Crise Social do Império Romano

Para Alföldy (1996), o fim da era de ouro do Império Romano foi marcado por uma grave crise social. Ela não apareceu em todos os lugares ao mesmo tempo e teve repercussões diferentes em cada parte do Império, de modo que é difícil determinar um marco inicial claro dessa crise, mas nesse período todo o domínio dos romanos experimentou profundas transformações, que deram origem a um novo modelo de sociedade.

Também a vida econômica do Império entrou em crise. Os meios de subsistência eram escassos, os preços estavam subindo, as minas exauridas, as forças artesãs diminuíram e havia falta de mão de obra na agricultura, em parte devido ao declínio da escravidão.

Em meados do século III, a inflação atingiu proporções catastróficas. Parte dos problemas econômicos são explicados pelas fragilidades estruturais da economia baseada nas cidades e seus territórios. Essas fragilidades estruturais derivavam, em parte, do fato de que nos primeiros séculos do império, grandes somas foram investidas em obras representacionais, como fóruns, templos, teatros, etc.

A crise não começou de repente, com as guerras contra os bárbaros ou os conflitos internos, mas já dava seus primeiros sinais na monarquia Antoniniana. Também sua causa não pode ser atribuída a um único fator. Podemos identificar algumas questões importantes, como a crescente pressão dos bárbaros nas fronteiras a partir de Marco Aurélio e especialmente em meados do século III, mas ela não explica a crise sozinha, já que só puderam causar tanto estrago por causa das próprias fraquezas de Roma. E nem todos esses fatores eram ruins em si mesmos, como o enfraquecimento da ordem dos decuriões em muitas cidades, por exemplo, mas causaram consequências danosas, como o declínio de centros urbanos em diferentes partes do império (ALFÖLDY, 1996).

Na segunda metade do século III, as dificuldades culminaram no que Mennen (2011) chama de “crise do século III”. Ela nos lembra que há certo debate sobre se os acontecimentos desse período podem mesmo ser considerados uma crise, já que em certas áreas do Império havia continuidade e relativa paz. Mennen a considera uma crise na esfera do poder imperial, pois causou uma reorganização da administração imperial a partir de Diocleciano. A crise, entretanto, afetou não somente a casa imperial, mas todas as ordens sociais romanas – os senadores, por exemplo, perderam poder para os equestres.

Um grupo que se destacou no século III foi o dos soldados que se tornaram equestres – o que seria muito difícil nos séculos anteriores. Eles deviam o alto status que adquiriram no serviço do imperador à experiência e participação nas questões públicas, tornando-se gradualmente o círculo dominante entre os equestres e, muitas vezes, sendo preferidos em detrimento dos senadores para exercer cargos importantes – até que, finalmente, sob Constantino, todos os equestres de alto escalão foram tornados senadores (MENNEN, 2011).

Segundo Liebeschuetz (2007), muitos estudiosos contemporâneos preferem falar dos eventos no século III como transformação ou mudança em vez de crise. Um dos motivos para isso é que o termo carrega um sentido de juízo de valor, como se fosse um processo ruim. Mas não é possível ignorar, por outro lado, que Roma enfrentou grandes dificuldades nesse período, inclusive guerras, usurpações, peste e problemas econômicos que, nas palavras de Munson (2020), quase representaram o fim do Império Romano, e significaram profundas mudanças na administração, relações de poder, maneiras de pensar e estruturas sociais, necessárias até para a continuidade da civilização romana.

ALFÖLDY, Géza. Historia Social de Roma. Versão espanhola de Víctor Alonso Troncoso. Madrid: Alianza Editorial, 1996.

LIEBESCHUETZ, Wolf. Was there a crisis of the third century?. In: Crises and the Roman Empire. Brill, 2007. p. 11-20.

MENNEN, Inge. Power and status in the Roman Empire, AD 193-284. Brill, 2011. Disponível em: <https://library.oapen.org/handle/20.500.12657/38163>

MUNSON, Luke E. The Crisis of the Third Century as Viewed through the Planning and Energetics of the Aurelian Wall. 2020. <https://repository.arizona.edu/handle/10150/642029>