me posicionar de modo propositivo. Uma primeira questão deve ser a de pensarmos, enquanto ensinantes e gestores educacionais, sobre a importância de processos de inclusão digital e do uso da internet. Pierre Lévy assinala que ciberespaço “haveria lugar para projetos, entre os quais o desenvolvimento de uma inteligência coletiva”.

Este mesmo autor afirma ainda que a inteligência, a aprendizagem e a cognição são resultantes das complexas redes onde um grande número de atores humanos, biológicos e técnicos interagem. Neste sentido, uma proposição é pensar em projetos educativos que construam, com o uso do ciberespaço, novas possibilidades didáticas, metodológicas e pedagógicas para a construção de conhecimentos.

Sabemos que os recursos tecnológicos das comunicações e informações digitais, quando presentes nas instituições de ensino não são, infelizmente, usados de modo adequado e, quando ocorre este uso, não apresentam rupturas, nem nos aspectos curriculares, epistemológicos ou didáticos, perdurando apenas abordagens pedagógicas convencionais, com pouca inovação.

Políticas públicas favorecedoras à inclusão digital e formação de educadores para o uso adequado e inovador das tecnologias da informação e comunicação, em espaços digitais, é um bom desafio a ser enfrentado para a melhoria da educação, da aprendizagem e do saber no século XXI.

Uma segunda questão surge também como possibilidade de reflexão e posicionamento: nas instituições de ensino, grosso modo, perdura uma prática pedagógica tradicional, ainda focada na transmissão do conhecimento, na aprendizagem repetitiva, sem contextualização adequada, incompatível com a conectividade, com a interatividade e hipertextualidade que caracterizam, nas redes de comunicação digitais, as dinâmicas comunicacionais novas, surgidas com a revolução das tecnologias de informação.

A proposição aqui também se vincula ao surgimento de novos projetos de formação de educadores para o uso qualitativo das novas tecnologias, como prioridade fundamental, visto que nesta nova realidade, presente na sociedade aprendente, trás a exigência de novos modos de produzir conhecimento, novas maneiras de ensinar e de aprender.

A terceira proposição está centrada no desenvolvimento das ecologias cognitivas contemporâneas, pois o amplo acesso a conhecimentos e informações, além da crescente velocidade das comunicações digitais, podem se tornar, cada vez mais, criadores de novas potencialidades de interações sociais.

O desafio então é o de fomentar o surgimento de novos usos do acesso à internet, novas comunidades, novos grupos de interesse, que exige a mobilização de novas competências, tanto para a construção individual quanto coletiva do conhecimento.

A prioridade, então, deve ser o aprendente e aqui surge uma outra proposição: a busca permanente por metodologias ativas de construção de conhecimentos que atenda a interesses e necessidades distintas, que respeite os diferentes ritmos, as distintas modalidades e os estilos diferentes de aprender de cada um. A pesquisa constante e a formação continuada, nos espaços e tempos da ação de cada ensinante, devem ser perseguidas como parte de todo o trabalho educativo.

A aprendizagem significativa, a mediação adequada no ato de aprender e a invenção de novos modelos pedagógicos devem ser perseguidas para atender as demandas de nosso tempo. Isto significa que precisamos, no cotidiano escolar, nos espaços e tempos das instituições educacionais, fazer mudanças, promover rupturas e ir além dos modos tradicionais de ensino e aprendizagem. Mudanças significativas nas posturas dos ensinantes devem ocorrer, pois a urgência é efetivar e instaurar o desejo de uma comunicação dialógica, que entenda o aprendente como um sujeito ativo, histórico que precisa de técnicas e instrumentos, mas necessita também compreender a realidade de seu tempo, de seu contexto social, e de ser visto em suas múltiplas interações e em suas diferentes capacidades perceptivas, sensoriais e cognitivas, ou seja, que seja percebido com um sujeito em suas múltiplas dimensões.

A última proposição, que aqui se configura, é a de aprendermos, todos, a lidar com a diversidade cultural, com a pluralidade, com a alteridade, com processos de identidade, de inclusão e de validação de cada aprendente. No exercício de uma cidadania ativa, de uma vivência ética nos espaços e tempos das instituições, esta proposição pode ampliar possibilidades de encontro, do sujeito com si mesmo, com os outros, com o mundo e suas complexidades. E neste movimento, aprendentes e ensinantes iniciam um novo caminhar, onde novos modos de ensinar e aprender estejam em movimento de ressignificar às relações interpessoais e criar, desta forma, novas relações com o próprio processo de construir conhecimentos, novos comportamentos, novos estímulos de percepção, novas racionalidades e novas visões de mundo, a partir de suas autorias de pensamento em movimento.

Conclusão: A magia de educar: aprender é ensinar, ensinar é aprender...

“ O grande problema do educador não é discutir se a educação pode ou não pode, mas é discutir onde pode, como pode, com quem pode, quando pode, é reconhecer os limites que sua prática impõe e perceber que o seu trabalho não é individual, é social e se dá na prática de que ele faz parte.”

Aprender é uma de nossas capacidades humanas, que faz com que sentidos e significados sejam despertos para um viver ético e cidadão. Em nossa contemporaneidade, os caminhos que estamos a vislumbrar sobre o aprender e o ensinar contemporâneo, podem apontar para novos modos de ser e estar atuando em Educação, Psicopedagogia e Aprendizagem. Tais caminhos podem gerar novas modalidades de ensino onde o autoritarismo ceda espaço para a solidariedade e para o desenvolvimento de novas habilidades criativas, colaborativas e comunicacionais essenciais ao processo de construção do conhecimento.

Deste modo, nosso maior desafio é promover espaços e tempos nas instituições educacionais para que a aprendizagem seja, de fato, cooperativa, lembrando com Jean Piaget o quanto a cooperação é fundamental fator para o desenvolvimento humano.

Para aprender e ensinar no século XXI é preciso, essencialmente, cooperar, operar junto com, favorecendo o equilíbrio nos intercâmbios presentes na sociedade de nosso tempo e resultando numa aprendizagem que traga à luz internos processos de desenvolvimento que só acontecem quando, enquanto aprendentes, os seres humanos interagem com os outros.

Assim, resta desejar com todos os nossos pensamentos, emoções, sentimentos e ações que as instituições educacionais do século XXI - onde possamos cada vez mais crescer como seres humanos- sejam como a escola sonhada por Paulo Freire e, por tantos de nós, desejada.

“Escola é...

o lugar onde se faz amigos

não se trata só de prédios, salas, quadros,

programas, horários, conceitos...

Escola é, sobretudo, gente,

gente que trabalha, que estuda,

que se alegra, se conhece, se estima.

O diretor é gente,

O coordenador é gente, o professor é gente,

o aluno é gente,

cada funcionário é gente.

E a escola será cada vez melhor

na medida em que cada um

se comporte como colega, amigo, irmão.

Nada de ‘ilha cercada de gente por todos os lados’.

Nada de conviver com as pessoas e depois descobrir

que não tem amizade a ninguém

nada de ser como o tijolo que forma a parede,

indiferente, frio, só.

Importante na escola não é só estudar, não é só trabalhar, é também criar laços de amizade,

é criar ambiente de camaradagem,

é conviver, é se ‘amarrar nela’!

Ora , é lógico...

numa escola assim vai ser fácil

estudar, trabalhar, crescer,

fazer amigos, educar-se,

ser feliz.”

Bibliografia:

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Notas e referências bibliográficas: