EU, RÉU SEM CRIME (dedicado a João de Seixas Dória)

Devo escrever sobre o livro ou a festa, ambos de Seixas Dória? Sobre a festa? Sobre o livro? O livro ou a festa? O livro e a festa? Você disse o livro? E você, a festa? Aquela festa única arrematada pela 5ª edição do livro?

Eu, réu sem crime: a obra, a carta, o documento, a reflexão, o ensaio, a exposição de temas sociais políticos e econômicos na palavra arrebatadora da fonte da juventude, o sempiterno governador do povo sergipano.

O autor de Eu, réu sem crime movimenta a caneta da História desde Getúlio Vargas até deparar-se com o 31 de março, o General Castelo Branco e a prisão em Fernando de Noronha.

A narrativa de Seixas vem costurada pelo fio de um pensamento lógico, demonstrando profundo conhecimento dos problemas nacionais. Como raramente se consegue alcançar num texto, o prisioneiro da revolução envolve o leitor, carregando-o, sem pieguice e sem lamúrias – de forma mesmo dulcíssima – para o seio de sua família, dividindo o sofrimento causado pela prepotência e injustiça que impediram um governador eleito democraticamente de mudar a realidade de um estado cujo erário encontrava-se “às portas da falência, sem encaixe, e com saldo negativo desanimador. A arrecadação não dava para atender à folha de pagamento do funcionalismo público, pois esta era igual à 140% do recolhido em 1962. O Governador não podia comprar à vista, sequer, tinta para imprimir o Diário Oficial e o Estado não tinha crédito (...) A comunidade empobrecia progressivamente. Sergipe registrou o menor giro comercial do Nordeste. Foi ainda detentor de outro recorde triste: a arrecadação sofreu uma variação negativa de 24,2% no quadriênio de 1959-1962, quando comparado com o Nordeste como um todo. Nós, que olhávamos o Piauí como modelo de pobreza, assistimos ao latifúndio agropastoril nos desbancar do segundo para o quarto lugar em renda per capita nordestina e fomos disputar os índices de pauperismo lá registrados, que eram considerados vergonha nacional...” E isto não é tudo!

Nelson Hungria, prefaciando a obra em destaque, refere-se ao episódio Seixas como Um caso que deslustra a Revolução de 31 de março. Como deslustra se a tal revolução não apresentou ou legou lustre algum? Na verdade, a Revolução devia era envergonhar-se de, na ânsia de “mostrar serviço”, “chegar de abafo”, “meter os pés pelas mãos”, soltar fogo pelas fuças dos tanques blindados e cortar a respiração intelectual do país de Caetano, Paulo Francis, Millôr Fernandes, Rubens Paiva e tantos e tantos.

Cada um de nós carrega as cicatrizes dessa deslustrada e grotesca Revolução.

Seixas Dória depôs ali e acolá, perguntou aos revolucionários e a si mesmo qual seu crime. Marcelo Rubens Paiva cresceu procurando onde acender uma vela pela memória do pai arrancado violentamente de dentro do lar.

Vejam vocês que me lêem, não é tragicômico alguém irar-se contra o outro e considerá-lo subversivo tão somente porque pronunciou a palavra slogan?

O que dizer de quem, com pesadas botas e ferraduras, pisoteia sobre a Constituição Federal?

Bom repetir as palavras de Seixas Dória “Liberdade não se compra e não se troca. Liberdade é um direito. E direito não se negocia. Quem negocia um direito, conspurca-o.Direito,defende-se.”

Quarenta e três anos já se foram. O susto não passou e o trauma não se extinguiu.

Que a poética festa do seu aniversário possa significar o desejo de cada cidadão de jamais sentar-se na cadeira de um réu sem crime.

Aracaju, 27 de fevereiro de 2007.