O tempo que não tenho hoje foi perdido ontem

O tempo que não tenho hoje foi perdido ontem

( escrito em 2017 - premunições da pandemia)

Luiz Alberto Silveira

O espaço de tempo entre nascer e morrer, entre um ano e outro, um mês e outro, uma semana e outra transcorre tão rápido que já não medimos o que passou pela idade, mas por finais de semana, pelos encontros havidos, pelas viagens realizadas, pelas experiências mais próximas. Cada vez mais o amanhã infiltra-se no presente consumindo-o e segregando o passado. Tudo ocorre com tal velocidade que nos força trocar o viver por existir, momentos que deveriam ser nossos por outras coisas, por afazeres que não se acabam, por compromissos que, se olharmos bem, não se justificam e não explicam perder o tempo de sentir a vida. De perder a oportunidade de trocar afeto, de amar e deixar ser amado sem calendário e sem relógio. Toda a emoção do que passou está exaurindo-se em histórias cada vez mais curtas, sem alguém para ouvi-las que sinta em nossas saudades suas próprias saudades, onde lágrimas tenham a oportunidade de rolar, espíritos se encontrem, mãos e lábios se toquem . Quando nossas emoções contagiam nos tornamos únicos em afeto, em poesia, em olhar para dentro do outro podendo vislumbrar a felicidade de estar junto. Não nos falta tempo para viver, nós o desperdiçamos de tal maneira que, de repente, sentimos que os momentos passaram sem chances de resgata-los, de recupera-los. Não são nossos cabelos brancos ou nossas rugas que dão o testemunho de vida bem vivida, mas a quantidade do que o coração acumulou em emoção e sentimentos compartilhados, que nos fizeram levitar, sonhar, sentir e amar de forma incondicional. Muitos são flagrados pelo destino e, surpreendidos, não perceberam a vida, no seu caminhar, mas o tempo que passou. Uma vida bem vivida tem alicerce em belos, intensos, numerosos e elevados momentos tornando-a longa, sem remorsos no final da caminhada. Pequeno será sempre o tempo de vida que não foi devidamente sentida. Quanto tempo se perde na obstinação pelo poder, nas disputas rudes , em desajustes familiares e desditas conjugais, em negociações vãs, em fúteis e superficiais escolhas, em idas e vindas a lugares que não se recomendam , a encontros que envergonham, em condutas que só consomem. Aprendamos a viver nos livrando da aflição pelo futuro, da obstinação pelos prazeres e dos aborrecimentos do presente. Lembremos sempre : o ódio pode ser curado com o amor, o maldizer com o bem dizer, o mal com o bem, o feio com o bonito, o errado com o certo, a escuridão com a luz, a ausência com a presença, a anarquia com a ordem, a soberba com a humildade. E sobretudo saiba que o sozinho cura-se com a companhia. E aqui nos acompanhamos, vivendo bem estes momentos em que tento fazer ler com o coração o que com o coração escrevo.