A morte do velho homem

É preciso nascer de novo. Esta afirmação de Jesus deixou Nicodemos, um mestre em Israel, intrigado. Como é possível alguém nascer de novo? Voltarei, eu, ao ventre de minha mãe? Perguntou, perplexo.
O envolvimento de Nicodemos no sepultamento de Jesus leva-me a crer que a conversa foi muito mais longe. Ele certamente já tinha ouvido falar de João, que pregava o batismo nas águas, o batismo do arrependimento. Muitos não entenderam o verdadeiro significado deste batismo, o que motivou a cólera de João:
- Raça de víboras! Quem vos ensinou a fugir da ira vindoura? Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento.                                                      
Eu fui batizado três vezes. A primeira, numa pia batismal de uma igreja católica, quando bebê. A segunda, por entender a necessidade de professar publicamente a minha fé em Cristo Jesus, batizei-me por aspersão, prática não aceita pela maioria das igrejas evangélicas. E, na terceira, mais para atender o formalismo de uma nova doutrina do que por entender o verdadeiro significado do batismo nas águas.                                              
Muitos se batizam por temer as palavras de Jesus: - quem crer e for batizado será salvo, quem não crer será condenado. Se batizam apenas por uma atitude de fé, porém, sem entendimento.
Quando aceitei a Jesus como meu Senhor e Salvador fui batizado por aspersão. Por ser muito ativo na igreja, nunca consegui ficar quieto num canto, como se diz, 'na minha', e por gostar de participar, sempre optei por freqüentar uma igreja próxima de minha residência. Digo isto, porque precisei mudar de endereço algumas vezes e, numa dessas vezes, não havia igreja da minha denominação próximo da minha casa. Passei a freqüentar uma igreja de outra denominação, que tinha uma visão diferente do batismo, o batismo por imersão. Apoiado nas palavras de Paulo – um só Senhor, um só batismo – resisti fortemente, e por muito tempo, passar por um novo batismo. Foi a vontade de trabalhar na obra do Senhor que me fez abrir mão de tal conceito, ou pré-conceito, e não deixar que um simples formalismo me impedisse de trabalhar no evangelho. Contudo, apesar da grande mudança que aquela atitude causou em mim, eu estava longe de entender o verdadeiro significado do batismo.                                        
Só mais tarde, eu entendi que quando uma pessoa desce às águas, ela simbolicamente desce à sepultura. No momento em que a pessoa é batizada, ela é simbolicamente sepultada. O velho homem está morto. Como uma semente, precisa morrer primeiro para depois germinar. Assim, para nascer de novo, o velho homem precisa morrer. Ao ser levantado das águas deve surgir um novo homem, uma nova criatura disposta a viver em novidade de vida.                                                     
Fiquei impactado com o testemunho relatado por um amigo.                              
Um homem pelo qual a família orava por ele havia trinta e cinco anos, se não me falha a memória, resolveu que queria ser batizado. Ele bebia muito e causava muitos problemas à família. Já havia ensaiado várias seguir a Jesus, mas sempre voltava atrás. Diante do descrédito das pessoas, ele garantiu que daquela vez era verdade, era para valer.           
A igreja reuniu um grupo de batizandos em um sítio. Nesse dia, ele era o mais radiante, dizia a todos que se morresse naquele dia morreria feliz. Foram distribuídas as túnicas brancas para os candidatos ao batismo e muito antes da cerimônia começar ele já circulava feliz ostentando a sua roupa branca. Uma foto tirada num desses momentos registrou o seu júbilo, num cenário celestial.                                                          
Depois da cerimônia, o novo homem participou de um churrasco, conversou com os amigos e alegrou-se com os familiares. Mais tarde, durante um jogo de futebol, ele sucumbiu, vítima de um infarto fulminante.                                                   
No caixão, o sorriso estampado em seu rosto não deixava dúvidas de que ele havia contemplado a face do Senhor. Também estava estampada a certeza de que ele ouvirá, no grande dia, o 'vinde benditos de meu Pai'.                                                   
Comentários conclusivos sentenciaram que o Senhor o havia levado naquele dia para que ele não voltasse a pecar. Creio que outros fatores, entre os quais a sua imensa alegria, culminaram na sua morte súbita, no dia mais feliz de sua vida. Sua partida, no entanto, nos traz o entendimento - quem tem ouvidos para ouvir ouça – para o verdadeiro significado do batismo, o batismo nas águas: para nascer de novo é preciso primeiro enterrar o velho homem.



Este texto faz parte da coletânea Alma Nua de Ivo Crifar, pela editora Baraúna.