O FIADO INSTITUCIONALIZADO

Na última década o número de cartões de débito e crédito saltou de vinte milhões para quatrocentos milhões. Média de mais de dois cartões por brasileiro. Uma montanha de dinheiro de plástico que, neste final de ano, congestionou o sistema de todas as administradoras. Algumas mais outras menos. Houve casos de clientes que desistissem de pagar suas contas no cartão, apelando para o velho cheque – que deve cair totalmente de moda nos próximos anos – ou ainda para o pagamento em dinheiro vivo.

Este sistema enriquece administradoras, fábricas de “máquinas de passar cartão”, o sistema de telefonia e os bancos em geral. As taxas administrativas que ultrapassam a 4%, em alguns casos, são apenas uma das fontes de renda das administradoras que ainda cobram pelo “deságio” na antecipação dos valores da venda e o aluguel da tal maquininha. Sem contar que o comerciante que é pressionado a operar com elas ainda paga a ligação telefônica. O que chama a atenção é a cobrança da taxa de transferência dos cartões de débito. Para transferir dinheiro de uma conta a outra, numa operação puramente eletrônica, o comerciante paga o absurdo de 2,5% (dois e meio por cento) do total da venda. Aqui não incluímos os oitenta e tantos tipos de taxas que paga aquele que tem uma conta em banco.

Contudo, o maior abuso é praticado pelas administradoras do ticket refeição, restaurante etc. Quando o ticket era exclusivamente de papel já se cobrava o absurdo de 6% sobre a venda, justificado, segundo as administradores pelo alto número de falsificações. Com a instalação do ticket eletrônico a taxa não seria superior a 3%. Grande mentira. Para se ter uma idéia os tickets de papel eram trocados em um dia determinado a cada duas semanas e o restaurante levava mais duas semanas para receber o valor de suas vendas, depois de descontada a taxa de administração.

Atualmente, com o advento das maquininhas eletrônicas, o comerciante paga o aluguel da maquininha, uma taxa de (pasmem) 7,5% e espera 25 dias para receber o produto da venda. Contudo, os 25 dias são contados a partir de um fechamento semanal, que acontece num determinado dia da semana. Além disso, se não tiver sua conta no banco que a empresa indicar, paga ainda uma taxa de transferência de R$3,00. Assim, em vendas de pequeno porte, o custo chega a estratosféricos 25% do valor da venda. No caso de Sodexso Smart, a venda fica acumulada num cartão que deve ser “descarregado” num determinado dia da semana, em máquinas específicas localizadas em pontos nada estratégicos. Para frustração do comerciante, quase sempre o sistema no dia marcado está inoperante. Assim passam-se duas a três semanas até começar a contar o dia para que o pagamento seja efetuado. Não raras vezes o prazo total ultrapassa a 45 dias.

Tudo isso, para ajudar o trabalhador, porque os tickets recebem a chancela do PAT (Programa de Alimentação do Trabalhador) e as empresas que as repassam a seus colaboradores também pagam uma taxa a administradora para usufruírem do “benefício”. Claro que isso tudo tem a origem na paquidérmica legislação trabalhista que incorpora no salário e nos cálculos rescisórios qualquer valor que o trabalhador receba, caso não seja nesses moldes que enriquecem gigantes.

A Accor, detentora do Ticket Restaurante e Ticket Alimentação não nega que vem de lá a maior fonte dos recursos. Assim fica fácil construir hotéis por esse mundo afora como o Fórmula 1, Íbis, Sofitel, Mercure Novotel.

O trabalhador que de maneira indireta sustenta a chamada Justiça do Trabalho, que custa aos cofres públicos muito mais que o Congresso Nacional, com seus mensalões, Renans e outros corruptos, apenas “defende” o trabalhador daqueles que ainda insistem em empregá-los, mas nada fazem contra o assalto dissimulado que é o sistema de tickets. O Ministério Público nunca é acionado nesses casos. Quando é, esbarra no lobby e na forte estrutura jurídica que os gigantes – engordados com o dinheiro do trabalhador, com o beneplácito do governo – montaram para se defender e, de quebra, melhorarem a usura que praticam, graças a esdrúxula lei trabalhista que obriga empresas a recorrerem a eles como um mal menor.

Ano que vem espera-se mais gente no mercado de trabalho. Mais gente usando tickets. Mais gente gastando.

Os meus votos de Feliz Ano Novo atingem também a estes.

Luiz Lauschner é escritor e empresário.

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Luiz Lauschner
Enviado por Luiz Lauschner em 01/01/2008
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