III Parte: A Divindade do Suicida

A Divindade do Suicida

Martin Heidegger diz que o suicídio rouba o sentido da morte. Quer dizer que a morte tem um sentido? Existir pedras em um universo terá também algum sentido? Mas não é justamente a morte que rouba todo e qualquer sentido belo, consistente e forte da Vida? Não é justamente existir a morte que nos faz ver o quanto a existência e a vida são tão fúteis, ridículas e absurdas? A morte é quem esmaga e aniquila todo e qualquer sentido consistente e irrefutável da Existência.

Introduzir uma lógica para a morte não muda o fato de que morreremos. Introduzir belezas conceituais e dogmáticas para se querer continuar amando a vida não muda o fato de que morreremos. Tudo não passa de métodos ideológicos de consolos e consolações. Qual é o sentido de existir a morte? E se há um ser ou uma força superior por trás da autoria da existência, por que ele optou em criar a morte e inseri-la em todos os seres existentes?

Só havia esta opção? Como poderemos saber?

Sendo a morte o oposto por completo da vida, como a morte pode dar sentido a vida?

A morte não dá nenhum sentido à vida, a minha vida, a sua vida; mas é o medo e o horror da morte, da minha morte, da sua morte, que nos leva a querer aproveitar cada instante de se estar vivo. É minha consciência que me revela que vou morrer, gerando assim o meu medo e o meu horror diante desta revelação, que me compele a construir sentidos para a vida, para a minha vida, para a sua vida. A morte não nos dá sentido de nada, não nos ensina nada, não nos revela nada. Quem me ensina algo, quem me revela algo, e constrói algum sentido para a vida é a consciência de minha existência, e a de que estamos vivos. Neste ponto, o próprio ser é quem é o sentido de sua própria existência, e de sua vida.

Heidegger condena o suicídio por supor que há um sentido para a morte, sentido este que em si não existe, e não existindo em si, leva o filósofo a introduzir um sentido para a morte criado pela sua consciência interpretativa, e pela sua idiossincrasia.

O suicídio é um ato que necessita de uma ação, e toda ação necessita de um autor ou de um agente causador para ser efetivada, para se tornar um ato. Esperar pela morte é um ato de passividade, onde o indivíduo entrega completamente o ato de extinção da vida para as mãos da morte.

O suicídio é um ato onde o individuo desperta e sai da passividade, e se torna o sujeito/autor/ativo da ação e do ato a ser concretizado.

O Deus anunciado dos judeus e de todas as civilizações humanas em todos os períodos da humanidade nunca existiu, contudo eu existo, e tenho consciência de minha existência, e das coisas ao meu redor, por tanto eu sou Deus porque Eu próprio sou o sentido de minha existência.

O suicida se torna Deus, porque ele afirma inteiramente a sua própria liberdade ao se tornar autor e consumador de sua aniquilação, aniquilação esta produzida pela minha inteira liberdade e vontade, e somente “um Deus” tem plena liberdade.

E o que é ser Deus, segundo a história mística da humanidade? Ser Deus é fazer tudo aquilo que se quer, na hora que ser quer, e da forma que se quer. O suicídio consciente expressa justamente isso. Ser Deus é ser inteiramente livre para si, e para se obter tudo o quanto a própria vontade deseja. O suicida se torna Deus, porque ele afirma, confirma e ativa a plenitude de seu arbítrio, arbítrio este que somente “um Deus” poderia possuir.

Gilliard Alves

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 16/12/2007
Código do texto: T780581
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