RACISMO EM DIAS D’ÁVILA - DE NEGRO ATÉ CAFUSO, AÍ ESTOU.

Parece-nos que muito mais importante do que a cor da pele com que nascemos é o fato de pertencer ou ter pertencido a uma família rica, pobre ou situada nesse meio termo.

No nosso caso, em particular, sou filho de Raimundo Tamburete, vindo lá das bandas de Euclides da Cunha, numa mistura de Cumbista com índios, comuns por lá no início do século passado. Meu avô, da mesma linhagem e de mesma origem, foi tesoureiro num pelotão de soldados baianos que combateram Lampião e seu bando. Minha vó, por parte de pai, não tive o prazer de conhecer porque morreu de parto quando do nascimento dele.

Minha mãe Zulmira Caetana, faleceu às vésperas de completar noventa e sete anos, no último dia vinte do mês passado. Filha de Minha Vó Santa, mestiça de pele branca, cabelos meio crespos, também daquela região do Rio Itapicuru, no município de Tucano, sertão forte da Bahia. Já meu avô, por parte de mãe não conheci e não sei nada sobre ele porque não me lembro de ter ouvido meus antepassados dele falar. Minha mãe se dizia morena, de cabelos lisos, de quem acho que herdei a cor e a beleza, já que a fisionomia é do meu pai Tamburete.

Confesso que nunca pensei a que raça pertencia porque, o povo de Dias d’Ávila, na minha infância, além de não ter muito negro na acepção da palavra, não se preocupava com a cor de ninguém. Lembro-me de poucos negões a exemplo de Manoel da Mata, pai de Cheiroso do Posto de Gasolina, Seu Félix da Carroça, Joca da Rua do Acúcar, Florêncio do Caminhão que trabalhava numa cerâmica no entroncamento, Pai de Milton que estudou conosco, a Família de Seu Fulor Borges, essa a mais famosa, por conta do povo todo trabalhar na Petrobrás, e, por consequência, para nós àquela época, muito rica. E mais um ou outro que o esquecimento não alterará muito nossa descrição. Misturados ou mestiços éramos, basicamente todos.

Isso entretanto soma tão pouco na história de Dias d’Ávila que a dificuldade que temos para lembrar dessa gente se dá pela pouca importância que dávamos à cor de pele das pessoas. Hoje entretanto observamos que há gente que por se ver negra se diz discriminada por pessoas que se julgam brancas. Na nossa opinião branco preto ou índio, pouca diferença faz. importante é o respeito pelo outro, pelo amigo, pelo vizinho, pelo , pelo conterrâneo. Chamar de preto, no nosso tempo não significava absolutamente nada para quem chamava e tampouco para quem era assim chamado. Talvez por sermos muito pobres, com pouquíssimas alternativas, o que importava mesmo era estudar, tirar boas notas na escola e encher nossos pais de orgulho. Também não tínhamos nenhuma outra alternativa.

A Chegada do Polo transformou em trinta anos a nossa população de apenas três mil pessoas em mais de noventa mil. Aí sim. Chegou gente de todas as raças de todos os credos, muitos negros, muitos brancos e muitos mestiços, mistura de negro com branco, com índio com amarelo, japonês, chinês.

Talvez a pouca observância da discriminação racial seja pelo fato de nunca termos dado qualquer importância para essa coisa. Temos irmãos bem mais pretos do que nós porque minha mãe, antes de nós, teve um primeiro casamento com um negão chamado Antônio Bufinha, filho de Maria Negra, ambos lá das bandas de Tucano. Importante para nós era D. Astéria, mulher de Zé Alves, Mãe de Quinha, que tinha a barraca com as bananas mais bonitas para vender aos burgueses; Era Gessé Bomfim, dono do único armazém da cidade e que se orgulhava e dizia possuir todos os itens que alguém pudesse procurar. Importantíssima era a Professora Altair da Costa Lima, nossa referência maior em cultura, como professora.

Por outro lado, racismo é coisa ultrapassada e mesquinha que ninguém deve estar promovendo, falando ou chorando por se dizer atingida. Incompreensível também para nós é uma pessoa se dizer discriminada pela sua cor, dizer combater o racismo, mas, não esquecer e nem perder por nada na vida a hora de espichar o cabelo crespo, para que fique bem lisinho, de tal sorte a parecer com branco. Isso nos parece ainda mais uma expressão de racismo do que ser chamado de preto, de branco ou de amarelo (chinês, japonês, ...).

Do racismo, naturalmente vamos nos livrando no correr dos dias, à medida em que estudamos e adquirimos informação, conhecimento e cultura. Considere-se aqui a dificuldade de se alcançar esse patamar, se observarmos o regresso cultural que tivemos nas últimas décadas, e termos hoje diplomados que não conseguem ler e muito menos escrever nada, sem cometer uma infinidade de erros crassos, em violação à língua portuguesa. Isso sim é muito mais importante do que a cor da pele, dos olhos, dos cabelos. Se esses são lisos, crespos, ou loiros.

De Amado Bahia, vinha para Dias d’Ávila uma senhora com um balaio na cabeça, cheio de cachorros. Chamávamos-na de Firmina Preta, sem a menor intenção de ofendê-la, diminuí-la. Ao contrário, por ela tínhamos grande carinho e admiração pelo cuidado que demonstrava ter, por seus animaizinhos queridos.

O marido de D. Valdelice, pai de Eládio e Marquinhos Pescador, era tratado, normalmente de Tõe Roxo, sem que houvesse a menor intenção de ofendê-lo. Respeitadíssimo também era o negão Paulo Mourão que, basicamente cavou todas as cisternas de Dias d’Ávila, naquela época. Como se vê, racismo em Dias d’Ávila nunca foi assunto do nosso interesse.

No Brasil tivemos grandes exemplos de que o conhecimento é que elimina o racismo. Há um século e meio atrás Machado de Assis já era uma dessas nossas referências, mas, poderíamos citar muitas outras a exemplo de Maria Quitéria, heroína na Guerra da Independência da Bahia.

Agora, sem conhecimento, sem formação cultural e se esticando para parecer branco, será difícil combater racismo.

Justino Francisco dos Santos.

Escritos. Em 05.05.2020

Justino Francisco
Enviado por Justino Francisco em 06/05/2020
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