DE CLICK EM CLICK

Para aqueles que são inquietos, já adianto, que para esses a solidão chega mais cedo. Junto com ela, a tristeza e a exaustão.

Eu tinha 14 anos quando Seu Zé colocou em minhas mãos a máquina do tempo. Disse que eu poderia registrar as belezas mais bonitas, e a realidade do meu Sertão.

Aos 18 decidi correr o mundo. E lá fui eu, jovem, carregando esperança e o tempo nas mãos. Com ela fotografei a mulher de Raimundão, pobre mulher, desconhecia sobre Penha e a única lei que conhecia era a de seu marido quando lhe deixava no chão.

Lá, conhecimento não chegava, só dor e aflição.

Com dois clicks registrei a fome, que matava sem perdão às crianças de Dona Socorro, que não sobrevivem sem água e pão. Não muito longe, meu flash disparou três vezes, lá no sítio de Seu Jão, era o terceiro que morria, seu filho clamava, se perguntando porque não chovia.

De click em click, minha memória ficou cheia, nas imagens registrei não somente o tempo, mas a sobra do tempo. Registrei o tempo parado, o tempo que nunca tinha passado, para um povo que não conhecia Estado.

Levei a verdade para os jornais, falei da terra ossuda, das mortes e dos sobreviventes. Levei tudo para a TV, com a notícia fizeram novelas, filmes, minisséries, até longas metragens, tudo muito bem romantizado.

Capitalizaram a dor, a angústia, o sofrer.

Lucraram milhões.

Ávyla Frutuoso
Enviado por Ávyla Frutuoso em 10/02/2021
Reeditado em 16/05/2022
Código do texto: T7181511
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