Deixa eu te contar um segredo sobre o abraço?

Eu tenho um segredo. Deparar-me com ele na construção de uma pauta me fez querer compartilhá-lo com vocês. Já tive hanseníase, uma doença cheia de estigmas e com a qual me reencontrei profissionalmente esta semana – meados de junho de 2019. Pensei que isso fosse um capítulo passado da minha história, mas a minha vida cruzou com o seu João e com a dona Osmarina. Fiz o tratamento e estou curado.

No período em que produzi a reportagem "Fraternidade em Teresina: quem disse que um abraço não cura e não salva vidas?!", pude perceber o quanto o silêncio acerca da doença só estimula a manutenção da ignorância, do preconceito e da discriminação contra quem é acometido pelo mal de Hansen, famoso pela exclusão social milhares de anos atrás, antes mesmo do nascimento de Cristo.

Em meio tantas conversas com os dois personagens que ilustraram a minha reportagem sobre a importância da Caminhada da Fraternidade de Teresina em prol de pessoas como o seu João e a dona Osmarina, ambos recém-curados da hanseníase, recordei-me de quando uma médica confirmou o bacilo de Hansen em meu organismo. A minha mãe estava ao lado, em pé. Apenas levantei o rosto e senti o nó na garganta que ela sentia assim que ouviu notícia da minha doença, tentando segurar as lágrimas que encharcavam aquele olhar cabisbaixo.

Eu tinha 18 anos quando saiu meu diagnóstico, em 2013. Eu não conhecia esse lado traumático da hanseníase, pois, à época, as propagandas do Governo Federal sobre a doença na TV não me colocavam no mesmo pânico da minha mãe, que viveu um período totalmente diferente do meu, em que hansenianos eram tidos como "leprosos". Com tranquilidade, aceitei a minha condição e só me lembro de ter dito: "Calma, senhora! Vai ficar tudo bem. Não precisa desse chororô". Ela, dissilábica, respondeu: "Tá bom".

Para a minha sorte, o meu tratamento não seria com medicamentos tão fortes, porém durante seis meses, uma vez por mês, eu retornava ao Hospital Achilles Lisboa, mais conhecido como "Colônia do Bonfim", localizado até perto da minha casa, periferia de São Luís. O ponto geográfico onde foi construído não foi escolhido por acaso. Hoje é uma pequena vila de pescadores onde quase não tinham habitantes, exceto os então "leprosos" abandonados afetivamente pelo Estado, família e sociedade em geral.

Após todas as recomendações médicas para seguir o tratamento, a minha mãe, querendo me proteger de desconfortos que eu poderia passar na escola, por ainda estar concluindo a terceira série do Ensino Médio, dizia o seguinte: "Se alguém te perguntar, fala que é remédio para anemia". A cartela de comprimidos vivia na minha mochila. Uns três ou quatro amigos de escola chegaram a ver e me questionar o motivo de tanto medicamento. Até hoje, eles devem pensar que sou anêmico, sendo o meu exame sanguíneo da época mostrava o contrário.

E foram exemplos como o do seu João, um idoso de 68 anos, e a dona Osmarina, com os seus 62, ambos felizes da vida pela aceitação madura durante e após o tratamento, que me deram coragem de vir pedir um grande abraço a vocês, leitores. Não só para mim, mas para todos os hansenianos que enfrentam doenças psicológicas bem mais graves vindas do abandono social em que são submetidos devido ao diagnóstico do mal de Hansen. Estou aqui, neste texto, tentando fazer o papel daquelas campanhas do Governo Federal, hoje tão escassas, que tanto me elucidaram. Enfim, por experiência própria, a piora ou a cura da hanseníase pode sim depender de um abraço.

A reportagem a qual me refiro está disponível em: https://www.oitomeia.com.br/noticias/2019/06/15/fraternidade-em-teresina-a-contribuicao-do-abraco-na-cura-da-hanseniase/

Eduardo Adriano Santos
Enviado por Eduardo Adriano Santos em 31/10/2019
Reeditado em 31/10/2019
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