DE CLICK EM CLICK
Para aqueles que são inquietos, já adianto, que para esses a solidão chega mais cedo. Junto com ela, a tristeza e a exaustão.
Eu tinha 14 anos quando Seu Zé colocou em minhas mãos a máquina do tempo. Disse que eu poderia registrar as belezas mais bonitas, e a realidade do meu Sertão.
Aos 18 decidi correr o mundo. E lá fui eu, jovem, carregando esperança e o tempo nas mãos. Com ela fotografei a mulher de Raimundão, pobre mulher, desconhecia sobre Penha e a única lei que conhecia era a de seu marido quando lhe deixava no chão.
Lá, conhecimento não chegava, só dor e aflição.
Com dois clicks registrei a fome, que matava sem perdão às crianças de Dona Socorro, que não sobrevivem sem água e pão. Não muito longe, meu flash disparou três vezes, lá no sítio de Seu Jão, era o terceiro que morria, seu filho clamava, se perguntando porque não chovia.
De click em click, minha memória ficou cheia, nas imagens registrei não somente o tempo, mas a sobra do tempo. Registrei o tempo parado, o tempo que nunca tinha passado, para um povo que não conhecia Estado.
Levei a verdade para os jornais, falei da terra ossuda, das mortes e dos sobreviventes. Levei tudo para a TV, com a notícia fizeram novelas, filmes, minisséries, até longas metragens, tudo muito bem romantizado.
Capitalizaram a dor, a angústia, o sofrer.
Lucraram milhões.