POLÍTICA, CASAMENTO E OUTRAS RELAÇÕES

O casamento e a política não são para irmãs de caridade

Vamos direto aos fatos, política e casamento são a mesma coisa ou, aparentemente, parecem compartilhar a mesma lógica. Para situar o leitor, creio ser bom deixar claro que não sou político, tampouco casado, logo, ao contrário do que se pensa estou muito mais próximo da "autoridade" da "objetividade científica" do que muitos que amargam no campo da política e adoecem na esfera íntima do casamento. Mas não vou muito longe nesse artigo. Penso somente em salientar três coisas que, dificilmente, não aparecem tanto nas relações políticas como nos casamentos em geral.

É comum entre os politicólogos, na esteira do debate clássico dos intelectuais do século 18, afirmar que o político, na busca pelo poder trilha - inevitavelmente - três fases e, por ressonância, é obrigado a assumir três faces diferentes.

A primeira fase corresponde ao ato de “conquistar o poder”. Como no namoro esta fase é árdua. Faz-se necessário mostrar o que não se é, ter o que não pode, manipular para ganhar, doar para conseguir e perverter para chegar à vitória. Em reduzidas palavras, vale tudo: desde os beijinhos nas crianças pobres até as flores para a primeira dama da ocasião. O mesmo se faz quando namoramos, tenho dúvidas que se os sogros e as sogras soubessem com quem estão lidando iriam realmente liberar as filhas e/ou os filhos para o casamento. Ironias à parte na maioria das vezes é provável que sim. Obviamente, é perigoso generalizar, mas em xeque estão as relações nas quais estão envolvidas a conquista e a confiança, seja no casório, seja na política. Se não houver a conquista de boa parte do eleitorado ou da família, não haverá o ganho das eleições, tampouco a conquista da bela mulher pretendida, amada e protegida pelos pais. Da conquista e da maturação da confiança nasce a segunda fase: a da preservação do poder.

A fase de “conservação do poder” não é tão complicada quando o político já eleito foi considerado um sujeito “bom de voto”, de "muitos amigos", “liderança positiva”, “corajoso”, "religioso", "bom filho", “bom pai”, “de família” e “de sobrenome”. É o que se diz daquele que soube decifrar e colocar em palavras o que realmente as massas desejavam ouvir. Também se refere ao homem ou a mulher de “caráter sem igual", "de uma história inatacável", ou mesmo do candidato que “rouba mas faz... nem que seja um pouquinho". É mais ou menos o que a sogra ou o sogro dirá do novo casal: “ele bebe, mas é um bom marido”, “é feia, mas trabalhadora”, “nunca faltou nada dentro de casa”, “os filhos o adoram”, aos que ainda estão no século 19: “vejam só, ele nunca a espancou!”. Essa é a dura verdade, no casamento e na política, a conservação do poder comporta uma nova face, um novo perfil, uma falsa representação capaz de ser modificada ao sabor da clientela. Não se devem cometer equívocos nesse momento, mesmo que as coisas estejam difíceis e que falte, inclusive, dinheiro para bancar o gabinete ou a alimentação da prole. Jamais deixe a “peteca” e as aparências irem ao chão. É comum, nesse caso, vermos o casal, ou o político, nas primeiras fileiras das missas e dos cultos pentecostais. Se eles forem da Umbanda ou do Candomblé, certamente serão médiuns, pai ou mãe de santo, o que não pode é perder a pose ou ser um simples leigo ou mortal. Faz bem carregar um pouco de "santidade". O poder anda de mãos dadas com a imagem populista, pseudocristã, caridosa, amorosa e cheia de paz. Além disso, ele sobrevive de belas palavras, discursos longos, frases difíceis, companheiros, colaboradores e irmãos na fé e na esperança de perseverar na dura caminhada da vida. Se não houver a possibilidade de dar às mãos, inclusive por baixo dos cobertores, o casal ou o político não passará para a terceira fase.

A terceira fase, de acordo com os cientistas políticos, diz respeito à “manutenção e continuidade no poder”. Ela se difere da outra porque não traz tantas novidades. O acordar, na medida do possível, deve ser sempre o mesmo. Tal como no casamento: o certo é amanhecer sempre com a mesma mulher. Na política, também não é salutar a troca exagerada de “amigos” e “inimigos”, a divisão de segredos, acordos, intrigas, dossiês, etc. Ter ou cultivar tais relações é tarefa para poucos e, mesmo assim, deve-se tomar cuidado. Como no casamento, é comum na política a prática da traição. Nos dois casos, como não cansamos de ver nos meios de comunicação, deve-se tomar cuidado com a companheira. Se a mulher já é perigosa em relações passionais, imaginem no campo da política. Nesse caso, em pouco tempo é possível vê-la esbravejando os podres da política e da relação “amorosa” na TV, no rádio, na CPI, na igreja, nas festas e nas escolas, mesmo sabendo que muito ela mesma ajudou a manter. Difícil saber em que campo a traição dói mais. Tanto lá como cá, acredito que o sofrimento seja insuportável, pois amigos transformam-se em inimigos, bajuladores somem de perto e trocam de partido, os filhos já não são os mais bonitos e inteligentes da família e da turma, o carro do ano já não é visto com muita simpatia, a missa e o culto já não confortam nem com reza brava e o santo - bobo que não é - não se arrisca a descer no corpo de ninguém. A traição acaba com as relações que antes pareciam belas e sublimes, verdadeiros exemplos de amor, fé e cego seguimento. E não pensem que alguém sai impune de tais situações. Todos pagam a sua parcela na conta, seja na política, seja no casamento. No primeiro caso, é de dar pena a situação dos pais, dos irmãos, dos filhos e dos famosos cabos eleitorais e cargos de confiança. Estes vão lamentar: “eu acreditava tanto nele”, “pensava que ele era honesto”, “tão bonito e inteligente”, "de família tão conhecida na cidade", “coitadinho, deve ser mal da cabeça”. Não é muito diferente do casamento, no qual ambos os lados se atacam: “também, ela era muito feia”, ou “bem feito, falei para ela não casar”, "sabia que não ia dar certo, eles são completamente diferentes", "é isso que acontece quando se casa com pobre", “todo mundo sabia, somente ela que não”. Esse é o mundo das imagens e das representações cansativas que carregamos a respeito das relações encantadas do casamento e da política. Infelizmente, por falta de linhas vou terminando por aqui, deixando o seguinte argumento.

Na política e no casamento é bom ter cuidado com a escolha. Uma má escolha – apesar na inexistência da perfeição – pode trazer, a médio ou em longo prazo, vários aborrecimentos. Dependendo da figura preferida, somente a posteriori percebemos a verdadeira face do camaleão antes escolhido. Mais que isso, é da natureza de tais relações a existência de tempo para que algumas verdades apareçam diante de uma luz fosca e, por vezes, desconhecida. O tombo pode ser grande e todo cuidado é pouco. Muitos parecem não suportar a verdade dos fatos e se refugiam na religião, nas drogas, no sexo ou na arte do próximo sofrimento. Coisas da política, mas também das relações humanas. No casamento, como no campo minado do poder, muita cautela na criação dos filhos. Nas duas esferas é grande a possibilidade deles ficarem órfãos ou cultivarem profundos traumas, recalques, receios e decepções, simplesmente porque assistiram brigas e mais brigas, contas e mais contas que não foram pagas, articulações escusas não solucionadas, múltiplas falcatruas e mentiras, atitudes antiéticas, compra de pessoas e parentes, falta de tempo, carinho, amor e Deus. Tanto no casamento, como na política e em alguns artigos de jornais, o melhor, talvez, é ficar calado.