Porque não sou da direita

PORQUE NÃO SOU DA DIREITA
Miguel Carqueija

Há pessoas que insistem em sustentar que só existem esquerda e direita, o que a meu ver é um grande erro. Diante de Deus, no julgamento final, só existirão e certo dois caminhos: ou com Deus ou sem Ele. Mas aqui na Terra, na babel de sentimentos e opiniões que existe, é muito perigoso polarizar as posições, numa atitude maniqueísta, tipo mocinhos e bandidos nos antigos filmes de “bang-bang”.
Hoje em dia pouco se fala no centro, e no entanto esta posição existe. E existem os apolíticos, que mal sabem o que seja esquerda, direita ou centro; existem a centro-direita e a centro-esquerda, os anarquistas, e as pessoas de posições independentes. Eu me coloco neste último grupo, não gosto de rotular por posição metaforicamente física o que é posição política, religiosa, filosófica, cultural ou moral. E apenas me digo um conservador, católico e humanista.
Apesar de me considerar vacinado contra o vírus esquerdista (estou muito bem informado a respeito dos crimes e safadezas da esquerda através da História) não consigo me identificar com a direita por notar que, ao menos em alguns assuntos, a turma direitista com frequência perde a visão de conjunto e só vê o que lhe interessa.
Vou apenas citar um exemplo bem significativo. Meses atrás nosso estimado Papa Francisco realizou uma corajosa viagem apostólica ao Iraque. Esse país já foi muito flagelado pelo grupo extremista Estado Islâmico, mataram muita gente, exterminaram ou expulsaram cristãos em massa. Os católicos do Iraque diminuíram muito em número. Com a derrocada do poder do Ísis, muitos puderam voltar às suas terras e a perseguição religiosa abrandou radicalmente. E eu espero que o Talibã, que voltou ao poder no Afganistão, não venha a estender suas garras sobre o Iraque.
Na referida viagem Francisco cimentou bons relacionamentos com as atuais autoridades políticas do país e líderes da religião muçulmana. Também levou alento à sofrida população católica. Alguém pode avaliar quanto consolo o pontífice levou aos nossos irmãos católicos lá num país do tão inconstante Oriente Médio?
Pois bem: eu pude assistir naquela época um vídeo do canal youtube “Os pingos nos is”. Devo dizer que estimo aqueles jornalistas, que se mostram muito lúcidos e corajosos quando se trata de desmascarar a horrível militância esquerdista do Brasil. Inclusive a farsa que o Lula representa. Até aí tudo bem e eu bato palmas para “Os pingos nos is”.
A situação muda porém de figura quando se trata do Papa Francisco e da Greta Thunberg. Percebo que os integrantes da mesa de discussão perdem as estribeiras e parece que motivados pela ideologia e não pelo senso de justiça. E aí surge a bitola da direita, já usada há muitos anos atrás contra o Papa Paulo VI, hoje reconhecido como santo.
A apresentadora do programa noticiou a viagem do Papa Francisco ao Iraque. Então ela perguntou ao Fiúza o que achava. Ora, eu gosto de muitas declarações do Fiúza, que fala a verdade nua e crua contra a militância esquerdista. Mas naquela noite ele parecia obcecado simplesmente em atacar o Papa Francisco (que não é esquerdista, é Papa) a troco de nada.
Em vez de responder simplesmente à pergunta o repórter utilizou seus minutos para um ataque generalizado a Francisco, dizendo que ele é isso, que é aquilo, que faz isso, que faz aquilo, gastou todo o seu tempo e não respondeu. Não abordou a viagem apostólica e seu significado, não mencionou sequer o nome Iraque. Nisso tudo, além da falta de respeito com o Papa, ele perpetrou uma desfeita contra a própria apresentadora do canal.
Custava ele dizer o que pensava da viagem em si? Ao menos para responder à apresentadora não identificada?
Qualquer pessoa tem o direito de discordar do Papa Francisco mas explique porque e aborde fatos concretos. Se a razão de ter sido ventilado o nome do Papa naquela ocasião foi a viagem ao Iraque, então que se fale nisso. É elementar. O que havia de errado nessa viagem? E a alegria dos católicos locais, ao se verem prestigiados pelo Chefe da Igreja, isso não vale nada para o Fiúza?
Eu falei que só ia abordar um caso, mas não resisto em trazer outro, mais recente, à baila: a maneira como tratam a Greta Thunberg nesse programa.
Vejam bem, se algum dia eu tiver que discordar da Greta eu o farei. Todos nós podemos errar, eu mesmo já errei muito nessa vida e reconheço. Mas uma pessoa cuja voz tem tanta força deveria merecer ao menos uma contestação crítica, se discordam dela, mas que a respeitasse. Em vez disso a turma da direita em geral procura desqualificar a menina por sua pouca idade, em vez de examinar com seriedade os seus argumentos. Ela pode até estar errada, mas provem, ora essa. Aliás, prova da isenção de Greta é que recentemente ela dirigiu duras críticas às autoridades chinesas e em consequência foi atacada e ridicularizada pelo Partido Comunista Chinês.
Ela foi convidada pelo Senado brasileiro a se manifestar sobre a questão ambiental em nosso país. Eu assisti em noticiário o pronunciamento da menina. E o canal “Os pingos nis is”, ao reproduzir, colocou em manchete que Greta ofendeu o Brasil e atacou o Presidente Bolsonaro.
Eu não tenho, de forma alguma, por Bolsonaro, a ojeriza que lhe dedica a esquerda brasileira, não tenho nenhum compromisso com a esquerda e concordo e aplaudo muita coisa do governo Bolsonaro (por exemplo, as obras espetaculares que mesmo com recursos limitados são desenvolvidas sob a direção do digno Ministro Tarcísio Freitas, da Infraestrutura, beneficiando a população de forma muito concreta).
Na parte ecológica entendo que nossas autoridades em vários níveis estão ainda cegas para a realidade.
Ora bem: a manchete é enganosa.
Greta atacou Bolsonaro? Meu Deus, ela nem mencionou o seu nome! E a Greta já deu a entender certa vez que não gosta de citar nominalmente em suas críticas. Ela se referiu às autoridades brasileiras, e isso pode valer também para os governos estaduais, por exemplo. Ela também não ofendeu o Brasil em hipótese alguma. A questão climática e ambiental é mundial, eu sou contra o globalismo político mas em ambientalismo temos de ser globalistas porque a natureza está interligada no planeta inteiro. E Greta falou que o Brasil não começou e que os países do Hemisfério Norte têm culpa sim — bem, não lembro palavra por palavra mas foi o que ela quis dizer —mas que isso não justifica o que sucede na Amazônia. “Se perdermos a Amazônia”... E ela fez uma afirmação gravíssima: que a Amazônia já está emitindo mais carbono do que absorve.
O pessoal do programa não examinou com justiça as declarações da garota. Se ela não entende nada porque não estuda e é muito nova... ora, me expliquem, como a Discover noticia que o buraco na camada de ozônio já é maior que a Antártica? E essa crise hídrica brasileira que já atinge níveis quase apocalípticos e justamente por causa do desmatamento? Por que já não existe um programa nacional de reflorestamento que seja tratado com grande prioridade? Eu sei, procede o argumento de que autoridades estrangeiras como Macron não têm moral para atacar nosso governo, porque essa turma tem telhado de vidro (Macron então nem se fala). Mas a menina é outra coisa, ela que já chegou a mandar a Macron um duro recado nesses termos: “Assuma suas responsabilidades”.
Aí a repórter Ana, num esforço para desqualificar a adolescente sueca,faz um escândalo por ela se referir à Amazônia como “o pulmão do mundo” quando esse pulmão é o oceano, detalhe que provaria a incompetência de Greta, para cuidar desse assunto.
Gente, o mundo não tem pulmão, isso é metáfora, mas eu desde 1976 sei que o “pulmão” do mundo é o oceano. Se Greta chamasse a Amazônia de pulmão do mundo, porém, não estaria cometendo nenhum pecado mortal, é o mesmo que dizer que a América Latina é continente (e, claro, não é). Muita gente cai nesses erros conceituais mas não merece ataques morais por isso. Se é para corrigir, corrijam com caridade.
Mas a rigor, não ficou claro para mim o que Greta Thunberg realmente disse. Não puseram legendas e colocaram uma dublagem horrível com uma voz rouca. E a certa altura Greta teria dito “a Amazônia, os pulmões do mundo”. Ora, a primeira parte não concorda com a segunda. A primeira está no singular, a segunda no plural. Parece ter sido uma espécie de metalinguagem. Se o “pulmão” no singular, é mais corretamente o oceano (ou os oceanos), no plural deve se referir aos mares mais as coberturas vegetais, notadamente as florestas. É como se Greta, além da Amazônia, acrescentasse em seu raciocínio os demais “pulmões” ou respiradouros do planeta. Caso contrário a menina deveria dizer “a Amazônia, o pulmão do mundo” e não “os pulmões do mundo”.
Porque tanto empenho com uma menina de 15, 16, 17 e agora 18 anos? Que é autista, que superou suas limitações e é evidentemente autêntica (vegana, de hábitos frugais, nem roupas novas ela compra etc)?
Bem, como eu não sei conduzir meus raciocínios sem utilizar fatos concretos, argumentos objetivos e hermenêutica, não posso acompanhar essas posturas unilaterais.
Por isso eu não sou nem de esquerda e nem de direita.

Rio de Janeiro, 17 de setembro de 2021.