Do homem para o homem

O mundo vem assistindo, rotineiramente, um crescendo da violência do homem para com o próprio homem. A bestialidade das ruas se estendeu aos lares e não apenas nos grandes centros. Infelizmente, nas capitais, as pessoas se isolam, sentenciadas a uma pena sem crime e, quanto mais recuam, maior se torna o espaço para a injustiça e os desmandos praticados pela delinqüência que subtrai a liberdade do cidadão honesto e trabalhador.

O individualismo se agiganta, esmagando e violentando direitos, criando muros concretamente doloridos entre o ir e o vir. Valemos tão pouco... Uma pedra de crack, talvez um maço de cigarros, um par de tênis velho ou apenas pelo simples prazer de destruir vidas. A mão da fúria se levanta livre e impune, enquanto outras se recolhem temerosas e covardes; o egoísmo tristemente tomando o espaço da porção solidária e generosa que ainda habita em algum lugar do nosso ser. Raros os que se erguem a favor dos indefesos.

E quem são nossos algozes? Desertores de lares falidos, fracos diante da miséria que assola nossos dias, prisioneiros de vícios? Não creio na suposta fragilidade ante as lutas diárias enquanto existe um destemor, sem medidas, para se atentar contra o seu semelhante. Não há justificativas para se matar na calada da noite, pelas costas, ou mesmo à luz do dia, numa execução repleta de barbárie, usando da boa-fé daqueles que ainda vêem o mundo sem malícias, sem a malandragem que se esconde atrás de olhos que, infelizmente, não refletem o negro da alma.

Procurar entender o porquê de tantos atos hediondos é se torturar esquadrinhando mentes retorcidas pelo mal. Instinto de sobrevivência é com os irracionais, não para homens providos de inteligência. Inteligência que às vezes se sobrepõe à lucidez e teima em fazer a guerra. Hitler era um gênio, guiado pelo mal, como Lúcifer, na sua ânsia desmedida pelo poder único e absoluto. Seres como eles, despidos de qualquer tipo de sentimento, órfãos de Deus, por opção, estão aos punhados pelas ruas do mundo, espreitando a inocência, incapazes de piedade, ausentes de qualquer rasgo de luz.

Temos que revolver - como um arado machucando a terra bruta - nosso eu mais profundo e trazer à superfície nossos valores mais preciosos e escancará-los a nossa realidade e mostrar que estamos aqui, querendo viver sem receios, e que o bem há de sobrevir ao mal, pois é superior a essa podridão que almeja arrastar-se para o amanhã das nossas crianças. Se somos extremamente ousados para "matar um leão" todos os dias, por que não soltar a pomba da paz?

Não podemos permanecer em estado contemplativo, indiferentes à dor alheia. Façamos a nossa parte, ainda que pareça mínima. Podemos exercitar um pouco a cada dia, talvez com um sorriso, um olhar mais atento para o nosso próximo mais próximo. A pobreza maior não é a do físico, mas da alma. Comecemos minando a violência em nós mesmos, na nossa casa, no trabalho. Palavras, às vezes, são como lâminas e a ferida, embora invisível aos olhos, é tão doída quanto um punhal rasgando a carne. Temos medo de nos expor, nos sentimos constrangidos para um elogio, uma declaração de amor e tão prontos e intrépidos numa briga no trânsito, numa discussão com os amigos, com os irmãos.

Fomos concebidos num ato de amor, com as bênçãos de um Deus que se manifesta maravilhosamente todos os dias. Não é natural que nos curvemos diante do medo, acuados como presas assustadas, como se nós fôssemos os intrusos.

(publicado no jornal "Comércio do Jahu" - 14/03/2003)

Eva Gomes de Oliveira
Enviado por Eva Gomes de Oliveira em 24/11/2007
Reeditado em 10/07/2009
Código do texto: T751208
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