Arquitetura e seu papel contraditório

Obs.: Texto escrito sob o tema "A influência da arquitetura nos hábitos e costumes das pessoas", tendo como precursor o centenário de Oscar Niemeyer.

--------------------------------------------------------------------

Arquitetura, mais do que arte, é ferramenta para a construção da igualdade e, por conseguinte, humanidade. É bem paradoxal pensar que algo tão concreto - com o perdão do trocadilho - seja, ao mesmo tempo, tão bonito, tão teórico e tão utópico, quando existe o interesse. É estranho pensar que a mesma coisa que constrói, também destrói, não apenas prédios, mas sonhos e direitos. Sem mais paradoxos, vamos aos fatos (concretos...).

Muitas vezes não percebemos a relação do meio em que vivemos com o nosso bem estar, com a nossa vivência de um modo geral. A arquitetura está diretamente aplicada neste relacionamento, na medida em que influencia o comportamento de milhões de pessoas diariamente, seja na agilidade do mundo globalizado, seja na consciência da acessibilidade (que atualmente vem crescendo, mesmo que seja só por modismo e auto-promoção). Os projetos arquitetônicos deixaram de ser apenas sinônimos de beleza e viraram sinônimos de necessidade, principalmente em centros urbanos de constante crescimento vertical.

Pare e pense nestas situações: o que certa mudança do meio em que um cidadão de classe média vive traria como benefícios a ele? Talvez algumas facilidades a mais, como o ganho de tempo, a facilidade de locomoção e, principalmente, a qualidade de vida, ligada ao menor stress e maior auto-estima. Boas mudanças, que irão modificar claramente a vida do cidadão, de uma forma geral, correto? Agora, analise a situação de quem necessita, mais do que qualquer pessoa, da arquitetura como forma de vivência: imagine-se "na pele" de um cadeirante - andar pelas ruas se tornaria uma maratona; realizar tarefas simples seria sinônimo de constrangimento. E o que a mudança do meio traria aos cadeirantes, de uma forma geral? Mais do que facilidade e conforto, traria de volta a própria condição de cidadão, a dignidade, correto?

Os exemplos acima foram apenas algumas considerações sobre a influência da arquitetura, existindo ainda, diversas outras situações que poderiam ser citadas. Devemos, então, a par deste papel socializador e cumpridor de direitos, tratar a arquitetura de uma forma ampla, não levando em conta apenas os interesses pessoais. Ela deve ser considerada e utilizada como ferramenta de transformação social. O que pode significar pouco para alguns, pode ser muito para tantos outros. Várias obras arquitetônicas são capazes de mudar, para melhor, a vida de inúmeros cidadãos, e não somente àquelas que envolvem quantias milionárias. A arquitetura, em contraponto à afirmação do saudoso Niemeyer, não é objeto somente para os ricos, tendo em vista este contexto.

Niemeyer assumiu um papel contraditório quando fez tal afirmativa: disse que a arquitetura é privilégio dos ricos, mas parece ter ignorado suas próprias obras, que privilegiaram a população de baixa renda. Exemplo é o Edifício Copam que, na época de sua inauguração, teve os apartamentos vendidos por quantias consideravelmente baixas, em vista de sua atual valorização. O edifício abriga extremos, desde decoradores bem sucedidos até travestis, demonstrando, em parte, a auto-afirmação socialista do arquiteto. Por outro lado, como reforço à afirmativa de Niemeyer, existe a construção de Brasília, demonstrando o auge de sua contradição arquitetônica e partidária.

Com tudo isso sendo relacionado, vemos que a possibilidade da mudança social através da arquitetura é plenamente possível, mas infelizmente, ela vai de encontro aos interesses de uma minoria privilegiada. A mudança chega a curtos passos. Para que ela se torne concreta, basta acabar com uma luta de classes milenar. Difícil, mas não impossível. Tomara que a mudança social não se torne de vez uma mera utopia...