Análise sêmio-lexical do dialeto dos homossexuais de Fortaleza

Alexandre Melo de Sousa

Universidade Federal do Acre – UFAC

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Nas últimas décadas, muitos estudos científicos têm sido desenvolvidos pondo em tela questões relacionadas às variedades lingüísticas e/ou aos níveis de linguagem. Em geral, essas pesquisas procuram mostrar as relações entre língua/sociedade e, conseqüentemente, entre língua/cultura, tendo em vista a observação dos fatores extralingüísticos que influem no fenômeno da diversidade (ou variação) de uma dada língua.

Sabe-se que dentre os componentes da língua, o léxico é o que mais reflete as mudanças e as variações lingüísticas, haja vista sua função de nomear, identificar, individualizar pessoas, lugares, ações, sentimentos, sensações etc.; e que torna o acervo lexical: a) o reflexo das transformações sócio-culturais de uma comunidade e b) uma classe aberta a criações e inovações léxicas, nos mais distintos registros.

Diz Preti (1984, p. 01): “Definida como um aspecto da própria comunidade humana, a comunidade lingüística compreende certos comportamentos constantes, eleitos pelos que falam como ideais para comunicar-se e transmitir as informações necessárias à vida em comum. Esses hábitos lingüísticos, com a força de uma convenção tácita, ligados de maneira indissolúvel ao modo de viver e encarar a vida numa sociedade, formam o que se convenciona chamar de uso”.

Contudo, em decorrência de comportamentos sociais restritos, é possível haver a criação, por alguns grupos, de uma linguagem especial que se opõe ao uso comum, verificada, especialmente, no nível léxico. Os objetivos para tais criações podem ser vários: o desejo de originalidade, um fator de auto-afirmação, uma marca identitária, a formação de um código entendido somente pelos integrantes do grupo, entre outras.

O objetivo do presente trabalho é apresentar uma análise léxico-semântica do dialeto dos homossexuais de Fortaleza – CE. Decorrente dos dados coletados, ao final, apresenta-se um glossário das palavras e expressões dessa linguagem especial, com a finalidade de ilustrar as criações e as inovações semânticas peculiares a esse grupamento humano.

1 Heterogeneidade lingüística: as variações e os níveis de linguagem

Quando Biderman (2001, p. 14) diz que “o léxico de uma língua natural pode ser identificado como o patrimônio vocabular de uma dada comunidade lingüística ao longo de sua história”, fica clara a relação estabelecida entre língua e sociedade. Como o acervo lexical é formado, usado, renovado dentro dos grupos sociais, tendo em vista suas necessidades comunicativas, a partir da análise dos itens léxicos que compõem esse acervo é possível observar o sistema de valores compartilhados pelos grupos, assim como as mudanças sociais e culturais: por isso é possível dizer que as formas lexicais são geradoras de “realidade” e “depositárias de riquíssimo potencial de informação, concernente aos valores do grupo que as criou” (BARBOSA, 2001, p. 34-35).

Assim sendo, num contexto social tão heterogêneo como o que é observado no Brasil, associado ao dinamismo inerente às línguas, de um modo geral, é perfeitamente natural que a linguagem possua como uma de suas características a heterogeneidade (ou variação) lingüística.

Essas diversidades lingüísticas – influenciadas por fatores estruturais ou sociais – podem ocorrer, segundo Mollica (2004, p. 12): “[...] nos eixos diatópico e diastrático. No primeiro, as alternâncias se expressam regionalmente, considerando-se os limites físico-geográficos; no segundo, elas se manifestam de acordo com os diferentes estratos sociais, levando-se em conta fronteiras sociais”.

Segundo Preti (2003, p. 24), as variedades diatópicas, ou geográficas, são aquelas responsáveis pelos “regionalismos, provenientes de dialetos ou falares locais”, e que conduzem à oposição linguagem urbana/linguagem rural.

Balizadas pelas linguagens urbana e rural podem, ainda, segundo o referido autor, ser verificadas outras variações motivadas seja pelo falante (ou grupo de falantes), seja pelo contexto de fala: as variações diastráticas ou socioculturais. Nesse caso, fatores como idade, sexo, nível de escolaridade, posição social serão as variantes responsáveis pela diversidade lingüística.

A variação pode, também, ser observada no uso da linguagem pelo mesmo falante. Explica Preti (2003, p. 39): “[...] ou seja, a dos níveis de fala ou registros, poderia também ser chamada de variedade estilística, no sentido de que o usuário escolhe, de acordo com a situação, um estilo que julga conveniente para transmitir seu pensamento, em certas circunstâncias. Poderíamos, então, falar em um estilo formal e um estilo coloquial ou informal, [...]”.

Neste estudo interessa mais de perto a variação diastrática, já que nosso foco está em um tipo de linguagem especial criada e utilizada por um grupo de pessoas unidas por um estilo de vida ou comportamento social comum, e que apresenta uma variedade lingüística distinta da linguagem corrente. Essa variedade é marcada ou pela criação de novos itens lexicais ou pela nova acepção semântica atribuída a itens já existentes. Dessa forma, partimos do pressuposto que o desempenho lingüístico e o comportamento social estão perenemente relacionados de forma dialética.

2 Gíria: linguagem especial

Pelo que foi exposto até aqui, podemos afirmar que na formação e no estudo de uma língua é necessário levar em consideração a influência que os aspectos sociais – seja relacionados ao usuário, seja relacionados ao ambiente – exercem sobre ela, uma vez que a língua é produto e, ao mesmo tempo, veículo das experiências sociais. Em relação às abordagens léxicas, lembra Oliveira (2001, p. 109):

De um modo geral, podemos considerar como princípio o fato de que um vocábulo é aceito como elemento da língua, a partir do momento em que ele passa a exprimir todos os valores de um determinado grupo social e, sobretudo, satisfazer suas necessidades de comunicação.

Assim, a atuação social dos falantes favorece o surgimento de alterações e acréscimos à língua resultando na ampliação lexical por meio de vocábulos e expressões na linguagem “dita” comum, ou ainda o aparecimento de linguagens especiais utilizadas, restritamente, por determinados grupos sociais: as gírias.

Quanto ao seu uso, explica Preti (1984, p. 11), as gírias podem ser divididas em dois grandes grupos: a gíria de grupo e a gíria comum: na primeira categoria estão aquelas relacionadas a “grupos sociais restritos, como por exemplo, os das organizações do crime, do tóxico e da prostituição”.

Na segunda categoria, continua o referido autor, estão as que são de uso da sociedade em geral, utilizadas como recurso de expressividade, como no caso da linguagem obscena.

No tocante ao caráter expressivo da gíria, Preti (2000a, p. 219) diz que seu uso “[...] conduz a um espírito de irreverência, de intimidade, de aproximação maior entre os interlocutores, o que vem a facilitar certas situações de comunicação. Trata-se de uma forma de aliviar a tensão conversacional e atender a nossos interesses interacionais”.

Preti (1999, p. 38) explica que o surgimento da gíria, “como fenômeno de grupo restrito” é conseqüência da dinâmica social e lingüística. Segundo o autor, são três as características inerentes à gíria: dinamismo, mudança e renovação. Em outra obra, assim Preti (2000b, p. 67) assim descreve a trajetória da gíria: “[...] perdida a sua condição de signo de grupo, elemento identificador, que faz parte do processo de auto-afirmação do falante no grupo social, a gíria se dilui na linguagem comum. A rigor, nessa etapa, na sua condição de vocabulário não marcado, a gíria poderia mesmo ser simplesmente classificada de linguagem comum”.

No caso da gíria comum, à medida que os demais níveis sociais passam a utilizá-la, embora conservando traços característicos de “inadequação”, sua relação com o eixo diastrático vai, paulatinamente, sendo perdida. Como Santos (2007, p. 08) exemplifica:

Um bom exemplo é o vocábulo presunto o qual em sua origem era uso exclusivo de pequenos grupos marginais e, atualmente, figura no léxico do senso comum. Contudo, pode-se perceber que a palavra ainda apresenta algumas restrições de uso. Soaria estranho ouvir um professor universitário dizer “o presunto vai ser velado à noite”.

3. Análise léxico-semântica do corpus

O corpus analisado no presente estudo foi levantado entre abril e setembro de 2005, a partir de entrevistas realizadas com seis homossexuais masculinos, pertencentes às classes sociais baixa e média, com faixa etária variando entre 25 e 45 anos e com níveis de escolaridade fundamental II (5ª a 8ª série) e médio. As entrevistas foram realizadas em duas boates localizadas na capital cearense, fora do horário de funcionamento. Os entrevistados eram proprietários ou funcionários dos respectivos estabelecimentos.

Como um microssistema lingüístico que tem por base a língua comum, os processos de criação lexical do vocabulário selecionado da linguagem especial dos homossexuais de Fortaleza obedecem, portanto, as mesmas possibilidades do sistema lingüístico do português brasileiro.

Nos dados coletados os processos formadores de itens léxicos mais comuns são a derivação e a composição.

3.1 Itens léxicos formados por derivação

Segundo Basílio (2004, p. 28), o processo de derivação consiste na adição de um afixo (sufixo ou prefixo) a uma base ou radical para a criação de uma palavra. Explica a autora que a “estrutura da forma derivada é a estrutura geral da adição de um afixo a uma base ou radical; a base é determinada gramatical e semanticamente pelo afixo”.

A derivação pode ser classificada como sufixal, prefixal ou parassintética. Basílio (2004, p. 28) descreve os três processos formadores nestes termos: “Na sufixação temos a estrutura [[base] sufixo]x, em que o sufixo determina a categoria lexical X da palavra resultante; na prefixação a estrutura é [prefixo [base]]x, sendo que o prefixo especifica uma alteração semântica na palavra resultante, ficando inalterada a classe X da base; e na derivação parassintética temos [prefixo [base] sufixo]x, sendo que o prefixo especifica uma alteração semântica e o sufixo determina a categoria lexical X da palavra resultante”.

Nos dados coletados, o processo de formação menos produtivo foi o prefixal. Apareceram apenas as seguintes ocorrências: destrucar, desaqüendar, plus-megamulher e trilouca.

O processo de formação sufixal foi o mais recorrente na língua especial em análise. Foram encontradas:

bafônica

baratismo

belelésimo

boquete

cobríssima

diaguelefe

finérrima

machuda

margiclin

mulheríssima

palcosa

paródica

rasgação

trucada

trucosa

3.2 Itens léxicos formados por composição

De acordo com Rocha (1999, p. 187), a composição é um processo de formação de palavras autônomo em português, “juntando-se duas bases preexistentes na língua, o falante pode criar um novo vocábulo, dito composto”.

Os itens léxicos compostos possuem um caráter sintático subordinativo ou coordenativo. Essa relação sintática pode ser estabelecida através de um sintagma – nesse caso, tem-se uma composição sintagmática. Segundo Pontes (1996, p. 203): “A passagem do sintagma, que é um agrupamento sintático, do discurso para o domínio lexical, resulta, em parte, da freqüência e do uso do sintagma e, consequentemente, de sua memorização pelos usuários”.

As formações sintagmáticas, de acordo com Alves (2001, p. 28) podem ser representadas, formalmente, por diferentes estruturas. Normalmente, complementa a autora, “essas formações são constituídas por um substantivo determinado, que corresponde a um conceito genérico e é especificado por um adjetivo determinante”.

No corpus, as formações sintagmáticas apresentam três tipos estruturais:

a) substantivo [determinado] + adjetivo [determinante]:

bicha bafóm

bicha cobra

bicha margiclin

bicha póc-póc

mona bafônica

mona paródica

mona 0800

b) substantivo [determinado] + contração + substantivo [determinante]:

diague da cebola

diague da Elza

diague da esquina

diague da Neuza

diague do banheirão

diague do capitão

diague do cogumelo

diague do truque

diague do véu-de-noiva

c) fazer + complemento:

fazer a Elza

fazer a linha

fazer o babado

fazer o baratismo

fazer o boquete

fazer o cunete

fazer o truque

3.3 Aspectos semânticos

Uma das principais características das línguas especiais é a inclusão, em seu vocabulário, de empréstimos, que podem ser originários de línguas estrangeiras ou do mesmo sistema lingüístico a que pertence. Segundo Dubois (1990, p. 209), há empréstimo lingüístico “quando um falar A usa e acaba por integrar uma unidade ou um traço lingüístico que existia precedentemente num falar B e que A não possuía”.

No caso da língua especial em estudo aparecem os dois tipos de empréstimos referidos anteriormente: originários de línguas estrangeiras, especialmente, africana – por influência das religiões afro-brasileiras (Umbanda e Candomblé); e empréstimos advindos da língua corrente – empréstimos internos, gerados a partir de metáforas.

3.3.1 empréstimos originários da língua africana (yorubá):

aliban (policial)

aqué (dinheiro)

edi (nádegas)

obó (vagina)

odara (bom, bonito)

okó (homem ou pênis)

3.3.2 empréstimos originários da língua corrente (restrição de sentido e metáfora);

3.3.2.1 restrição de sentido

De acordo com Bréal (1992, p. 53), “as línguas são condenadas a perpétua falta de proporção entre a palavra e a coisa. A expressão é tanto demasiado ampla, quanto demasiado restrita”. Quanto aos dados coletados, alguns itens léxicos perdem semas, restringindo assim seus sentidos. Vejam-se os exemplos em que se conservam o sema /+ feminino/, mas substituem o sema /+ mulher/ por /+ homossexual masculino/:

Bonita

Ela

Fia (filha)

Gata

Linda

Senhora

3.3.2.2 metáfora

Para Bréal (1992, p. 91), “a metáfora muda instantaneamente o sentido das palavras, cria expressões novas de um modo súbito. A visão de similitude entre dois objetos, dois atos, a faz nascer”.

No corpus, as metáforas constituem-se, basicamente, de adjetivos e expressões.

a) que age ou reage como:

bicha cobra

bicha margiclin (marginal)

fazer o capitão

ficar cega

pegação

senhora

b) que possui características de:

bicha cangalha

cafuçu

cafuçu do bem

cafuçu do mal

carão

diague da esquina

diague da multa

diague do véu-de-noiva

linda

machuda

mona 0800

montada

o ó

palcosa

racha (rachada)

trucada

c) provoca os mesmos efeitos que:

abalar Bangu

dar o close

fazer o truque

linha o ó

linha torta

parar de palco

4 Glossário

A

ABALAR BANGU – expressão usada para indicar que o homossexual (ou a atitude dele diante de determinada situação) vai chamar atenção.

Quando eu chegar lá, vou abalar Bangu!

ALIBAM – policial

E aí chegaram os alibans e prenderam a bicha.

AQÜÉ – dinheiro

Para sair com aquele boy tem que ter muito aqüé.

AQÜENDAR – esconder

Aqüenda o dinheiro, senão vai ser o diague da multa.

B

BAFON – homossexual (ou situação) desagradável.

Pense numa bicha bafon!

BARATISMO – escândalo

Ela começou com o batismo dela, aí, foi o jeito chamar os alibans.

BARRACO – v. baratismo

É a cara dela... ela sempre apronta um baratismo aonde chega.

BICHA – 1. homossexual masculino. 2. forma de tratamento.

Bicha, a senhora está belíssima!

BICHA 0800 – homossexual que sai com qualquer um (fácil).

Ela é uma bicha 0800 mesmo: ela sai com um cara até por um cigarro!

BICHA BAFÓN – v. bafon.

Que bicha bafon! Bicha, te orienta, viado!

BICHA COBRA – homossexual traiçoeiro.

Nesse meio tem muita bicha cobra, sabe! A gente tem que tomar cuidado com elas!

BICHA MARGICLIN – homossexual criminoso.

E as bichas margiclins! São perigosíssimas! Aqui na Boate tá cheinho delas.

BICHA PÓC-PÓC – homossexual brega.

Ave Maria, e quando vem pra se apresentar umas bichas póc-póc! Faz vergonha até pra gente que é dona.

BOA – grande (relacionado ao pênis).

Ele começou a tirar a roupa no palco... as bichas ficaram cegas. Tinha uma neca boa, hum!

BOFE – heterossexual do sexo masculino.

Se aparece um bofe, ela já fica plus-megamulher.

BONITA – forma de tratamento entre os homossexuais.

E aí, bonita! Tá boa?

BOQUETE – sexo oral (no pênis)

Os bofes, muitas vezes, querem fazer boquete na gente.

BOY – v. bofe.

Os boys que aparecem por aqui só querem aqüé das bichas.

BRINCA – ruga anal.

Ela é tão 0800 que tá cheia de brincas.

C

CAFUÇU – heterossexual masculino do tipo machão, rústico.

O cafuçu que andava com ela era do baratismo.

CAFUÇU DO BEM – v. cafuçu, carinhoso, simpático.

Ontem eu saí com um cafuçu do bem... foi tudo!

CAFUÇU DO MAL – v. cafuçu, grosseiro, violento.

Ele era um tremendo cafuçu do mal. Deixou a bicha toda roxa de uma surra.

CANGALHA – homossexual que não tem caráter.

Nem fale com ela, vixe, ela é uma bichinha cangalha.

CARÃO – rosto bonito ou bem maquiado.

Ela tem um carão, bem andrógena, sabe? Quando sobe no palco, as bichas da platéia ficam cegas.

CHECAR – defecar durante o sexo anal.

Eu nunca chequei um boy, mas se eu checasse, eu saia numa boa... linda!

CHUCA – asseio que se faz no ânus antes do sexo.

Pra não checar, é só fazer a chuca direitinho.

COBRA – v. bicha cobra.

Ela é cobra... Aliás, cobríssima!

COLETEIRO – homossexual que é afeito a fofocas, ou curioso.

A gente prepara o show no segredo, mas aparecem umas bichas coleteiras que estragam tudo.

COLOCADO – embriagado ou drogado.

Tem deles que já chegam colocados querendo quebrar tudo, fazendo baratismo.

D

DAR CLOSE – chamar a atenção.

Quando elas saem do palco, ficam andando pela boate, com as roupas do show, só dando close.

DESAQÜENDAR – fazer aparecer.

A gente pede logo o boy pra desaqüendar logo a neca, se for boa, e ele tiver carão, a gente contrata como go-go-boy.

DESTRUCAR – desfazer o truque, desmontar-se.

O certo é quando descer do palco, ir logo se destrucando.

DIAGUE – aquilo (ou aquele) que é ruim.

Ir para lugares diague é o ó. A gente fica toda errada. Tá entendendo?

DIAGUE DA CEBOLA – pênis sujo, mal cheiroso.

Se o bofe tem o diague da cebola, eu desisto logo. Mando ele embora e tudo!

DIAGUE DA ELZA – roubo, furto.

Aqui, de vez em quando, tem o diague da Elza. Mas quando eu descubro, mando logo embora, ponho no olho da rua.

DIAGUE DA ESQUINA – pênis torto.

Só tem um probleminha, não pode ficar duro porque tem o diague da esquina.

DIAGUE DA NEUZA – descontrolado.

O boy deu na cara dela, aí ela ficou diague da Neuza.

DIAGUE DO BANHEIRÃO – procurar sexo nos banheiros públicos.

Essas bichas bafons que ficam só no diague do banheirão são as piores. Devem ser até doentes, sei lá.

DIAGUE DO CAPITÃO – pegar (apalpar) o pênis de um homem.

Só pelo diague do capitão a gente sabe se a neca é boa.

DIAGUE DO COGUMELO – pênis que tem a glande exagerada.

Quando ele tem a diague do cogumelo, arrebenta o nosso edi.

DIAGUE DO TRUQUE – montar-se para o show, inclusive, escondendo o pênis por entre as pernas.

Quando a gente faz o diague do truque, ninguém vê a neca.

DIAGUE DO VÉU-DE-NOIVA – v. diague da cebola.

Diague da cebola ou diague do véu-de-noiva é a mesma coisa, os dois são imundos.

DIAGUELEFE – v. diague.

Minha casa sempre foi diaguelefe. Escondia do meu pai minhas roupas de mulher e me montava na casa de uma amiga trava.

DRAG (-QUEEM) – transformista que faz humor.

Hoje em dia as drags estão abalando Bangu. Aqui a gente sempre traz umas.

E

EDI – anus.

A bicha chegou com o edi todo cheio de brincas. Horrível mesmo... só vendo!

ELA – referência à bicha.

Ela é tão pintosa.

ENTENDIDO – 1. homossexuais, geralmente, não declarados. 2. garotos-de-programa.

Ele é entendido, mas cobra caríssimo pela noitada.

EQUÊ – mentira.

Eles vêm chegando, cheios de equês, aí elas caem direitinho... iludidas.

ERÊ – menor de idade.

Sair com erê é problema na certa. Tem umas bichas que saem.

F

FAZER A ELZA – roubar.

Se a gente deixa eles sozinhos um instante, eles fazem a Elza.

FAZER A LINHA – 1. adotar um esteriótipo. 2. programar um encontro amoroso.

Hoje eu vou fazer a linha michê. Tá, meu bem!

FAZER O BABADO – transar.

Hoje em dia, pra eu fazer o babado, tenho que conhecer o boy.

FAZER O BARATISMO – v. baratismo.

Eu aviso logo que não faça baratismo dentro da boate.

FAZER O BOQUETE – v. boquete.

Pra fazer um boquete, a neca tem que tá muito limpa. Aliás, é melhor usar camisinha.

FAZER O CAPITÃO – v. diague do capitão.

Tem bofe que não aceita nem que faça o capitão. São uns cafuçus do mal. Vem logo com ignorância.

FAZER O CUNETE – sexo oral no anus.

Quer ver eu ficar louca, é só o boy fazer um cunete em mim.

FAZER O TRUQUE – v. diague do truque.

Tem que fazer o truque bem feito, senão a neca fica aparecendo.

FIA (FILHA) – v. bonita.

Fia, pega ali as fotos pra mostrar pra ele.

FICAR A NEUZA – descontrolar-se.

Eu fiquei a Neuza quando ele me cobrou pelo boquete. Um boquete o ó.

FICAR CEGA – v. ficar a Neuza.

Se os go-go boys não tirarem as roupas, elas ficam cegas!

G

GATA – v. bonita.

Aí eu digo: Gata, a senhora quer fazer o favor de retirar-se.

GAY – homossexual.

Pra ser gay, querido, tem que ser muito homem.

GO-GO-BOY – rapaz que trabalha como dançarino ou stripper em boates.

Chegou um go-go-boy escândalo ontem.

J

JOGAR O CANECALON – montar-se.

Quando ela joga o canacalon e sobe no palco, eu fico toda arrepiada.

L

LINDA – v. bonita.

Linda, que cara é essa! Só no carão.

LINHA – v. fazer a linha.

A linha de ontem à noite foi escândalo!

LINHA TORTA – fazer algo de ruim.

Não admito que bicha nenhuma venha com linha torta pra mim.

M

MACHUDA – homossexual feminino que se veste ou se comporta como homem.

As machudas são as que brigam mais aqui. Pra apartar é fogo!

MICHÊ – garoto-de-programa ou aquele que vive sustentado por um homossexual masculino.

Os michês cobram o programa de acordo com o que você quer que eles faça: ativo, passivo ou os dois.

MONA – v. bonita.

Mona paródica, dá mais pinta, bonita!

MONA 0800 – v. bicha 0800.

Pra uma mona 0800 é fácil. Elas topam tudo mesmo.

MONA BAFÔNICA – homossexual que é afeito a dar escândalo.

Ah! Que mona bafônica. Deixa que eu ponho ela pra correr já-já.

MONA PARÓDICA – homossexual que, quando chega, consegue chamar a atenção de todo mundo pela beleza e simpatia.

Olha, essa é a nossa mona paródica. Diga se ela não pára tudo mesmo!

MONTADA – homossexual vestido de mulher.

Tem que vir montada no dia das Top Drags. Tem que dar pinta, gata!

N

NECA – pênis.

A neca dele é odara.

O

O Ó – situação (ou pessoa) que não presta.

Agora foi o ó. Ele pegou a bicha com outro na cama.

OBÓ – vagina.

Já teve veado que saiu daqui pra se operar, botar um obó. Eu não tenho coragem.

OCÓ – homem.

Onde tem ocó, pode ir atrás que ela tá lá.

ODARA – pênis avantajado.

Se a neca for odara, aí a multa é alta, linda!

P

PALCOSA – v. mona bafônica.

Ela é palcosa mesmo. Ela chegou, o barraco já está armado.

PARAR DE PALCO – parar de dar escândalo ou de chamar a atenção.

Mona, pára de palco!

PARÓDICA – v. mona paródica.

Ela é paródica mesmo! É mulheríssima!

PASSAR UM CHEQUE – v. cheque.

Se eu tiver passado um cheque, nunca vou dizer... não tô louca!

PEGAÇÃO – v. diague do capitão.

No banheiro aqui da boate, rola umas pegações. É cada odara!

PINTOSO – homossexual afetado.

Ei pintosa, paga aí esses vestidos pra eles verem como são babados!

PLUS-MEGA-MULHER – homossexual que possui feições muito femininas.

Tá meu amor! Ela é uma plus-mega-mulher! Só faltou nascer com obó.

R

RACHA (RACHADA) – mulher.

Onde tem racha, bicha não tem vez? Isso é o que dizem...

RASGAÇÃO – v. baratismo.

É uma rasgação total. E quando tem boy na história... é pior.

S

SAPA – homossexual feminino.

Tem umas sapas belíssimas. Eu não sou chegada no negócio, mas tenho que reconhecer.

SENHORA – v. bonita.

A senhora tá louca, bicha.

SUZANA – cocaína.

Elas vivem com a Suzana na bolsa.

SUZANADA – que está sob efeito da cocaína.

Suzanadas, parece que elas dão um show mais soltas, corajosas.

T

TRAVA – homossexual que adota a identidade feminina permanentemente.

As travas são um show a parte. Quando elas querem... ficam lindíssimas. Basta ter aqüé.

TRAVECÃO – travesti muito feio.

Elas botam uns silicones em casa mesmo. Ficam um travecão; um travesti misturado com o cão.

TRUCADA – v. diague do truque.

Trucada é outra coisa. Mas quando destruca... aí tem boy que sai correndo.

TRUCOSA – v. diague do truque.

Acontece que uma mona trucosa fica mais mulher. Já imaginou, a bicha sentando e aparecendo a neca?

TRUQUE – v. diague do truque.

Pra fazer o truque tem que ter uma amiga pra puxar a neca para traz e colocar o emplasto. Se fizer só com a calcinha é capaz de cair.

V

VEADO – v. bicha.

Veado, você não está me escutando... traz logo essas fotos que eles já estão indo embora.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Frente ao exposto, constata-se que, no que se refere aos processos de formação de palavras, a composição sintagmática é mais produtivo na língua especial analisada. Já em relação aos processos de mudança de sentido, predomina a metáfora.

Quanto ao glossário e sua representatividade, embora não seja um corpus exaustivo, acredita-se que o número de termos é significante para descrever o dialeto dos homossexuais, uma vez que os itens, bem como seus significados, foram confirmados pelos informantes.

Por fim, a pesquisa, num âmbito geral, comprova que a forma de comportamento lingüístico muda com rapidez quando muda a posição social do falante; e que, um grupo social unido por um estilo de vida, como é o caso do grupo que foi selecionado, possui características lingüísticas peculiares em seu dialeto.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Ieda maria. Neologia e tectnoletos. In: OLIVEIRA, Ana Maria Pinto Pires de; ISQUERDO, Aparecida Negri. (orgs.). As ciências do léxico: lexicologia, lexicografia, terminologia. Campo Grande, MS: Ed. UFMS, 2001. p. 25-31.

BARBOSA, Maria Aparecida. Da neologia à neologia na literatura. In: OLIVEIRA, Ana Maria Pinto Pires de; ISQUERDO, Aparecida Negri. (orgs.). As ciências do léxico: lexicologia, lexicografia, terminologia. Campo Grande, MS: Ed. UFMS, 2001. p. 33-51.

BASÍLIO, Margarida. Formação e classes de palavras no português do Brasil. São Paulo: Contexto, 2004. 95p.

BIDERMAN, Maria Tereza Camargo. As ciências do léxico. In: OLIVEIRA, Ana Maria Pinto Pires de; ISQUERDO, Aparecida Negri. (orgs.). As ciências do léxico: lexicologia, lexicografia, terminologia. Campo Grande, MS: Ed. UFMS, 2001. p. 13-22.

MOLLICA, Maria Cecília. Fundamentação teórica: conceituação e delimitação. In: MOLLICA, Maria Cecília; BRAGA, Maria Luiza (orgs.). Introdução à sociolingüística: o tratamento da variação. São Paulo: Contexto, 2004. p. 09-14.

OLIVEIRA, Ana Maria Pinto Pires de. Regionalismos brasileiros: a questão da distribuição geográfica. In: OLIVEIRA, Ana Maria Pinto Pires de; ISQUERDO, Aparecida Negri. (orgs.). As ciências do léxico: lexicologia, lexicografia, terminologia. Campo Grande, MS: Ed. UFMS, 2001. p. 109-115.

PONTES, Antônio Luciano. Os termos da cultura e industrialização do caju. Assis: UNESP, 1996. (Tese de Doutorado).

PRETI, Dino. A gíria e outros temas. São Paulo: T. A. Queiroz, 1984. 126p.

PRETI, Dino. Gíria: um capítulo da história social da linguagem. In: BARROS, K. de. (org.). Produção textual – interação, processamento, variação. Natal: EDUFRN, 1999. p. 37-44.

PRETI, Dino. Transformações do fenômeno sociolingüístico da gíria. In: Revista da ANPOLL, n. 09, 2000a, p. 213-226.

PRETI, Dino. Dicionários de gíria. In: ALFA, n. 44, 2000b, p. 57-73.

PRETI, Dino. Sociolingüística: os níveis de fala. São Paulo: EDUSP, 2003. 174p.

ROCHA, Luiz Carlos de Assis. Estruturas morfológicas do português. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999. 248p.

SANTOS, Cézar Augusto dos. Perspectivas de delimitação da gíria no português brasileiro e sua marcação nos dicionários. In: Revista voz das letras. n. 06. Santa Catarina: Universidade do Contestado, 2007. Disponível em: http://www.nead.uncnet.br/2007/revistas/letras/index.php. Acesso em 16/11/2007.