A RAZÃO BRASILEIRA ENTRE LOUCOS E MENTIROSOS.

(Milton Pires)

28 ou 29 anos atrás, quando eu ainda era estudante de Medicina, numa determinada noite, na casa de uma colega muito puta, muito maconheira e, até por isso mesmo, muito divertida para qualquer amigo, uma pessoa insignificante me fez uma pergunta devastadora:

“Por que tu sempre tens que ter razão em tudo?”

O tamanho da pergunta tornou-se ainda mais gigantesco em virtude da insignificância da pessoa que não era puta nem maconheira, nem boa nem má, nem divertida nem chata...não era nada...Pra ser sincero, nem sei como ela foi parar lá. Nunca mais esqueci dessa pergunta.

Depois desse episódio, 24 ou 25 anos atrás, um preceptor de Residência Médica, este sim uma pessoa diferenciada, minha amiga e interessada no meu bem fez outra pergunta impressionante, um questionamento que eu jamais esqueci:

“Por que tu ficas tão brabo nas discussões em que te questionam a razão?”

Eu levei quase 30 anos para chegar a reposta do que me perguntaram.

Eu sou assim, eu guardo as coisas. Tem gente que chama isso de “mágoa”, de “ressentimento”...Não é bem assim, não...Pensar que toda Filosofia, Religião ou Psicanálise não passa de fruto do ressentimento e do medo da morte (ou do combate contra eles) não é comigo, não...

A resposta para o que a guria me perguntou é a seguinte:

Razão é a capacidade de julgar uma coisa, um fato, uma pessoa ou uma ideia. É imanente à condição humana, é intrínseco a qualquer pessoa intelectualmente honesta, buscar a razão quando está num embate teórico com alguém. Quem “não tem razão” é louco ou mentiroso sendo a diferença entre os dois a seguinte:

Louco é aquele que mente para si mesmo e para qualquer outra pessoa. Mentiroso é aquele que mente para todas as outras pessoas, mas em algum momento sempre diz a verdade para si mesmo e comete a loucura de acreditar que ninguém mais vai descobrir que a vida, que um país inteiro, pode ser governado eternamente pela mentira.

Eu não me considero nem louco nem mentiroso (embora seja grande o grupo que acredita na primeira hipótese) e faço da minha vida uma busca constante pela “razão”, sim. É ela que me permite chegar à VERDADE; não à Felicidade. É a VERDADE que é a concordância da razão com seu objeto; não a Felicidade.

Para quem busca a Felicidade, não recomendo buscar a Verdade, não...é um “mau negócio”- principalmente aqui no Brasil.

A explicação para me enfurecer quando não me davam razão era pura falta de autoestima, de doença mental não tratada…e solidão...

Dessa doença mental eu não sofro mais no mesmo grau que existia na época da Faculdade de Medicina. Podem questionar a minha razão, eu não fico mais brabo, não...e se acontecer, o motivo não vai ser por nada tão banal como talvez tenha sido tantas vezes...

Por outro lado, se eu NÃO melhorei e continuo me enfurecendo, não se preocupem…

Já não existe mais debate sério sobre coisa nenhuma ...em parte alguma aqui no Brasil...não é possível que eu, mesmo querendo, consiga me enfurecer…

Eu vivo num país de loucos e de mentirosos. Deus me livre de “querer ter razão” entre eles.

(Ao Prof. Ariel Azambuja)

Porto Alegre, 28 de junho de 2020.

cardiopires
Enviado por cardiopires em 29/06/2020
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