O que é FEBEAEB?

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Quem, igual a mim, não viveu a época dos anos 1960, mas que tem interesse em pesquisar o que estava ocorrendo naquela década, pode procurar que irá deparar com um certo Stanislaw Ponte Preta, o pseudônimo de Sérgio Marcos Rangel Porto. Ele era jornalista e desenvolveu outras atividades correlatas, entre as quais a de criador do Festival de Besteira que Assola o País (FEBEAPA). Chegou a publicar livros sobre o assunto. Ele colhia frases ineptas, tresloucadas ou completamente absurdas para, depois, usá-las como substrato de suas críticas diárias à conjuntura nacional do período. Um exemplo: “O mal do Brasil é ter sido descoberto por estrangeiros”, uma besteira proferida pelo então deputado carioca Índio do Brasil.

Em debate com uma amiga da área da educação, cheguei à conclusão de que assistimos a um imenso Festival de Besteira que Assola a Educação Brasileira (FEBEAEB). Não se trata de frases inocentes, ditas por desavisados, mas de expressões ideológicas de impacto que merecem análise, sob pena de seus promotores nos passarem a lábia, de modo a continuar “Tudo como dantes no quartel de Abrantes”. Neste artigo, analiso duas dessas besteiras.

BESTEIRA NÚMERO 1: De dirigentes de empresa educacional: “O aluno está pagando. Ele tem direito”. Grande novidade! Já na barriga da mãe todos pagamos, via impostos e taxas várias, para termos educação. Claro, compreendida aqui como direito de cidadania, coletivamente sustentado e desfrutado. Mas não é esse o entendimento. O empresário da educação pensa na mensalidade paga pelo aluno (o sem luz!) quando diz a frase acima, tirando-lhe a condição de cidadão e atribuindo-lhe o papel de consumidor, daquele que compra uma mercadoria, e de maneira individual, assim como eu compro um relógio ou uma geladeira. O direito que não brota da cidadania coletivamente compartilhada, mas da mensalidade individualmente paga e que é um absurdo porque, desse modo, o interesse individual se sobrepõe ao interesse coletivo, “nicho” originário da educação. Vá o docente atender, em cada sala, cinqüenta conjuntos de interesses individuais e ele estará humanamente impedido de exercer a profissão. Ou a educação é bem comum ou é mercadoria: decidir sobre isso se torna crucial.

BESTEIRA NÚMERO 2: De “cabeças pensantes” da nação, via mídia de massa: “Educação é tudo”. Olhe a manha: atribui-se à educação um papel superdimensionado. Ela, sozinha, poderia tudo, inclusive corrigir injustiça social, aparar arestas das desigualdades econômicas, potencializar o cidadão portador de poder, refinar o espírito no mar de lama da cultura de massa que nos cerca e criar condições à prática política decente. É simples: se a educação é tudo, a economia não precisa ser justa, a sociedade não precisa ser igualitária, a política não precisa ser realmente democrática e a cultura não precisa ser de qualidade. Aí, a culpa pelo atraso está no indivíduo: “Por que você não estudou?” Uma balela! Porque “gente que não estudou”, mas aceita ser serviçal do sistema, cresce economicamente, em status e em reconhecimento social, ao passo que boa parte daqueles que fizeram curso superior está “ralando” para ganhar a vida? De que vale um doutor se ele não tem onde exercer a profissão? Mas, nesse sentido, um argumento basta para detonar a falácia de que educação é tudo: se educação fosse tudo, nós, os professores, estaríamos ocupando o topo da pirâmide social, econômica, política e cultural da nação... Diga lá: onde mesmo nós que fazemos e sofremos a educação nos encontramos?

Em síntese, a educação, que “é tudo”, não é para todos, mas tão-somente para quem der conta de pagar por ela duas vezes: a primeira, por meio dos impostos; a segunda, por meio da mensalidade. Considerando isso, não é sem motivos que a educação pública de todos os níveis vem sofrendo um processo sistemático de privatização. Talvez pelo fato de os senhores do mercado entenderem que é preferível um grande negócio educacional à consolidação da educação como parte do bem comum e como um verdadeiro direito do cidadão. Se as forças organizadas da sociedade não intervierem no sentido de defender a “res publica”, a coisa pública, daqui a pouco, quantos de nós teremos condições de comprar educação? Ou ela deve mesmo é permanecer um bem elitizado, como sempre, com condições de acesso e permanência desiguais, como são desiguais as nossas condições sócio-econômicas em geral?