O ADPF 779 E A Inconstitucionalidade Da Legima Defesa Da Honra

Eric do Vale

De forma unânime, o Supremo Tribunal Federal reconheceu, no dia 4 de agosto de 2022, a inconstitucionalidade da “Legítima Defesa Da Honra" por meio da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental número 779. Esse tipo de argumento, na concepção dos ministros do STF, viola os preceitos da dignidade da pessoa humana, sendo esse um dos preceitos fundamentais na República Federativa do Brasil, previsto no artigo 1°, inciso III, da Constituição Federal;.

O o caput do artigo 5°, da CF, afirma o seguinte: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.". Permitindo com que homens e mulheres são detetores dos mesmos direitos e obrigações, como pode ser observado no inciso I desse mesmo artigo.

Desde já, é preciso entender que a Legítima Defesa Da Honra, não condiz com a Legítima Defesa, prevista no artigo 25 do Código Penal, pois essa última está vinculada a excludente de ilicitude, como observa o caput desse artigo: "Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. ".

Enquanto a Legítima Defesa Da Honra além de não estar prevista em nenhuma legislação, foi um termo utilizado, durante muito tempo, para justificar ações de violência doméstica e feminicídio.

Nessas circunstâncias, a "Legítima Defesa Da Honra" não se trata, de uma forma técnica, da Legítima Defesa propriamente dita, em virtude do seu desvalor residente no âmbito ético e moral. Inexistindo, desse modo, direito subjetivo de agir com violência, como pode ser observado na primeira parte do ADPF 779. E que também determina o seguinte: "Quem pratica o feminicídio ou usa de violência como justificativa de se reprimir um adultério não está a se defender, mas a atacar uma mulher de forma desproporcional, criminosa e covarde. "

Foi-se o tempo em que a "Legítima Defesa Da Honra" serviu de justificativa para vários advogados livrarem os seus clientes, quando esses praticavam homicídios contra as suas respectivas senhoras.

Vale dizer que esse tipo de argumento perdurou até meados do século XX, mesmo com o advento do Código Penal. O que pode ser atribuído ao contexto, onde as mulheres eram relegadas ao segundo plano e como a maioria do corpo de jurados eram compostos por homens, era natural que a sentença fosse favorável ao réu que além de ser inocentado, passava a ser a vítima

Hoje em dia, chega a ser impensável que Evandro Lins e Silva, um jurista o qual dispensa-se apreciações, se valeu da "Legítima Defesa Da Honra” para inocentar o seu cliente, Doca Street, por ter assassinado a sua companheira, Ângela Diniz. A repercussão desse crime permitiu com que a sociedade questionasse a validade dessa tese, depois que Doca Street foi absolvido. Logo, o julgamento foi a anulado e o réu foi condenado a quinze anos de prisão, em 1981.

A polêmica sobre a validade da legitima defesa da honra adquiriu maior ênfase por meio de outro crime: o assassinato de Eliane de Grammont, morta pelo seu marido, o cantor Lindomar Castilho. Márcio Thomaz Bastos, outro jurista que dispensa apresentações, fez história torando-se assistente de acusação no julgamento de Lindomar Castilho. É importante frisar que essa postura adotada por Márcio Thomaz Bastos pode ser considerada revolução no Poder Judiciário, visto que ele se notabilizou como criminalista defendendo maridos acusados de assassinatos, fazendo uso da "Legítima Defesa Da Honra".

A repercussão ocasionada pelos casos Ângela Diniz e Lindomar Castilho condicionaram o Poder Judiciário a rever certos conceitos para que assassinatos como esses não fossem encarados pela população com uma certa trivialidade, como, de fato, vinha acontecendo. Daí, a origem da lei Maria da Penha, a inclusão do feminicídio no Código Penal e, por fim, a invalidade da legítima defesa da honra pelo STF.

É muito cedo ainda para chegar a uma conclusão exata disso, contudo não se pode negar que mesmo de forma gradual, o sistema judiciário brasileiro tem procurado contribuir na evolução da nossa sociedade.