O choque da fome

O choque da fome

Autora: Vaneide Damasceno Cunha Arantes

RESUMO: Parte da aprendizagem adquirida é relacionada às imagens. Os momentos gravados em flash fazem idéias nascerem, os signos crescem e o virtual torna-se real; a semiose revela o signo e fustiga o interpretante. A coisa ganha assinatura de quem a produziu. Grupos humanos sempre recorreram a modos de expressão, de manifestação de sentido de comunicação via rituais e de linguagem, para viverem em sociedade com harmonia. O que fazer diante erro dessa sociedade?

Palavras-chave: Imagem; Fome; Fotografia; Semiótica.

Esta análise propõe uma reflexão, baseada em alguns fundamentos teóricos estudados, sobre as relações de significações contidas na logomarca da Campanha Publicitária da Fome Zero, duas fotografias e uma charge.

Campanha Publicitária da Fome Zero

A cada dia os índices registrados são maiores de seres humanos que vivem em total abandono, sem alimentação, sem água tratada, sem saúde... Criança morrer de fome e sede no Brasil tornou-se uma ocorrência corriqueira, já não causa espanto. As estatísticas são estarrecedoras a ponto de macular a imagem de um país que dispõe de um dos mais ricos solos na face da terra. Preocupado com esses dados, o Presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva lançou a Campanha da Fome Zero, onde as pessoas poderão ajudar as camadas mais necessitadas, aqueles agrupamentos de pessoas que não têm nem o mínimo para a sua sobrevivência.

A Campanha da Fome Zero circula em toda a mídia, sempre com as mesmas cores e a mesma mensagem escrita. Tem como objetivo motivar um engajamento amplo do povo brasileiro na luta contra a fome no Brasil, resgatar a cidadania política, social e financeira desse mesmo povo e, com isso, abrir horizontes para um desenvolvimento amplo e irrestrito, onde ninguém fique às margens da riqueza que o País dispõe.

Em análise a campanha nos mostra uma foto, onde a mesa é quadrada e verde, com um forro amarelo em formato de losango, o prato azul bem ao centro, dois talheres que, refletidos, aparecem brancos e abaixo a mensagem : FOME ZERO. Há o texto constituído por palavras que acompanham a fotografia. “Assim, embora não haja fotografia jornalística sem comentário escrito, a análise deve focalizar, em primeiro lugar cada estrutura isolada; somente após ter-se esgotado o estudo de cada estrutura é que se poderá compreender a maneira como as estruturas se completam.” (Barthes,1990:12)

Mas, toda arte imitativa comporta duas mensagens, segundo Barthes (1990): a denotada (o próprio analogon) e a conotada(que é a maneira pela qual a sociedade oferece à leitura, dentro de uma certa medida, o que ela pensa). Então, se esta campanha circulasse em outro país, por exemplo, Argentina (com o objetivo de ajudar a Argentina), usando as mesmas cores não teria o mesmo impacto que acontece no Brasil. Entretanto, se a mesma campanha circulasse na Argentina, usando as cores da bandeira do país e algumas mudanças no formato a mensagem fotográfica seria mais completa.

Por isso, os procedimentos de conotação dentro de uma fotografia jornalística são elaborados nos diferentes níveis de produção (trucagem, pose, objeto, fotogenia, estetismo e sintaxe), tudo para mostrar que “o homem moderno projeta na leitura da fotografia sentimentos e valores caracteriais, ou “eternos”. (BARTHES,1990:21)

fotoA foto B

Estas duas fotografias foram selecionadas para ilustrarem a Campanha da Fome Zero, que (quem sabe?) foi devido a registros como estes que se conscientizaram de que nem todo homem vive em um paraíso; de que é necessário se fazer algo para que essas cenas não se tornem comuns. São fotos que circulam em vários meios de comunicação e, fazendo uma leitura do que se vê, nota-se uma criança (foto A), que não está só, mas que sofre com a fome que a abate. Na verdade mãe e filho sofrem juntos, pois a criança suga o peito da mãe que aparece totalmente sem conter uma gota de leite. O sugar da criança, demonstra ser em vão pela saliência em seu rosto e em todo seu corpo.

Na foto A, há o texto escrito (corta todo o centro da foto) em vermelho e com fundo amarelo, cores que chamam atenção: “Não existe nada mais radical do que a fome”. Aqui, “a imagem já não vem esclarecer ou realizar a palavra; é a palavra que vem sublimar, patetizar ou racionalizar a imagem.”(BARTHES,1990:20)

Observando a foto B, que também circula em vários meios de comunicação, vemos uma criança fraca, se não está morta; está quase morta, pois um urubu a observa. A imagem remete-nos à fome, à miséria, à solidão. O leitor desenvolve, subjetivamente, uma empatia, um sentir pena, porém, no plano social, se distancia, justificando a cena com outras realidades.

Em ambas as fotos há o trauma, e quanto mais direto ele for mais difícil a conotação. Pois, segundo Barthes, se existe mesmo uma mensagem denotada podemos encontrá-la nas imagens traumáticas. “As fotos traumáticas são raras, pois na fotografia o trauma é, na verdade, a conseqüência da certeza de que a cena realmente aconteceu: o fotógrafo tinha que estar lá...é aquela de que nada se tem a dizer: a foto-choque.” (BARTHES,1990:24)

Se a mensagem é conotada, podemos observar a expressão e o conteúdo. A imagem no nível do plano de expressão tem, como falamos, apenas dois elementos: em A (a criança e a mãe) e em B (a criança e a ave). Porém, esses elementos, cada um deles, são fortes em si mesmos, revelam um lado de uma realidade vivida por aqueles que foram deixados a margem da corrida desenvolvimentista. Estão em abandono. É devido a cenas como estas, registradas pelos fotógrafos, que se criam campanhas como a atual FOME ZERO, desenvolvida pelo Governo Lula. Imagens registradas pelo olhar de alguém através de uma máquina fotográfica.

De acordo com Barthes (1990), “a fotografia se desenvolve sob a forma de um paradoxo: aquele que faz de um objeto inerte uma linguagem e que transforma a incultura de uma arte “mecânica” na mais social das instituições.”

Ao observar a charge, nota-se que é uma crítica à campanha FOME ZERO, lançada pelo Governo Lula. Há o desenho do presidente falando com duas crianças e a mãe deles. Na charge é passado o objetivo da campanha (fala do presidente) ao afirmar que a fome que a família sente, acabará. E esta família, todos magros e em local de rara vegetação, demonstra a crítica à campanha, através das falas das crianças, demonstrando aí um suposto canibalismo.

Nesta charge, o estilo verista do autor é observado como próprio signo da objetividade – a crítica. O humor aqui alcançado através do desenho nos passa toda uma relação de sentido carregado de elementos ideológicos. Conforme Bakhtin (1992), “o homem vive ladeado de signos para representar tudo o que quer; interpreta os signos naturais para entender os fenômenos da natureza e, acima de tudo, convenciona-os com a finalidade de perpetuar a consciência humana.”

Na filosofia de Pierce, a tríade tradicional da mente humana corresponde às três categorias que podemos aqui representar pelo presente artigo: primeiridade = considera o acaso, a experiência imediata, no caso aqui, as fotos-choque da fome; secundidade = que considera a existência, na reação imediata, seria, então a Campanha Fome Zero; por último, terceiridade = que considera a lei, o pensamento, registrado no presente artigo através da charge. Cada elemento é portador de um significado, porém, a conclusão só é possível dentro do contexto da imagem, em que estabelecemos a relação dos conteúdos inerentes às unidades. Não se trata de uma soma de valores, mas de uma inter-relação de forças significadoras.

Conhecemos e reconhecemos a fome, doença, miséria, morte, assim como reconhecemos as características da ave. Compreendemos a sua significação dentro da Natureza. As imagens reconhecidas nas fotos-choque são agressivas, pontiagudas e nos fere de pronto. Dessa maneira é que o significado, o conotado, é aprendido de forma rápida, contundente. E isso nos conturba de imediato. É quando a imagem fotográfica tem, então, todo o significado do mundo; é quando a imagem passa a ser princípio motivador de uma atitude iminente em busca de uma solução imediata, pois a “a fome não espera”

A charge procura quebrar o impacto do fracasso que está sendo a Campanha da FOME ZERO, lançada pelo Governo Lula e, ao mesmo tempo, estimula a fantasia do observador para criticar e rir. As imagens são aparentemente silenciosas, no entanto, nos provocam e nos conduzem a uma infinidade de discursos em torno delas. O hilário que emoldura a charge é capaz de nos remeter a uma reavaliação da nossa responsabilidade, e do cumprimento dos deveres daqueles que detêm o poder de fazer algo para melhorar a vida dos menos favorecidos, que vivem dentro de um contexto maior – a sociedade – da qual somos parte integrante.

Portanto, a relação de causa e efeito entre a existência da foto e da pessoa, em parte pelo contexto e em parte por fatores com relações de espaço/tempo e a sintonia entre os locutores, determina assim, leituras diferentes.

Bibliografia

BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 1992.

BARTHES, Roland. O óbvio e o obtuso. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.

NÖTH, Winfried. Panorama da Semiótica: de Platão a Peirce. São Paulo: Annablume, 2003.

Internet: (foto fome)www.google.com

Vaneide Arantes
Enviado por Vaneide Arantes em 10/12/2007
Código do texto: T772336
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