INTOXICAÇÃO DE GENTE

Nos últimos tempos tenho sido assaltado por uma dúvida cruel.

Quis o destino que eu desenvolvesse um grave problema de saúde, hoje sob controle, e como nem tudo pode ser tão ruim, meu infortúnio serviu para descobrir que grande parte daqueles que eu tinha como amigos e os cultuava como tal, eram mágicos.

Sem mais nem menos descobri que eram mestres na arte de desaparecer. E por mais que eu tentasse, não consegui fazê-los reaparecer, pois não sou afeto a truques sub-reptícios.

Esses tipos nós podemos chamar de amigos instrumentais. Nós, e me perdoem a expressão em terceira pessoa, de boa fé, descobrimos que eles não cultuam amizades autênticas. Só interesses. Para eles o que mais importa é estar ligado em algum tipo de messenger, pois ficar frente a frente já é quase desnecessário.

Afinal de contas os messenger da vida nos torna dedorrágicos – falamos pelos dedos – e ficamos muito mais corajosos do que quando romanticamente brigávamos com outros por telefone hoje quase sem identidade, pois afinal, agora ninguém mais sente as oscilações reveladoras da nossa voz.

Hoje em dia ficar frente a frente está ficando desnecessário.

Outro dia li um artigo no qual estava omitido o autor, achei espetacular ele estar definindo que era crescente o número de “gente que se sente intoxicada de gente” e vai daí que cada um inventa um tipo de fuga do tipo amor com prazo de validade, ficando, em um relacionamento faz-de-conta.

E eu, ao ler aquele artigo que não consegui descobrir o autor, mas de tudo que me lembro ele falou sobre amizade.

Imediatamente me lembrei da extraordinária sensação de carinho ao receber no peito o impacto das patas dos meus cachorros quando vieram ao meu encontro depois de uma temporada hospitalizado, festejando a minha chegada lambendo meu rosto e minhas mãos, abanando a cauda e latindo alucinados de alegria como que criticando as minhas inexplicáveis ausências, enquanto os amigos do relacionamento faz-de-conta não conseguem arrumar nada mais que um bichinho eletrônico, frio e recarregável, pois ao acabar a bateria pode ter o lixo como destino.

Lembro-me do velho adágio que um professor nos falava a cada dia de aula: “hoje é o primeiro dia do resto da minha vida.”

O ditado pode até estar meio desgastado, mas para mim é mais atual do que nunca, pois aqueles que o pronunciam ao acaso pouco sabem da sua grandeza, o que não o torna menos verdadeiro.

É tempo de levar em consideração os erros cometidos e aproveitar os acertos. Terei que recomeçar a minha própria história, aplicando o que aprendi durante este tempo, a partir do primeiro passo na calçada além do jardim do hospital.

Estou concluindo que saindo dali mesmo sem ter um certificado de garantia da vida, todos os meus sentidos estão mais apurados.

Tenho tempo para reavaliar tudo o que me for permitido, junto com aqueles que me amam, que com o que aconteceu só me enriqueceram de estímulos em direção à vida e continuarão enriquecendo cada minuto que eu viver, desprovido de outra ambição que não seja o amor fraterno.

Não devemos aceitar que amizade está em declínio.

A vida é democrática. Podemos escolher entre correr o risco de ter gente por perto, ou morrer de solidão.

Nilton Salvador
Enviado por Nilton Salvador em 16/12/2007
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