Gestão do conhecimento? Que bicho é esse?

Lúcio Alves de Barros

É curioso não produzir mal-estar, aos sérios administradores de empresa, o constante modismo que invade o espaço da ciência denominada “administração”. Para lembrar, são muitas as modas. Já passamos pela Qualidade Total, os Círculos de Controle de Qualidade, a Gestão à Vista, o famigerado 5 S (deveria ser 6, pois “esqueceram” o “S” do salário), o CEDAC, a famosa “espinha de peixe”, ainda muito utilizada, e, mais recentemente, a questão do Capital Intelectual e do que vem sendo chamado de Gestão do Conhecimento Empresarial.

Limito-me em ao debate acerca da gestão do conhecimento. Não é preciso ir longe para saber que conhecimento existe e, provavelmente, está em todo lugar. É óbvio que os seres humanos, com raras exceções - devido aos psiquiatras que apostam na existência da loucura -, são racionais e fazem um amplo e ostensivo uso da razão. Assim, se os seres humanos pensam, logicamente são seres produtores de conhecimento. Esse truísmo, presente nas teorias da Administração, não faz sentido e coloca em questão o que os atores entendem por gestão do conhecimento.

Não são poucos os conceitos em relação a essa famigerada gestão. Em muitas empresas, essas acepções estão fortemente associadas aos interesses dos agentes econômicos, ainda não longe do tempo, chamados de proprietários dos meios de produção. Em tais circunstâncias, vale a seguinte asserção: em que medida existe o interesse em gerenciar o conhecimento de atores que não são proprietários dos meios de produção? Como gerenciá-los? Qual a real importância desse perfil de gestão?

Não são necessárias muitas palavras para afirmar que entre o capital intelectual de uma empresa e o capital manifesto em máquinas e lucros contábeis o segundo leva uma grande e confortável vantagem.

A dura e crua realidade é que as empresas não gerenciam conhecimento. Esse modismo, na verdade, serve é para cursos de pós-graduação e dissertações e teses de doutorado na área. O que pode, inclusive, ter o seu valor, mas está longe da realidade vigente nas instituições empresariais, no setor de serviços, nas fábricas, escolas e escritórios. Gerir conhecimento, aparentemente, se assenta no princípio da democratização e transparência das informações. O mesmo no que se refere à divisão de atribuições e problemas que merecem solução a curto, médio ou longo prazo.

A questão, contudo, é mais séria e complexa do que se pensa. A princípio, dividir conhecimento nas instituições é mostrar os lucros, os problemas e as dificuldades para que os trabalhadores, ou chamados “colaboradores” (outro modismo), possam auxiliar ou mesmo criticar o rumo que a instituição tem trilhado. Esse interesse existe nas corporações? Tenho dúvidas quanto a isso, pois se o conhecimento é poder, dividi-lo pode ser perigoso para o capital. Trabalhadores qualificados e/ou competentes certamente reivindicarão melhores salários e condições de trabalho, e, parece óbvio que talvez coloquem em xeque, através de conflitos latentes e manifestos, números, cargos, status e problemas que perpassam a corporação.

Pensar em gestão é pensar em inúmeras formas e maneiras de domesticar os “colaboradores”. Não me parece errôneo afirmar que a maioria dos administradores de empresas é treinada para isso. E ai daqueles que remam contra a maré: certamente acabam pedindo demissão, ou tecendo relações patrimoniais com os chefes de plantão. Lidar com o que muitos “intelectuais” têm chamado de conhecimento, entendido este como capital constante, é apostar em novas ideologias que invadem a ciência da Administração. Sabemos que as ideologias têm vida curta. Encantam pela sua força, duram um certo tempo e depois são abandonadas, pois deixam de dar lucro ou notoriedade aos defensores, gurus e consultores de gabinete que sonham em um mundo idealizado.

Longe do paraíso, em certos tempos prometidos pela ciência do gerenciamento, nos resta apontar para o determinante do capital oriundo de máquinas, prédios, ações e diversas faces dos jogos contábeis. Esse conjunto de coisas que formam o capital - às vezes fantástico devido sua invisibilidade e indeterminação do proprietário -, é que está em questão. É por ele que trabalhamos e sobrevivemos. E não causa surpresa perceber que por ele boa parte dos seres humanos “puxam o tapete dos outros”. Sair dessa engrenagem é difícil, e não me parece que muitos estão trilhando esse caminho. Pelo contrário, as relações sociais, aparentemente, estão mais competitivas e o conhecimento, talvez manifesto em múltiplas competências, mais do que nunca é carta fora do baralho. Como o conhecimento é monopólio do seu detentor nada como desaparecer com ele. Primeiro substituindo-o por máquinas: elas (o capital constante) não reclamam, poucas vezes são interrompidas para as “necessidades”, não adoecem, não entram em conflito com o patrão, não falam mal da instituição e, por fim, não possuem o empenho, nem tampouco o interesse pela greve.

Em segundo basta implantar novos modismos. Nesse caso, para o proprietário do conhecimento, possivelmente gerenciado, basta um deslize, uma palavra fora do lugar, um pequeno incômodo para que o competente funcionário se torne uma pessoa perigosa, “hipócrita”, “desqualificada”, com os “dias contados” ou mesmo uma “laranja podre” dentre tantas que se acomodam em um saco de plástico. O resultado é a usurpação do seu conhecimento, ou mesmo a troca de anos de estudos e lealdade por um agente, com certeza menos qualificado, mais jovem, “sem vícios organizacionais”, domesticado, amigo do chefe e sem as mínimas condições e interesse em colocar o capital intelectual da organização em xeque. Pode ser difícil entender essa prática, mas fácil perguntar: para quê conhecimento?