Algumas considerações técnicas sobre o artigo "da razão insuficiente para a mais que suficiente"

Por: João Paulo da Silva Pereira

Resumo

O presente trabalho visa elucidar alguns aspectos técnicos pouco ou nenhum pouco esclarecidos no trabalho da razão insuficiente para a mais que suficiente, no intuito de retirar o seu teor nosense, que é apenas aparente e propor uma nova abordagem mais rigorosa que aquela.

Summary

The present work aims to elucidate some technical aspects little or not at all clarified in the work from insufficient to more than sufficient reason, in order to remove its nosense content, which is only apparent, and to propose a new, more rigorous approach.

Introdução

Está subtendido no supracitado trabalho a divisão em quatro partes, as quais são:

1° Abordagem ortodoxa, na qual a contribuição se resume a nomenclatura;

2° Abordagem clássica, alegórica e analógica, onde não se trata propriamente de filosofia da matemática;

3° Abordagem que assume o paradoxo de Russell como verdadeiro, para posteriormente refutá-lo por meio dos axiomas ZFC;

4° Abordagem que assume o paradoxo de Russell e problematiza a definição de conjunto vazio e encaminha-se novamente para a segunda abordagem.

No trabalho anterior não foi elucidado o que viria a ser o paradoxo de Russell, assim como as relações de pertinência e inclusão. Dessa forma, ficou demasiadamente implícito o que se estava fazendo no decorrer do trabalho. Diante disso e das intensas divagações filosóficas conjuntamente com os elementos da teoria psicanalítica, não justificada a sua aplicação naquele contexto, é que opto por propor uma nova abordagem e elucidar alguns pontos, sobretudo, técnicos daquele trabalho. É importante observar que a divisão do presente trabalho não terá relação com a do anterior.

Desenvolvimento

Primeira parte

Teorema 1: O conjunto vazio está contido em qualquer conjunto.

∀x (Ø ⊆ x)

Axioma do vazio:

∃y∀x (x ∉ y)

O teorema 1 nos diz que para todo x (conjunto) o vazio está contido em x, ou seja, é subconjunto. O axioma nos diz que existe y, tal que, para todo x, x não pertence a y. Ou seja, existe um conjunto (y), tal que, para todo elemento (x), esse elemento (x) não pertence a y, isto é, não tem elemento em comum com ele. Como o quantificador que antecede a letra _ que representa um elemento qualquer _ é o universal, isso implica que esse conjunto y não possui elemento. Dessa forma, não possuir elementos implica ser o menor dos conjuntos e, por conseguinte, dos subconjuntos (já que todo conjunto é subconjunto a algum outro). Ao partirmos de uma definição elementar do que é um conjunto, temos que um conjunto é uma coleção de elementos, mas pela definição o conjunto vazio não possui elementos,

∃y∀x (x ∉ y) ⇔ ∀x: x ∉ Ø

Isto é, existe y, tal que, para todo x, x não pertence a y, é equivalente a, para todo x, x não pertence ao vazio.

Segunda parte

Relação de inclusão

x ⊆ y ↔ ∀z (z ∈ x → z ∈ y)

Pela relação de inclusão temos que x está contido em y, se e somente se, para todo elemento de x, também é um elemento de y.

Assumindo que o vazio seja um conjunto e, portanto, o menor dos subconjuntos, temos

∃X∀x (y ⊂ x) → ∀x (y ∈ x) → y ∈ X

Isto é, existe uma classe (que é o conjunto universo), tal que, para todo conjunto dessa classe, y (o conjunto vazio) está contido nesse conjunto, implica que, para todo conjunto (indivíduo) dessa classe, o vazio (y) está nele (x), que, por sua vez, implica dizer que y pertence/está a/na classe, pois como não podemos utilizar uma relação de pertencimento de um conjunto para com um elemento, apenas de um elemento para com um conjunto, chegamos ao resultado que o vazio está na classe, onde esta classe é a classe de todos os conjuntos possíveis, já que o conjunto vazio está contido em todos os conjuntos. A explicação seria que ao passarmos para a segunda fórmula bem formada, confundimos o conjunto vazio com o elemento vazio, digo, o vazio, pois tradicionalmente há distinção entre { } e {Ø}. Porém, pela teoria das classes equinuméricas ou similar, assim o era definido os números, o zero é definido como a classe que contém o vazio, isto é,

O := {Ø}

Por isso há equivalência entre o zero e o 1 (em Peano) e nesse sentido/caso o conjunto vazio é unitário. Anteriormente _ em Frege _, por x (um determinado conjunto) ser distinto a si mesmo, o vazio era igual a zero, então por meio da relação de "idêntico a 0" era definido o 1, assim toda a proposição antecedente era distinta da segunda, portanto, poderiam ter uma relação de igualdade. Da mesma forma o dois, que era o número que é "idêntico ao 0 ou a 1" e assim sucessivamente. Por fim, a fórmula não é possível, porque o que envolve a totalidade de uma coleção não pode ser membro dessa (princípio do círculo vicioso).

Terceira parte

Propriedade da inclusão

A ⊂ B → B ⊃ A

Ao assumirmos que o vazio não pode ser em si um conjunto, temos que

∀x: x ∉ Ø → ∀A (Ø ⊄ A)

Para todo elemento de todas as classes possíveis, x (esse elemento) não pertence ao vazio, implica que, para todo conjunto (A), o vazio não está contido em A. Ou

∀x: x ∉ Ø → Ø ⊄ Ø → Ø ⊅ Ø

Assim dizendo, não é possível o vazio ser um conjunto, pois não está contido em si mesmo, assim, não contém a si mesmo (aqui assumindo uma distinção entre contido e contém, que caracteriza o seu próprio paradoxo).

Quarta parte

O princípio do círculo vicioso faz parte da chamada teorias do tipo unificada, que deriva-se da ideia dos tipos lógicos, onde temos que só faz sentido dizer que x ∈ y, se o índice de y for maior do que o de x, isto é, b > a. Assim, não poderíamos dizer que x ∈ x (x pertence a si mesmo), pois se trata de um mesmo tipo lógico e, a priori, deve se tratar de diferentes tipos. Com isso, temos que, analogamente ao paradoxo do mentiroso, ao afirmar "eu não sou possível", não estou proferindo um paradoxo, pois na verdade estou a afirmar uma proposição S de ordem n e que é falsa, digo, "há uma proposição Sn de ordem n que é afirmada, porém, é falsa", assim, toda essa proposição é dita T. Como a ordem de T deve ser maior do que a de S (para tudo isso fazer sentido), temos que Tn+1 > Sn. Ademais, se um elemento não pode pertencer a si mesmo (x não pertence/está a/em x), então a classe de todas as classes, ou o conjunto que está contido em todos os conjuntos não é possível, pois não pode estar contido em si mesmo (por ser o menor dos subconjuntos) e não contém a si mesmo (por não ter elementos).

Como o zero não possui extensão equinumérica, ou por outra, nenhum objeto cai sob este conceito, tem _ em Frege _ equivalência com o conjunto vazio, como sobre ele não recai nenhum conceito, é por definição contraditório, haja vista, a tentativa de determinação como um existente. A relação de igualdade em Frege se dar por uma relação de identidade, uma relação biunívoca entre os elementos dos conjuntos, por exemplo. Assim, poderíamos ter uma equivalência entre as proposições simples, "Marcos ama Maria" e "Maria ama Marcos" e "Maria e Marcos se amam", pois as duas proposições anteriores possuem com esta uma relação de identidade, ou melhor, se trata de um juízo analítico. Da mesma forma na aritmética (foi onde iniciou e focalizou suas investigações, ou seja, logicamente e abstratamente), onde teríamos que 3 + 5 = 8, por o signo 3 e 5 representarem a mesma coisa, isto é, 8 e isso se daria por 8 ser uma extensão daqueles dois, ou seja, há uma correspondência termo a termo entre aqueles e ele. Digo, sob ele recai o conceito de 3 + 5, assim como 4 + 4 e assim por diante. Entretanto, a partir do conceito de equinumérico a F, deduzimos da lei das extensões que 'a' pertence e não pertence a si mesmo, que é um absurdo (em termos clássicos) e para Russell apenas nosense, sequer um paradoxo.

Quinta parte

Axioma da extensão: Dois conjuntos são iguais se e só se tem os mesmos elementos.

∀A∀B (∀x (x ∈ A ↔ x  ∈ B) → A = B)

Em outros termos, para todo x, se x pertence a 'a' se e somente se x pertence a 'b', então a é igual a b. E isso se aplica a qualquer conjunto a e b. Poderíamos expressar tal axioma em termos de inclusão, teríamos que

(X ⊂ Y) & ( Y ⊂ X) → X = Y

Se X está contido em Y e Y está contido em X, então X é igual a Y. Como um conjunto por definição deve conter a si mesmo, ou seja, deve ser igual a si mesmo, teríamos que, se o conjunto vazio está contido em si mesmo, deve possuir elementos (!?). Uma vez que, a partir do axioma da extensão posso obter o da inclusão. Então, assumindo x como todos os conjuntos dessa classe e X como a coleção de todos os conjuntos possíveis, que são infinitos, temos que é válido

∃X∀x (y ⊂ x) → ∀x (y ∈ x) !?

Esse reductio ad absurdum, senão, temos que assumir o nosense de Frege, ou a solução de Russell.

Conclusão e considerações finais

O presente trabalho foi dividido em cinco partes, as quais são, respectivamente, aspectos gerais do conjunto vazio, no qual foi introduzido a terminologia ∀x: x ∉ Ø, a relação de inclusão em termos do axioma da extensão e posteriormente o axioma do vazio em termos de inclusão (ou a síntese do teorema 1 e o axioma do vazio, semelhante ao axioma da extensão em termos da relação de inclusão), apresentando, assim, o paradoxo de Russell e sua possível solução _ com adendos sobre a concepção de número para Frege _, e eliminando a possibilidade da fórmula. Na terceira parte foi assumido a impossibilidade do vazio ser um conjunto, ou seja, assumimos que a definição está simplesmente equivocada e introduzida a diferença entre contido e contém, observando a importância disso para o paradoxo de Russell. Na quarta parte foi elucidado o que é o princípio do círculo vicioso e as teorias do tipo de Russell, mostrando, resumidamente, como o axioma consistente no trabalho anterior de lógica modal implica o inconsistente _ pois subsiste em si _ e como é possível essa equivalência, deixando implícito a semelhança com a existência do conjunto vazio. Por fim, na quinta parte, foi mostrado a partir do axioma da extensão em termos de inclusão, que a fórmula obtida na segunda parte _ com as devidas ressalvas _, é válida, mesmo se assumirmos os axiomas ZFC, pois não podemos ter relação de pertencimento entre conjuntos e o conjunto vazio por definição não tem elemento. Dessarte, X foi assumido como uma classe infinita por a coleção de todos os conjuntos não poder ser membro de si mesmo, não podendo assim ser, não pode se conter (como evidenciado na última parte do trabalho).

Referências

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HALMOS, Paul. TEORIA INTUITIVA DE LOS CONJUNTOS. 8° edição. Calz De Tlalpan, México: COMPAÑÍA EDITORIAL CONTINENTAL, S. A., abril de 1973.

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Oaj Oluap
Enviado por Oaj Oluap em 21/12/2022
Reeditado em 25/01/2023
Código do texto: T7676756
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