Uma Prosa Sobre Racismo na TV
Navegando pelo Youtube como de costume, eis que me deparo com trechos do programa que Xuxa Meneghel fez para a TV americana em meados de 93, nos tempos em que tentava ampliar seus poderes de rainha para o lado saxônico do continente, e, conseqüentemente, para o resto do mundo.
Pouco sei sobre detalhes deste programa. Pelos vídeos postados, vemos que o show procurava passar um clima de aldeia global, com bandeiras de vários países tremulando em meio ao público infantil. Seu formato e características não diferiam muito daquele com o qual nos acostumamos anos antes. Personagens em forma de bicho, brincadeiras de palco, crianças em volta, paquitas. Um urso panda dividia o palco com a apresentadora, assumindo o microfone na hora de fazer explicações mais complicadas sobre as brincadeiras, já que xuxa ainda não dominava totalmente a língua inglesa.
O que mais me chamou a atenção foi a forte diversidade racial do programa, significativamente superior àquela vista no Brasil, contando, inclusive, com a presença de uma paquita negra. Sabemos, claro, não se tratar de uma diversidade espontânea, mas meticulosamente premeditada para angariar simpatia das "minorias" e preencher requisitos politicamente corretos para elaboração de material infantil em solo americano. Mesmo assim, este quadro étnico - tão diversificado quanto o quadro étnico populacional brasileiro - não deixa de nos parecer incomum, visto que não estamos tão acostumados a vê-lo refletido em nossas telinhas. A multiracialidade de programas como o "Xou da Xuxa" na versão nacional tinha tendências caucasianas, "pró-claras", paquitas brancas e loiras, crianças negras sendo sempre exceções em volta do palco. O racismo da TV nacional revela um ideal estético pós-escravista, ainda arraigado em preceitos coloniais, um brasil "mítico" mais branco do que negro, mais claro do que escuro, mais "europa morena" do que "indo-áfrica clara". A TV e a publicidade, ao contrário do cinema, não buscam alcançar verdades, mas alimentar mitos, aspirações ainda fortes no inconsciente coletivo de nossas classes média e alta, sonhos que acabam por contaminar também a mente dos desfavorecidos, rejeitados por uma multiracialidade que se quer mais clara, de olhos mais verdes, mais azuis, com cabelos mais lisos; a multiracialidade de "caprichos", novelas, "playboys" e "coleguinhas" do Luciano Huck, uma miscigenação que pouco condiz com as reais proporções étnicas da nação.
O Brasil da TV exalta o Brasil da realidade como algo abaixo dele, algo para ser reverenciado enquanto ocupa seu devido lugar de notícia de jornal, documentário, "agora ou nunca", "o povo fala" e "se vira nos trinta". Na telinha, a representatividade estética do "povo" só ganha status de maioria quando participa como "povo", virando exceção ou "acessório" no terreno dos grandes referenciais de desejo coletivo, o que só contribui para minar a auto-estima e os sonhos daqueles que se vêem pouco refletidos no "mundo ideal da TV".
Mudanças significativas vêm ocorrendo nesse sentido durante a última década, inclusive no que diz respeito ao trabalho da "rainha dos baixinhos", mas tais progressos são pequenos perto do que ainda precisa ser elaborado. Sabemos o quanto falta para nossa diversidade "espontânea" da TV atingir níveis ao menos próximos de nossa realidade e, ironicamente, da multiracialidade fictícia que alguns canais americanos politicamente corretos propagam.
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(Luiz Mendes Junior é escritor, cronista e roteirista
Seus textos também podem ser encontrados no blog http://noticiasdofront3.blogspot.com e http://dominiocultural.com)
Luiz Mendes Junior