“SEM PECADO” DE ANA MIRANDA: UMA OLHAR SOBRE A CONSCIÊNCIA DE VIDA DA PERSONAGEM BAMBI

“SEM PECADO” DE ANA MIRANDA: UMA OLHAR SOBRE A CONSCIÊNCIA DE VIDA DA PERSONAGEM BAMBI

Gladys Mara de Oliveira FERREIRA

Graduanda em Letras Hab. Língua Portuguesa/CAMEAM/UERN

O presente trabalho propõe observar no livro “Sem pecado”, de Ana Miranda a representação do mundo da personagem bambi sob a ótica das relações afetivas que permeiam sua trajetória e sua consciência feminina. Para tanto, utilizamos, em nosso texto, como fundamento teórico, os artigos de Candido (2000), Bosi (1994) e Souza (2005), que tratam das tendências contemporâneas da literatura brasileira e da Nova Narrativa. Com base nas leituras em questão, percebemos os volteios e devaneios da personagem Bambi, diante das situações que marcam sua trajetória em busca de seu sonho, que é o de se tornar atriz de teatro, em que se observa os frágeis laços afetivos das figuras masculinas que a cercam, norteando seus sonhos e aspirações amorosas cobertas por sensações juvenis, ao mesmo tempo em que a personagem coloca-se numa postura audaciosa diante das vicissitudes da vida, contornando os meandros de sua trajetória na cidade do Rio de janeiro. Conservando-se mergulhada em si mesma, mas buscando seu espaço na cidade grande, Bambi tenta entender a todo tempo o mundo que vivia antes de chegar ao Rio de janeiro e o mundo que agora passara a viver, num fluxo contínuo de conscientização de si mesma.

PALAVRAS-CHAVE: Ana Miranda, nova narrativa, literatura brasileira.

1 – “Sem pecado” e a Nova Narrativa

O romance de Ana Miranda segue os contornos da Nova Narrativa, que se caracterizam, principalmente, pela abordagem temática feminina. O romance “Sem pecado”, se passa numa grande metrópole, tecendo os contornos de uma urbanização crescente e desumana. Segundo Cândido (2000, p. 203), “a descrição da vida nas cidades grandes, sobretudo no Rio de Janeiro e áreas de influência, o que sobrepunha à diversidade do pitoresco regional uma visão unificadora”.Este cenário é a outra vertente literária de identificação nacional literária, distanciando-se de antigos temas, sobretudo, do regionalismo. Dessa forma, a Nova Narrativa, busca uma linguagem comum a todos, utilizando, como diz Cândido (2000, p. 203. ), “uma linguagem que procura dar conta dos problemas que são de todos os homens, em todos os quadrantes, na moldura dos costumes da civilização dominante, que contrabalança o particular de cada zona”.

O romance “Sem pecado”, se passa exatamente neste cenário. Sua personagem principal é Bambi, jovem, frágil, mas perseverante, que vai para o Rio de Janeiro fugindo da miséria onde vivia, em São Luis do Maranhão, em busca de um sonho que é o de se tornar uma atriz de teatro. Na transição entre a infância e a adolescência, Bambi se joga nesse novo mundo, sem medo de correr riscos. Audaciosa, se envolve com homens que a querem usar de todas as maneiras. Esperta e um tanto manipuladora, a personagem reverte as situações a seu favor, mas não sem sofrimento, não sem perdas.

Dessa forma, a autora, Ana Miranda, segue uma linha mais tradicional, na confecção de seu enredo e na escrita, sem, contudo, deixar de ser audaciosa na temática feminina e na procura de uma naturalidade coloquial.

A narrativa é construída em primeira pessoa, outra característica da Nova Narrativa, levando o discurso ficcional mais próximo do real, apagando as distâncias sociais, e identificando-se com a matéria popular, por isso o uso da narrativa em primeira pessoa. Sobre isso, Cândido nos diz: “Por isso usa a primeira pessoa como recurso para difundir autor e personagem, adotando uma espécie de discurso direto permanente e desconvencionalizado, que permite fusão maior que a do inteiro livre”. (CÂNDIDO, 2000, p. 213)

Ao adentrar na cidade do Rio de janeiro, grande metrópole, e abordar a violência, o inusitado, a mulher, o romance segue numa construção descontínua e bastante contemporânea. È a própria personagem quem conta à história, recapitulando uma época de sua vida, numa narrativa permeada de fleches temporais e recordações do tempo em que vivia em São Luis. Sobre essa composição descontínua, Cândido diz:

O que vale é o impacto, produzido pela Habilidade ou Força. Não se deseja emocionar nem suscitar a contemplação, mas causar choque no leitor e excitar a argúcia do crítico, por meio de textos que penetrem com vigor, mas não se deixam avaliar com facilidade. (CÂNDIDO, 2000, p. 214).

Não existem parâmetros pré-definidos, não existe mais a preocupação com a simetria e a harmonia do texto, o que vale é a inovação, a assimilação de novos recursos.

Outro aspecto interessante na narrativa de Ana Miranda é que Bambi, apesar do êxodo rural a que se submete, consegue driblar o destino que fatalmente a levaria à favela, aumentando a legião de excluídos e se marginalizando, pelo contrário, Bambi subverte o possível fim saindo da miséria e buscando, independente da forma, uma vida confortável e promissoramente digna.

2. BAMBI: Sua consciência de vida e seus relacionamentos

As recordações de Bambi refletem a época em que ela chega ao Rio de janeiro. Suas memórias narram o espaço temporal, que vai dos 13 aos 16 anos. Numa ambientação reflexa, onde é a própria personagem quem conta a história, a partir de sua percepção dos acontecimentos vividos por ela mesma, sem, no entanto, mergulhar no sonho e no irreal. Sobe isso Bosi nos diz que:

Nem sempre a introspecção romanesca mergulha nas zonas do sonho e do irreal. Pode ter-se na memória da infância ou fixar-se em estados de alma recorrentes no indivíduo, sem que o processo implique necessariamente em transfiguração.(BOSI, 1994, p. 417)

Bambi vai em busca de um sonho, isso por si só lhe basta, para justificar os fins. Apesar da tenra idade e da aparente fragilidade, ela não é um exemplo de moça inocente e indefesa. Com o desenrolar da narrativa, vamos percebendo que a personagem não está deslocada num mundo que não lhe é familiar, pelo contrário, ela pertence muito mais a esse mundo urbano e violento, do que ao lamaçal do mangue em que vivia, em um bairro periférico de São Luis.

No Rio de Janeiro, Bambi dá vazão aos seus desejos, podendo viver suas ilusões sem limites, de forma audaciosa, correndo todos os riscos que a juventude se pode permitir.

As vicissitudes de bambi são contadas com muita sensibilidade, por se tratar de uma personagem feminina e escrita sob o olhar feminino. Ao chegar na cidade do Rio de Janeiro e sem ter para onde ir, Bambi se lança à sorte, envolvendo-se com toda espécie de pessoas, tipos patéticos e doentios, que cruzam seu caminho. Assim, Bambi rememora esse tempo com sensibilidade e candura, e às vezes, com uma certa impiedade para com os homens que a desejaram.

Bambi sabe que para chegar a algum lugar, tem que se jogar no mundo e aproveitar o momento certo. Mesmo com sua pouca experiência de vida, Bambi não possui muito escrúpulo e usa os homens que passam por sua vida para conseguir o que quer. Dessa forma, ela sucumbe ao jogo do “toma lá dá cá”, fazendo o que eles querem em troca de favores que a levem de encontro a suas ambições. Sobre o romance contemporâneo/urbano, tendo como foco o jovem sem raiz e sem nada a perder, Bosi (1994, p. 419) relata que “A Tragédia Burguesa poderia ser o painel da grande cidade apreendida na existência de jovens sem raízes, enovelados no dia-a-dia das suas aventuras afetivas e intelectuais”.

Em sua jornada, Bambi se envolve com três homens, mas é com apenas um deles, Gustavo, que mantém um caso amoroso. O primeiro, Seu Fred, estuprador de balconistas, figura melancólica e solitária. É dono de uma loja de lingerie, e é quem primeiro ajuda Bambi, mas não sem querer algo em troca, que é a própria Bambi. Nas primeiras conversas com Seu Fred, Bambi percebe sua carência e sabe que de alguma forma pode tirar proveito disso. Mas essa constatação de Bambi, não é calculada, na verdade ela tem um certo talento para decifrar as pessoas que permeiam sua nova jornada.

Quando terminou de comer, meu prato ainda estava pela metade. Ele foi pegar a sobremesa e aproveitei para devorar a comida. Eu tinha que falar, ele queria ouvir, queria companhia, devia ser um homem solitário. Quando sentou-se novamente perguntei-lhe se tinha família.(MIRANDA, 1993, p. 50)

Bambi está só na cidade grande e sente que precisa de alguém para protegê-la, por isso, se deixa levar porque não tem nada nem ninguém naquele mundo novo, mas não sem perceber a teia que seu Fred faz para cercá-la. Até que seu Fred, realmente vem cobrar o que julga seu.

Eu o empurrei, mas ele era forte e cada vez mais eu via seu rosto se aproximando. Tentou beijar-me, mas fechei a boca apertando os lábios. Jogou-me no chão, segurou meu ombro e com a outra mão arrancou a calcinha vermelha que eu usava. Se eu devia alguma coisa a ele, iria pagar agora, e não abri a boca nem para fazer um murmúrio [...] Fechei os olhos e esperei resignada. Não queria ferí-lo ainda mais. Ele jogou seu corpo pesado em cima de mim, ofegante, e murmurando palavras de amor tentou entrar, com seu pênis pequeno e quase sem ereção. Quanto mais ele tentava mais eu sentia pena dele [...] com a pele avermelhada, o rosto suado, afinal ele desistiu. (MIRANDA, 1993, p. 59 e 60)

Em sua ignorância Bambi não chega a perceber de fato o mal que seu Fred tentava fazer. A atitude de bambi é resignada e chega a sentir pena do homem.

Bambi deixa de trabalhar na loja de lingerie. Desesperada, percebe que perdeu seu “protetor”, e tenta contatar Gustavo, psiquiatra que conheceu no seu primeiro dia no Rio de Janeiro, numa confeitaria elegante do centro da cidade. Naquele momento, e se sentindo só, não se envergonha em travar diálogo com aquele desconhecido que a primeira vista lhe parecia “velho, usava óculos e tinha uma expressão bondosa”. No final da conversa, ele lhe dá um guardanapo onde escrevera, com uma caneta dourada, seu nome e seu telefone, dizendo que ligasse para aquele número, caso precisasse de ajuda.

Sentindo-se desamparada, sem ter onde morar, sem dinheiro e com uma terrível dor de dente, ela decide ligar para o seu suposto bem-feitor, que manda o motorista buscá-la imediatamente. Assim, quando chega à casa de Gustavo, sua impressão sobre o homem é outra, mais suavizada e enlevada pelas circunstâncias difíceis.

Um homem descia as escadas, sorrindo, com uma das mãos estendidas, a outra segurando uma bengala com a qual ele se apoiava de degrau em degrau. Vestia uma calça aveludada e uma camisa xadrez. Sobre suas orelhas pontudas pousavam as hastes leves de um par de óculos. Seus olhos miúdos exprimiam bondade e autoridade, se é que estas qualidades podiam conviver serenamente numa só pessoa. Eu me lembrava de um homem bastante diferente (...) Não era tão velho como eu recordava, apenas tinha cabelos e barbas brancas. (MIRANDA, 1993, p. 67)

A partir daí, Gustavo torna-se seu protetor. Psiquiatra obcecado por ninfetas e manco de uma perna, Gustavo é um homem frio e enigmático que passa por uma separação traumática e vê em Bambi a imagem de uma recente paixão, que terminara de forma trágica. Um homem envolto em conflitos internos e culpa por usar bambi ao seu bel prazer. Ele nutre por ela um sentimento de posse, como se fosse um bibelô, um objeto, e tenta afastá-la do teatro e de Joachim, seu rival.

Bambi se envolve completamente com Gustavo, mas de forma fria e calculada. A cena em que Bambi perde a virgindade é crucial e muito significativa, pois nela percebemos seu desdém juvenil.

“Você é virgem Bambi?”, ele perguntou ao meu ouvido.

“Já acabou de nascer.”

“De nascer o quê?”

“Você sabe.”

“O que você acha que é ser virgem?”

“É ainda não ter pêlos.”

Ele ficou imóvel um instante; depois se afastou. Pedi que me abraçasse com força. Ele beijou meu rosto, meu pescoço, minha boca, sua mãos tocaram meu corpo nas partes mais escondidas (...) Deitou-me no chão, estendeu-se em cima de mim, vestido, e enquanto me possuía pensei na perna dele, se ele tinha a perna ou não. (...) Levantei-me para beber água. No tapete da sala havia uma pequena mancha de sangue, que lavei com uma escova e sabão, recordando-me daquele dia na rodoviária. (MIRANDA, 1993 p. 96 e 98)

Bambi compara a perda da virgindade com a primeira menstruação que acontecera pra ela no dia em que chegou no Rio de janeiro, no banheiro da rodoviária. Ela não sabia o que era aquilo, assim como não soube exatamente que acabara de perder a virgindade com 13 anos, achava apenas que era um acontecimento natural da vida.

Joachim é outro personagem importante da narrativa. Rival de Gustavo, dramaturgo fascinado pelo tema do assassinato, é uma figura sombria que intriga bambi e ao mesmo tempo a atrai. Seu interesse por Bambi faz parte do mundo imaginário que o norteia. Ele vê em Bambi a figura de uma jovem atriz assassinada, e pensa ser seu dever salvá-la do mesmo fim. Joachim é o homem que mantém um caso com a esposa de Gustavo, e é quem supostamente sabe que Gustavo é o assassino da antiga amante e atriz, bela e jovem como Bambi. É esse assassinato que dá o tom de suspense e dependência dos dois homens até o fim da narrativa. Inicia-se então, um jogo de posse por Bambi, entre os dois homens.

Joachim é o homem que mantém um caso com a esposa de Gustavo, e é quem supostamente sabe que Gustavo é o assassino da antiga amante e atriz, bela e jovem como Bambi. É esse assassinato que dá o tom de suspense e dependência dos dois homens com Bambi, até o fim da narrativa. Inicia-se então, um jogo de posse pela ninfeta, entre os dois homens.

Gustavo torna-se mais possessivo e ciumento a cada dia. E Bambi passa a ser vigiada pelo motorista de Gustavo. A peça não sai e Bambi sente sua vida parar longe do teatro, entrando num processo confuso de introspecção, onde a realidade se confunde com as personagens que encenou. Sua atitude teatral é um meio de fuga da realidade opressora em que vive. Chega a fugir do apartamento, mas arrependida volta para casa.

Outras figuras masculinas importantes, que traçam o perfil psicológico da personagem Bambi, são seu Irmão Manuel e seu pai.

Manuel é um jovem esquizofrênico e suicida, e nutre um profundo ressentimento por Bambi tê-lo abandonado. Bambi não sabe o que fazer com o irmão e pede ajuda a Gustavo, que a ajuda no trato com Manuel. Estando mais calmo, Bambi leva o irmão à praia.

Manuel pegava uma ou outra concha e a punha na boca. Tive um impulso de correr para ele, tomar-lhe as conchas para que não as comesse como uma criança pequena; mas ele não as engolia, cuspia-as para longe. Co sua roupa preta colada ao corpo, um pouco desbotada, parecia um animal, talvez um urubu – diria, por causa do preto sujo das roupas –, talvez uma cobra naja preste a dar um bote, diria pela contração de sua barriga, por seus braços estarem nesse momento ao tronco recurvado, e por sua cabeça grande. Pensei que ele talvez fosse um poeta do futuro, um grande poeta, que algum dia teria a admiração das pessoas. Ma as poesias dele eram uma sujeira que ele queria expulsar de si. Se tivesse tempo e forças para se livrar de sua lama, da lama de nossa rua onde chafurdava os pés, da fome, da dor de dentes, dos mosquitos, das pancadas de nosso pai, talvez ele se tornasse um poeta admirável. Se fugisse naquele navio transparente para um lugar bem distante, bem longe da escuridão e da imobilidade em que se deixava afundar, talvez se tornasse um verdadeiro poeta.

Olhei meus pés limpos. Minhas pernas não tinham mais vestígios de picadas de mosquitos. Minhas mãos agora eram macias e meus cabelos brilhavam. (MIRANDA, 1993, p. 206)

Bambi nutre um profundo amor pelo irmão, mas não consegue mais divisar a linha tênue que os une, o forte traço familiar não faz com que ela se envolva e cuide do irmão. Dias depois, seu irmão volta para São Luis e Bambi sente-se aliviada.

Numa outra passagem, Bambi recebe a visita de seu pai. O pai de Bambi, figura importante na tessitura de seus sonhos, havia trabalhado no teatro de São Luis, como carpinteiro. Era também, tocador de sanfona e um homem sonhador e boêmio. Esses traços permeavam os sonhos e a visão que ela tinha do pai. Agora sentia pena dele porque pra ela, ele era um artista que não teve oportunidades na vida.

Com um certo medo, entrei na sala. Meu pai estava em pé no meio do aposento. Sustentava em seus ombros as correias de uma caixa de madeira ondulada, que o fazia se curvar com o peso. Na mão apertava um chapéu de feltro surrado. Seus cabelos estavam mais ralos e totalmente brancos; a barba por fazer. As roupas miseráveis não escondiam sua magreza. Tinha um ar triste. Quando me viu apertou os olhos, estendeu a cabeça, deu um passo em frente para enxergar melhor. (MIRANDA, 1993, p. 234)

Conversando com o pai, o mesmo lhe conta que Manuel enforcou-se na árvore que eles brincavam e que ele estava ali, no Rio de Janeiro, para tentar a vida com outra mulher. A aparência do pai lhe causa repugnância e ao mesmo tempo ternura.

Papai olhou para cima e deu um sorriso amplo; percebi, repugnada, que lhe faltavam alguns dentes, e os que lhe restavam estavam escuros. Os olhos dele tinham estrias vermelhas. (...) Mesmo com os dedos emperrados, tirou daquele instrumento rude uma melodia agradável; mas às vezes uma das notas não saia, ou saía desafinada. Ele levantava o queixo e apertava na boca a ponta do cigarro acesso nas harmonias mais agudas e as cinzas caíam no chão deixando um rastro na camisa. A música agradou-me tanto que esqueci por alguns instantes da morte de Manuel, dos dentes que faltavam na boca de papai. Senti uma imensa ternura por ele.(MIRANDA, 1993, p. 235)

Mas a visita de seu pai tem uma intenção, dinheiro. Bambi, vendo a miséria do pai, acha que é sua obrigação ajudar o pai, e dá todo o dinheiro que tem na bolsa. Quando seu pai se vai. Quando Gustavo chega, Bambi chora ao lê a carta que ele trouxera de seu irmão Joaquim e Gustavo a conforta.

No desfecho da narrativa, Joaquim leva Bambi a um presídio, onde se encontra detido o suposto assassino de Lily. Incentivado por Joachim, o homem conta que foi pago por Gustavo para assumir o crime no lugar dele.

Fizemos a viagem de volta em silêncio. Eu sentia minha barriga doendo, não sabia se de fome ou de ansiedade. Preferia não saber nada daquilo, sentia-me envolvida num drama alheio, não percebia o que motivava Joachim a empenhar-se tanto em me convencer que Gustavo matara Lili, isso não significava que Gustavo mataria também a mim. (MIRANDA, 1993, p. 241)

Apesar de sua aparente incredulidade, Bambi deixa o apartamento, decidida a tirar Gustavo de sua vida. No dia de sua estréia da peça de Joaquim, Gustavo vai ao teatro e a cerca na entrada. Desesperado, o psiquiatra leva Bambi para um passeio de carro, e, desabafa seu amor e revolta, negando o assassinato da atriz. Depois de suplicar que a levasse de volta, Gustavo decide deixá-la no teatro. Ao final da peça, e esquecida de todos os problemas, o diretor da peça, Fernandes, lhe dá a notícia da morte de Joaquim e Gustavo. Este atirara em Joaquim e depois joga o carro num abismo. Bambi tem uma reação absolutamente teatral.

“Você não deve chorar, Bambi, a vida passa depressa. Quando chegar em casa tome um copo de leite morno, um banho quente, deite-se. Feche os olhos e verá como o sono vem depressa.” “Agradeço os vosso bons conselhos.” Fernandes sorriu: “Vem, minha carruagem.” “Boa noite, senhoras. Boa noite doces senhoras; boa noite. (MIRANDA, 1993, p. 249)

3- Considerações finais

As memórias de bambi são um resgate do seu processo de crescimento. A tão sonhada liberdade foi alcançada, mas com reconhecimento daqueles que a ajudaram, como o psiquiatra, Gustavo. Bambi segue sua vida no teatro. Muito mais que um sonho, a vida no teatro, como atriz, era uma possibilidade de se desvencilhar de vez da miséria em que vivia antes de ir ao Rio de janeiro. No teatro, tudo era possível. No palco não havia mistérios indecifráveis, as coisas aconteciam para todo mundo ver.

Ficávamos sempre sabendo quem matou, como matou e por que matou. Sabíamos, por exemplo, por que Macbeth matou o Rei Duncam, e como foi o crime. Lady Macbeth se humanizava e revelava toda extensão de sua alma, de sua culpa, de seus tormentos. Havia sangue nas mãos. Nenhuma essência da Arábia podia limpar aquelas mãos, para sempre. Tudo muito claro. Por este motivo, eu preferia o teatro. E, também, porque em teatro as pessoas não morriam de verdade. (MIRANDA, 1993, p. 253)

O teatro era a vida de bambi, e continuaria sendo, com Gustavo ou sem Gustavo, é certo que seguiria a vida dessa forma, mas nunca apagaria as recordações positivas que tinha daquele homem que a ajudou e a amou. Bambi não reconhecia nele um assassino. Não sabia, não tinha provas para tanto, e sendo assim, ele seria apenas Gustavo.

“Sem pecado”, de Ana Miranda é um livro escrito nos moldes da Nova Narrativa, numa linguagem simples, tendo como palco a grande cidade e todos os tipos sociais inerentes a ela. São características reforçadas pelo crescimento da industrialização, dando força à ficção urbana, e dentro dela, a solidão, a violência, as angústias, e toda uma gama de problemas sociais urbanos, revelados no livro em questão, através da força das palavras. Sendo um romance escrito por uma ótica feminina, a representação do mundo de bambi é mostrada sob essa ótica, principalmente por ser narrada em primeira pessoa, o que dá um tom confessional e intimista à obra. Apesar das vivências e andanças da personagem, as vicissitudes de Bambi não tapam a visão de uma introspecção. Conservando-se mergulhada em si mesmo, mas buscando seu espaço nessa terra de ninguém, seu mundo, suas glórias, Bambi tenta entender a todo tempo o mundo que vivia antes de chegar ao Rio de janeiro e o mundo que agora passara a viver, num fluxo contínuo de conscientização de si mesma e do seu lugar no mundo.

4. Referências Bibliográficas

BOSI, A. História Concisa da Literatura Brasileira. 42. ed. São Paulo: Cultrix, 1994.

CANDIDO, A. A educação pela noite e outros ensaios. São Paulo: Ática, 2000.

MIRANDA, A. Sem pecado. São Paulo: Companhia das Letras. 1993.

SOUZA, A. de O. Crítica Psicanalítica. In:BONNICI, T. e ZOLIN, L. O. Teoria Literária: abordagens históricas e tendências contemporâneas. 2. ed. rev. e ampl. Maringá: Eduem, 2005.