ENTRE TERREIROS E ENCRUZILHADAS: O LÉXICO DA UMBANDA

ENTRE TERREIROS E ENCRUZILHADAS: O LÉXICO DA UMBANDA

Alexandre Melo de Sousa

Universidade Federal do Acre (UFAC)

RESUMO: Neste artigo apresentamos um estudo léxico-semântico dos termos da Umbanda. Pretendemos, a partir dele, mostrar a relação entre léxico, cultura e sociedade; e, paralelamente, apresentar a aproximação semântica entre os termos estudados.

Palavras-chave: Etnolingüística; Léxico; Umbanda.

RÉSUMÉ: Dans cet article nous présentons une étude lexique et sémantique du vocabulaire de l’Umbanda. Nous voulons montrer le rapport entre lexique, culture et societé; parallèlement, nous désirons présenter la proximité sémantique entre les termes étudiés.

Mots-clés: Etnolinguistique; Lexique; Umbanda.

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Num país com significativas diferenças sócio-culturais e com grandes dimensões geográficas como o Brasil, um estudo que destaque a variação lingüística, especialmente no

âmbito lexical, adquire um significado especial, já que no léxico temos o reflexo da cultura de um povo, resultado de suas experiências, de sua evolução social. O léxico, portanto, como afirma Mira Mateus (1983), é o resultado da experiência sócio-cultural que envolve cada língua ou dialeto. Para Aragão (2005, p. 01):

As relações entre língua, sociedade e cultura são tão íntimas que, muitas vezes, torna-se difícil separar uma da outra ou dizer onde uma termina e a outra começa. Além dessas relações, um outro fator entra em campo para também introduzir dúvidas quanto à linguagem utilizada por um determinado grupo s ócio-cultural: é o fator geográfico, regional ou diatópico. Algumas variações, ditas regionais, podem ser, muitas vezes, sociais; se sociais, podem ser relativas aos falantes, que têm uma determinada marca diageracional, diagenérica ou mesmo diafásica.

Desta forma, explica a autora, quando se trabalha com a Etnolingüística, que tem como objeto as relações entre língua e cultura, e com a Sociolingüística, que trata das relações entre língua e sociedade, vê-se que essas ciências, embora tenham objetivos bem delimitados, possuem uma grande área de intersecção.

Neste artigo, apresentamos um estudo léxico-semântico do vocabulário da Umbanda. Seu objetivo é mostrar a aproximação semântica de alguns termos ligados à referida religião.

2 AS RELIGIÕES AFRO NO BRASIL

Segundo Maestri (1994), os escravos negros chegavam em várias partes do Brasil para exercer diferentes funções: em Pernambuco, trabalhavam nos engenhos de açúcar; em Minas Gerais, nas minas de ouro; na Bahia, nas plantações de cacau; em São Paulo, nas lavouras de café; e assim por diante.

A partir da miscigenação entre os negros de nações diferentes – principalmente sudaneses e bantos – eclodiu uma nova cultura. Nos diferentes campos de trabalho ou no interior das senzalas, as múltiplas e distintas tradições culturais africanas se aglutinaram e geraram uma religião tipicamente brasileira que traz consigo a alegria, o colorido, a mágica, o mistério e a isenção de julgamentos morais. Nos diferentes pontos do Brasil, essa religião recebeu uma denominação diferente. Por exemplo, em Pernambuco e Alagoas, foi chamada de Xangô; no Maranhão, Tambor de Mina; no Rio Grande do Sul, Batuque; na Bahia e no Ceará, Candomblé. Nos milhares de terreiros espalhados pelo Brasil, os fiéis se reuniam para comemorar e entrar em contato com as entidades, denominadas orixás. É difícil determinar quais povos influenciaram mais a referida religião afro-brasileira.

Ainda assim, é possível delinear alguns grupos: a) os sudaneses, que constituíram a nação de queto e preservavam crenças da cultura ioruba ou nagô, provenientes da Nigéria, Sudão e Benin; b) os bantos, provenientes dos atuais Congo e Angola. Atualmente, segundo Lody (1987, p. 11), a partir de semelhanças principalmente lingüísticas, podemos identificar a seguinte divisão: Nação Kêtu-Nagô (iorubá); Nação Jexá ou Ijexá (iorubá); Nação Jeje (fon); Nação Angola (banto); Nação Congo (banto); Nação Angola-Congo (banto); Nação de Caboclo (modelo afro-brasileiro).

A Umbanda, por sua vez, segundo Rivas Neto (2002), surgiu no final do século XIX e utilizava como cenário os cultos miscigenados de negros, índios e brancos, conhecidos como macumbas, catimbós, torés, xambás, babassuês, xangôs, entre outros. “Nesse contexto, começaram a se manifestar entidades espirituais, através da incorporação, nas formas de índios (caboclos) e de Pais -Velhos trazendo as mensagens dos espíritos ancestrais desses povos” (RIVAS NETO, 2002, p. 10). E logo depois, aparece ram as entidades que se apresentavam como crianças, completando, assim, a tríade que serviria de base para a doutrina umbandística.

Na Umbanda, segundo Mãe Cleane de Oxóssi , as divindades ganharam características razoavelmente diferentes daquelas cultuadas no Candomblé. De qualquer modo, essa nova religião afro-brasileira favoreceu que as culturas africana e indígena, especialmente a mitologia e os costumes, fossem preservadas e conhecidas das outras pessoas. No entanto, como afirma Pordeus Jr. (2000, p. 40):

Apesar de o Espiritismo de Umbanda haver se espalhado por todo o País e ter entre seus objetivos se tornar a religião brasileira, absorvendo em seu panteão práticas religiosas designadas genericamente como Macumba, a permanência desta é notória, principalmente nas periferias dos grandes centros urbanos.

Ao contrário do Candomblé, os orixás não se manifestam na Umbanda. Nos terreiros, por meio das incorporações, quem se apresentam são índios, pretos-velhos, ciganos e crianças. Essas entidades estão distribuídas em sete linhas de vibração (ou falanges) chefiadas por um orixá. Oxóssi, por exemplo, manifesta-se através dos caboclos (índios). Como explica Magnani (1991, p. 33), “Linhas e falanges constituem divisões que agrupam as entidades de acordo com afinidades intelectuais e morais, origem étnica e, principalmente, segundo o estágio de evolução espiritual em que se encontram, no astral”.

3 A ORIGEM DA UMBANDA NO CEARÁ

No Ceará, de acordo com Mãe Neide Pomba -Gira, o primeiro Centro Espírita de Umbanda foi registrado na polícia em 1952. Aliás, de acordo com Pordeus Jr. (2000, p. 52), mesmo antes desse registro, são encontradas duas designações para essas práticas religiosas: “macumba” ou “catimbó”, este último termo oriundo da influência indí gena. O que prova que mesmo antes do primeiro registro, a religião já era praticada na capital cearense. Em Fortaleza, as casas de santo (ou terreiros) se instalam na periferia ou na cercania da cidade, em locais como Bom Sucesso, Jatobá, Bom Jardim, Siqueira, Pirambu.

É importante destacar, o fato de que, além da forte influência da cultura africana na Umbanda, no Ceará, essa religião recebeu grande herança cultural indígena, haja vista a presença do Toré, dança-ritual dos Tapebas, nos rituais praticados na maioria dos terreiros. Essas marcas, para Mãe Cleane de Oxóssi, podem ser observadas no vocabulário relacionado às entidades, às celebrações, aos instrumentos usados nos “trabalhos” e às oferendas direcionadas às entidades e aos orixás. Como explica Câmara Jr. (1965, p. 18), “Essa sua qualidade de representar a cultura e de todo um mundo cultural ser visto e expresso através dela cria na língua um elo com a cultura, muito amplo e muito profundo”.

4 AS RELAÇÕES ENTRE LÉXICO E CULTURA

Cabe à Etnolingüística, segundo Coseriu (1987, p.19), o estudo dos fatos lingüísticos quando motivados pelas idéias, crenças, concepções e ideologias acerca das coisas, “portanto, também acerca da linguagem mesma enquanto fato ‘real’”. Seu objeto de estudo são as estruturas sociais refletidas nas línguas mesmas, “por exemplo, enquanto nomeadas no léxico [...]”. Dubois et al (1973, p. 363-364) define léxico como “o conjunto das unidades que formam a língua de uma comunidade, de uma atividade humana, de um locutor, etc.”.

De acordo com Bueno (1964, p. 135), a língua não existe como entidade própria. Ela reflete, através do seu vocabulário, não apenas o indivíduo, mas especialmente a sociedade que a utiliza. Como toda a sociedade traz inerente traços culturais próprios, há uma relação estreita entre linguagem e cultura, uma como reflexo da outra.

Através das formas simbólicas, destaca Seraine (1985, p. 116), a linguagem em si mesma deve ser considerada um fenômeno cultural, “um saber que se aprende e transmite como um legado tradicional da p rópria sociedade”. Corrobora com a mesma posição Câmara Jr. (1967, p. 22), para quem “uma língua, em face do resto da cultura, é – 1) o seu resultado, ou súmula, 2) o meio para ela operar, 3) a condição para ela subsistir. E mais: só existe para tanto. A sua função é englobar a cultura, comunicá-la e transmiti-la através das gerações”.

Para Aragão (2005, p. 02), “toda a visão de mundo, a ideologia, os sistemas de valores e as práticas socioculturais das comunidades humanas são refletidas em seu léxico”.

5 ESTUDO LÉXICO-SEMÂNTICO DOS TERMOS DA UMBANDA NO CEARÁ

5.1 A metodologia da pesquisa

Para a coleta dos dados desse estudo, fizemos pesquisa in loco, entre os meses de fevereiro e novembro de 2005, em cinco terreiros de Umbanda localizados em Fortaleza, onde entrevistamos cinco superiores da referida religião, sendo três pais-de-santo (Pai Nazareno de Ogum [IN01], do Centro de Umbanda Ogum Iara; Pai Carlos de Iansã [IN02], do Centro de Umbanda Príncipe Sibamba; e Pai Cleilton de Obaluaê [ IN03], do Centro de Umbanda Rei Nanã ) e duas mães-de-santo (Mãe Neide Pomba-Gira [IN04], do Centro de Umbanda Cabocla Jurema; e Mãe Cleane de Oxóssi [IN05], do Centro de Umbanda Cabocla Jacira ).

Como o acervo lexical coletado guarda relações de significado, achamos oportuna a

divisão dessas palavras de acordo com os campos semânticos aos quais elas pertencem. Para Câmara Jr. (1986, p. 157), campos semânticos são “associações de significado para um certo número de semantemas, como os termos para cor, para partes do corpo animal, para os fenômenos meteorológicos, etc.”.

Assim, agrupamos as palavras e expressões nos seguintes campos: a) orixás, b) entidades, c) papéis e funções, d) rituais e celebrações; e cada um deles apresenta entradas individuais para cada termo, organizadas em ordem alfabética seguidas de informações gramaticais correspondentes: s.f. (substantivo feminino) e s.m. (substantivo masculino).

Quando o termo apresenta sinônimos, estes foram colocados no próprio verbete. Apresentamos, ainda, passagens dos depoimentos coletados, nos quais aparecem os termos referidos. Neste caso, assinalamos entre colchetes a indicação do informante.

5.2 Relação sinonímica entre os termos da Umbanda: análise dos dados

O primeiro fato a ser observado com rela ção ao léxico da Umbanda é que muitos termos têm relação sinonímica. A maior parte dos informantes atribuiu termos diferentes para designar o mesmo referente. O lugar onde acontecem os cultos aos orixás, por exemplo, foi designado terreiro por alguns informantes, enquanto outros chamaram casa-de-santo. Outros, ainda, ora chamavam terreiro, ora casa-de-santo.

Para designar a celebração às divindades e aos orixás, quatro informantes usaram o termo gira, ao passo que um deles usou os termos macumba e festa. Quando perguntados sobre o que vinha a ser macumba, porém, a maioria dos informantes definiu como um nome genérico e pejorativo atribuído a qualquer manifestação da religião afro -brasileira, assim como catimbó, enquanto um deles explicou tratar -se da maneira popular como as pessoas conhecem a Umbanda. É importante destacar também que o termo macumba foi utilizado pelo mesmo informante para designar um instrumento musical usado nas festas oferecidas às entidades. Nota-se, aqui, um caso de polissemia.

Pai-de-santo, pai-de-terreiro e babalorixá também foram termos usados de forma sinonímica para designar o chefe da celebração umbandística. Essa mesma variação ocorreu

com os termos mãe-de-santo, mãe-de-terreiro e ialorixá. Quando se referiam aos participantes da Umbanda que faziam parte da corrente, o termo filho-de-santo foi utilizado por quatro dos informantes, e apenas um, oscilou entre o termo filho-de-santo e filho-de-fé.

Os termos cavalo, iniciado e médium foram usados para nomear a pessoa que recebe entidades pela maioria dos informantes entrevistados. Assim como os termos guia e entidade para referir-se aos espíritos que são incorporados durante as giras ou festas. Com relação aos nomes dos orixás também encontramos correspondências de denominações. Exu foi indicado como o orixá morador das encruzilhadas por três informantes, enquando os outros dois utilizavam ora Exu, ora Bogdobirá. O termo Iansã foi utilizado para indicar o orixá da tempestade por dois informantes. Os demais informantes usaram também o nom e Oiá.

Iemanjá foi o orixá com a maior variação de termos. Apenas um informante usou sempre o mesmo nome, os demais utilizaram Iara – dois informantes, Janaína – um informante – , Estrela-do-mar e Ynaê – também um informante. Para Omolu, dois dos entrevistados usaram também as designações Obaluaiê, e outro variou com o termo Xapanã. Já Oxalá foi designado também Orixalá e Obadalá por todos os entrevistados.

5.3 Glossário

5.3.1 Orixás

Exu s.m. orixá mensageiro de personalidade forte, tem fama de rápido , ardiloso e, em alguns casos, violento e vingativo. Tem como missão, fazer a ponte entre os homens e os orixás e proteger as residências. No ritual de alguns cultos, Exu é chamado Bongbogirá.

É Exu quem abre os caminhos, vem pra brincar. Ele mora nas encruzilhadas. Não tem nada a ver com o Diabo. Isso é besteira [IN03].

Iansã s.f. orixá da tempestade, da água e da sensualidade. Simboliza as pessoas guerreiras,

determinadas e vivazes. Em alguns rituais é chamada de Oiá. É associada a Santa Bárbara.

Iansã é linda. Aqui eu tenho três filhos dela. Na linha dela reina a força vinda das águas. Ela aparece com Xangô [IN04].

Iemanjá s.f. orixá discreto e maternal, tem relação com as espumas das águas salgadas e a missão de proteger os homens que tiram o sustento d o mar. Recebe também os nomes: Iara, Indaiá, Janaína, Ynaê, Estrela do Mar. É associada a Nossa Senhora da Conceição.

Acho que Iemanjá é a mais conhecida por causa das festas na praia. Sai na televisão e mostra a união dos terreiros nas areias [IN02].

Nanã s.f. orixá do barro, da lama e da água parada, foi uma das primeiras divindades a surgir na criação do mundo. Tem a missão de proteger os mortos e velar pelas novas vidas. É associada a Sant’Ana.

A Umbanda tem muito respeito por Nanã. Ela representa a mã e de Maria que a mãe de

Jesus, nosso Oxalá [IN02].

Ogum s.m. orixá da guerra, possui como características a determinação, a liderança, mas também a impulsividade e a violência. Tem como missão proteger os pobres e injustiçados. É associado a São Jorge.

Ogum é lembrado com São Jorge, que é santo guerreiro. Mas ele pode aparecer ligado a São Sebastião e a Santo Antônio [IN04].

Omolu s.m. orixá da Terra, da vida e da morte, da cura e da doença. Na Umbanda, os filhos

de fé não incorporam Omolu. Ele manifesta -se através da possessão mediúnica de espíritos

desencarnados ligados aos Pretos -Velhos, símbolos da sabedoria. Recebe as denominações Obaluaiê e Xapanã. É associado a São Lázaro e a São Roque.

Quando recebem espíritos devotos de Omolu, os filhos encurvam o corpo quase até o chão.

Omolu representa a vida e a morte [IN05].

Oxalá s.m. orixá do equilíbrio emocional, considerado o maior de todas as divindades, o pai de todos os mortais. Na Umbanda, os médiuns não incorporam Oxalá. Recebe os nomes de Obatalá e Orixalá. É associado a Jesus Cristo.

Sexta-feira é dia de Oxalá, dia de vestir branco, de ter paz. Oxalá é Cristo, o Nosso Senhor. Ele não é incorporado, mas a gente sente a presença dele [IN05].

Oxóssi s.m. orixá da floresta e da caça, possui como caract erísticas a alegria e a busca da fartura. Sua missão é caçar e trazer o alimento para casa, daí sua fama de diligente responsável e provedor. É associado a São Sebastião.

Oxóssi é o rei das matas. Todo caboclo é da linha de Oxóssi. Esse terreiro é da Cabocla Jacira, que é da linha dele [IN01].

Oxum s.f. orixá da água doce, do esplendor e da paixão. Tem como características a beleza, a vaidade, a sensualidade e a determinação, mas também é vista como tímida e imaculada. É associada a Nossa Senhora da Glória e Nossa Senhora das Candeias.

Oxum é o orixá de tudo o que brilha. Ela simboliza a força de vontade, a perseverança. Oxum lembra ouro, amor, fertilidade, água doce, de onde nasce a vida [IN02].

Xangô s.m. orixá da vida, da proteção, da justiça e do fogo . Nos rituais, Xangô é complementado com Iansã: ele é o raio e ela a tempestade. Tem como características a beleza, a virilidade, a paixão e o forte senso de justiça. É associado a São Pedro e a São Jerônimo.

Todo mundo já sabe: se tem Xangô, o terreiro tr eme, pois a energia dele é muito forte [IN02].

5.3.2 Entidades

Caboclos s.m. entidades que constituem uma falange e, como tal, penetram em todas as linhas, atuando em diversas virações. Entretanto, cada um deles tem uma vibração originária, que pode ser ou não aquela em que ele atua. Existia a concepção de que todo Caboclo seria um Oxóssi, ou seja, viria sob a vibração deste Orixá. Porém, atualmente sabe-se que Caboclos diferentes, possuem vibrações diferentes, podendo atuar sob a vibração de Ogum, de Xangô, de Oxóssi ou Omulu. Já as Caboclas, podem se apresentar sob as vibrações de Iemanjá, de Oxum, de Iansã ou de Nanã.

Os caboclos têm relação muito forte com a natureza, com a força da natureza. É por isso que eles são tão procurados aqui em casa. Essa c asa é de uma cabocla: a Jurema [IN04].

Crianças s.m e f. entidades que se apresentam de maneira infantil. São normalmente muito irrequietos, barulhentos, às vezes brigões, não gostam de tomar banho, e nas festas se não

forem contidos podem literalmente botar fogo. A Criança na Umbanda é apenas uma manifestação de um espírito cujo desencarne normalmente, se deu em idades infanto-juvenis. Atuam, como os demais espíritos, em várias linhas de vibração.

Eles são alegres, brincalhões. Se tem criança na gira, ele s começam a brincar, pular. Mas

não se engane, são capazes de conseguir coisas que um caboclo ou um preto -velho não conseguem [IN05].

Povo da rua s.m entidades que têm uma função específica junto aos espíritos evoluídos, aos guias superiores, levar mensagens de pedidos, abrir os caminhos e proteger os filhos contra as demendas. Com as maneiras alegres, calorosas e coloridas que se apresentam, essas entidades permitem uma boa afinação e uma boa vibração na corrente de trabalho. No caso das pomba-giras, se apresentam em trajes multi-coloridos, podendo ser Ciganas de porte aristocrático, ou mulheres apenas comuns de porte vulgar. Dançarinas populares de Tabernas que amam a alegria e a noite amando a alegria e a noite.

É o que a maioria das pessoas, os visitantes vêm procurar. Acho que pela história deles, não é. Foram mulheres da vida, malandros, ciganos. Povo sofredor que agora, desencarnados, ajudam os que precisam. Na maioria das vezes, caso de amor [IN05].

Pretos-Velhos s.m entidades que quando encarnado s sofreram na condição de escravos. Porém como nas demais falanges espirituais, pode haver entre eles, algum outro espírito que não tenha sido negro ou escravo trabalhando lado a lado nesta condição espiritual. Ouvem com paciência queixas e dores, e por intermédio de rezas, banhos, passes, defumações e conselhos, vão curando, unindo e protegendo. Fumam cachimbo ou charutos, bebem preferencialmente vinho, mas podem preferir o café amargo e até mesmo a aguardente. Gostam de guias (colares) de sementes ou miçanga preta e branca.

Eles são a serenidade e a experiência da casa. De qualquer casa. Se for caso de cura, de conselho, é um preto-velho quem faz. Na chegada de um preto-velho tem gente que chora [IN01].

5.3.3 Papéis e funções

Cambone s.m e f. pessoa encarregada de acompanhar e auxiliar as entidades durante a gira, oferecendo cigarro, charuto, bebida, perfume etc.

Quem escolhe a cambone é o Pai-de-Santo ou a própria entidade. Na maioria das vezes, é um filho que não incorpora [IN01].

Cavalo s.m. pessoa que tem a capacidade de receber as entidades. Pode ser chamado de médium, aparelho, iniciado.

A entidade escolhe o cavalo dela e se manifesta na gira [IN04].

Entidade s.f. espíritos de mortos que descem ao plano material através da incorporação de médiuns.

Se tiver fé e pedir à entidade, pode ter certeza que ela entrega [IN04].

Filho-de-santo s.m. pessoa que participa da Umbanda na corrente da fé. Geralmente usa farda. Pode ser chamado de filho-de-fé.

Muitos Pais-de-santo de Fortaleza e do interior já foram meus filhos-de-santo [IN04].

Guia s.m. entidades espirituais que são divididas em sete linhas de vibração e se incorporam nos médiuns.

Pode chamar de entidades, guias, espíritos, não importa. O importante é a fé que se tem na busca e na entrega deles [IN03].

Mãe-de-santo s.f. pessoa que preside a cerimônia da Umbanda. É a responsável maior pela gira, na qual recebe as entidades e transmite os ensinamentos aos filhos. Conhecida também por mãe-de-terreiro e ialorixá.

Ser mãe-de-santo não é tarefa fácil. Imagine quantos filhos a gente tem, quantos trabalhos e quantas preocupações. Tem que estar preparada para a missão [IN05].

Mãe-pequena s.f. pessoa do sexo feminino que substitui a mãe -de-santo ou o pai-de-santo quando necessário. Para ser mãe-pequena, a filha-de-santo já deve ter feitos todos os cruzos e estar preparada para abrir sua própria casa de Umbanda. Quando do sexo masculino, chama-se pai-pequeno.

Tenho toda a confiança na minha mãe -pequena, mas se ela assume uma gira, gosto de ficar olhando, vendo como as coisas acontecem [IN05].

Maraqueiro s.m. pessoa encarregada de tocar a maracá durante as giras.

(...) tem que ter uma sintonia muito boa entre o tambozeiro e o maraqueiro. A vibração depende disto também [IN05].

Orixá s.m. divindade afro-brasileira originária do panteão nagô, que representa forças da natureza, virtudes, proteção.

Cada orixá, alguns chamam de vibração, lidera cada uma das sete linhas da Umbanda [IN02].

Pai-de-santo s.m. pessoa que preside a cerimônia da Umbanda. É o responsável maior pela gira, na qual recebe as entidades e transmite os ensinamentos aos filhos. Conhecido também por pai-de-terreiro e babalorixá.

Sou pai-de-santo faz muitos anos e ainda assim aprendo coisas sobre a religião todos os dias, com as entidades e com os filhos também [IN01].

Tambozeiro s.m. pessoa encarregada de tocar o tambor durante as giras.

Se meu tambozeiro não puder comparecer à gira, tenho que providenciar outro na mesma hora. Não pode faltar de jeito nenhum [IN02].

5.3.4 Rituais e celebrações

Abertura s.f. ritual de iniciação dos trabalhos através de cantos e orações – com a participação do chefe de cerimônia (Pai ou Mãe-de-santo), dos filhos-de-santo e dos visitantes – que antecede a chagada (descida) das entidades.

É a hora que a gente tem que ta mais concentrada. Abre a gira e incorpora. Depois, só no fim dos trabalhos [IN05].

Arriada s.f. ritual de entrega de oferendas a uma entidade numa encruzilhada com o objetivo de conseguir alguma coisa material ou espiritual.

Pra fazer arriada, a gente não leva a pessoa. Vou só ou com o cambono [IN05].

Assentamento s.f. ritual de preparação do lugar do orixá. Geralmente utilizam-se objetos que os representam e de onde se pode sentir sua presença, sua força.

Lá fora tem um assentamento pra Seu Zé. Ele é forte aqui na nossa casa [IN04].

Corimba s.f. ritual de louvação às entidades. Pode ser realizado no terreiro, nas matas, na praia, nas cachoeiras.

Eu faço corimba aqui mesmo, ou no terreiro de outro Pai -de Santo. A gente faz também na Praia do Futuro, aí tem que ir bem cedo pra lá [IN04]

Cruzo s.m. ritual de obrigação para a formação como pai-de-santo ou mãe-de-santo. Os cruzos são feitos por etapas, cada uma a seu tempo determinado pelo pai-de-santo e pelas entidades. No total, são sete cruzos para chegar à coroação como chefe de terreiro.

(...) é como o cruzo. Tem que ser na hora certa. O filho tem que estar bem desenvolvido [IN02].

Demanda s.f. ritual de desavença interpessoal, em que utilizam -se oferendas às entidades, para que elas atuem como intermediárias da vibrações negativas.

Dá para sentir a demanda quando algum filho manda para outro. Isso não acontece muito, mas acontece, infelizmente [IN03].

Descarrego s.m. ritual de afastamento de um encosto ou neutralização de sua influência em alguma pessoa através de passes ou práticas de limpezas e banhos de ervas e raízes.

(...) e aí, pra descarregar a gente usa as ervas. Na Umbanda tem que usar erva, é da natureza, tem força [IN05].

Desmancha s.f ritual de desfazimento de um trabalho, de uma magia. Esse ritual varia de acordo com a linha da entidade que fez o trabalho.

Já tive que fazer uma desmancha à meia -noite, dentro do cemitério. Ali na Parangaba. Quase que eu não conseguia entrar [IN05].

Despacho s.m. ritual de oferenda aos orixás ou entidade s, com o objetivo de render-lhes homenagens e obter proteção contra demandas.

Fazer despacho tem que ser na encruzilhada. É lá que Exu mora. É lá que ele recebe [IN02]

Festa s.f. celebração em homenagem a alguma entidade importante do terreiro. Existem a s

festas oficiais da Umbanda, como a de Iemanjá, e aquelas particularizadas por cada terreiro.

Aqui a gente faz festa da Cabocla Jacira, da Pomba-Gira Cigana, em novembro, e da Maria Padilha. Aparece gente de toda parte. Mas é tudo muito bonito. A entidade fica feliz e fortalece os trabalhos da casa [IN02].

Gira s.f. celebração de culto às entidades umbandistas. Há duas espécies de giras: de desenvolvimento, em que os médiuns são preparados para dar passagem às entidades para que possam praticar caridade atendendo aos consulentes; e de trabalho, que constituem sessões abertas ao público, nas quais as entidades são incorporadas pelos médiuns para atendimento ao público. Conhecida genérica e depreciativamente como macumba.

Gira tem toda semana, às vezes fazemos duas: uma na primeira segunda do mês e outra no sábado. A da segunda é pra Exu [IN01].

Pajelança s.f. cerimônia realizada para as entidades da linha indígena.

Antigamente os terreiros faziam a pajelança na terra batida. O povo da mata chegava com

mais força [IN02].

Passe s.m. ritual de exorcismo feito pela entidade incorporada, com o objetivo de afastar cargas negativas deixadas por encostos ou demandas e, em contra partida, transmitir bons fluidos espirituais aos afetados.

(...) e tem gente que não gosta de macumba, mas vem para tomar passe, receber reza; mas

tudo escondido [IN02].

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Refletimos, neste artigo, acerca da relação léxico/cultura/sociedade, e sobre a aproximação semântica de alguns termos ligados à Umbanda. Ante o exposto, podemos constatar que a religião, por se tratar de uma manifestação cultural, é um veículo de propagação de certos vocábulos que passam a fazer parte da linguagem cotidiana daqueles que participam dos cultos. No entanto, quando comparamos as entrevIstas e os questionários aplicados, verificamos que alguns termos possuem a mesma extensão de significado (ex. pai-de-santo, pai-de-terreiro, babalorixá) para alguns informantes e para outros não.

O que se percebe, portanto, é que não há uma uniformidade e m todos os informantes na relação palavra-coisa. Isso se deve, como alerta Mãe Cleane de Oxóssi, à formação religiosa de cada Pai-de-Santo. Há Centros que desenvolvem trabalhos relacionados exclusivamente à Umbanda, enquanto outros misturam características da umbanda e do Candomblé.

Aqueles líderes religiosos que passaram pelos cruzos e pela formação em um mesmo Centro, explica Pai Cleilton de Abaluaê, certamente têm a mesma concepção para a maioria dos fatos característicos da Umbanda. Os que foram formad os em Centros diferentes, não.

O certo é que, como lembra Aragão (2005, p. 05), “ a visão de mundo, as crenças, as ideologias e as formas de expressão” de uma sociedade com sua cultura são transmitidas pela língua através das gerações, provando que na língua encontramos marcas sócio-culturais do grupo que a utiliza.

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