Deixe Um Pouco Para Mim

Como árvores, as idéias crescem. (Wangari Maathai – Nobel da Paz 2004)

Quando eu tinha o dobro de cinco anos, meu pai saiu procurando petróleo, Maranhão afora. Na cidade de Grajaú, meu amigo se chamava Pil. Era um menino com a metade de 20 anos. Enquanto brincávamos, falou:

-- Gil. Vamos fazer negócios? Eu como a carne e você rói os ossos.

Meu entendimento se limitava a achar a frase engraçada, e tenho certeza que empatava com o dele, pois, jogávamos bola de gude e enchíamos o dia com uma enormidade de afazeres, os mais inocentes. Pil, era extraordinário. Chorou tanto quando nos deslocamos para a próxima cidade. O pior, é que eu nunca soube o nome verdadeiro do Pil.

Sei lá, algum método, é necessário para a pessoa viver organizadamente e um costume que eu guardo, é o de não atender telefone após as 22 horas. Como não sou muito chegado a ter um comportamento pétreo (imutável), de vez em quando, quebro um hábito, nem que seja para trocar por outro. Assim, coloquei no ouvido o aparelho de falar.

-- Gil, é seu amigo Axel. Sorvetinho amanhã?

Estava com muita saudade de Axel e fui participar praticamente de um festival de sorvete. Esse meu amigo, gosta tanto, que sempre se apodera da melhor justificativa para motivar alguém a se juntar a ele na gelada degustação. O cara é dono de uma empresa que vende ativos de rede de computadores

Na sorveteria...

-- Gil, “cheu” te apresentar, Pil. Ele é biólogo, meu gerente de vendas. Não podemos deixar de estar ligados à ambiência. Preservar um macaco aqui, uma árvore acolá. Algumas empresas de porte agora só compram de quem estiver envolvido, compromissado com o planeta. Qual é a boa Gil? – exigiu Axel.

Já que era para eu falar comecei:

No século III, antes de Jesus Cristo, na antiga China, um homem foi entregar um elixir da longa vida para o rei. O oficial que recebera dele a poção, bebeu-a imediatamente, enfurecendo o monarca, que mandou chamá-lo para ser enforcado.

-- Majestade, se tentar me matar não vai conseguir porque eu agora tenho a vida eterna. O senhor vai ser envergonhado perante todos, ao presenciarem que sua ordem não teve qualquer serventia.

-- E se o elixir não fizer nenhum efeito? – indagou o soberano.

-- O senhor acha oportuno, arriscar seu prestígio com um inútil servo?

O rei pegou o anel para selar a decisão de morte para o orelhudo militar.

-- Gil. A história desse oficial é exatamente a nossa. Acabamos de perder o maior negócio da empresa. Investimos em viagens, passamos a bancar uma ONG. Estamos pensando até, em como eliminar o cheiro do gambá. Pil é testemunha de que fizemos tudo.

-- Não, Axel. A história do oficial não terminou. Observe que o rei pegou o anel para selar a sentença. Antes de contar o resto, diga como perdeu o negócio, por favor.

Axel trabalhou mais de um ano para tentar vender uma grande quantidade de equipamentos de rede a um banco. Estavam trocando os produtos de todas as agências. A diferença de meio por cento, fizera o pedido ir para a concorrência.

-- Pil, posso dar uma olhada nessa tua revista? – perguntei.

“Banqueiro fará palestra de ambiência”. Era o título da principal reportagem. Entrada franca, 14:00.

-- Pil. O pedido já foi entregue ao concorrente, ou falta o presidente assinar? – perguntei.

-- Gil. Falta o rei selar com o anel. – brincou sério.

Metade do sorvete ficou para ser reciclado. Meus amigos perceberam o que eu tentava dizer e deixamos as delícias sobre a mesa, nos dirigindo para a palestra que o ricaço faria dentro de alguns minutos, há duas quadras do local onde nos encontrávamos.

-- Então senhores, não comprem nada de uma empresa que não esteja engajada na luta para preservação da natureza. Ainda que a diferença, seja de um por cento. Eu assino embaixo. Alguma pergunta.

-- Tenho um orçamento com sua diretoria para fornecimento de ativos de rede. A diferença é de meio por cento. O concorrente está levando vantagem no preço, mas não tem nenhum compromisso com o protocolo de Kyoto. Sua diretoria disse que essa firma estava levando vantagem e a ordem de compra estava na sua mesa para assinar. O Senhor tem algo a dizer?

-- Meu pessoal agiu certo. Recebi a autorização para assinar, mas não assinei. Você pode passar amanhã no escritório para pegar o pedido?

No “coffe break”, Pil e eu nos demos a conhecer. Foi só emoção. Por solicitação, completei a história do oficial orelhudo.

-- Majestade. Tenho ainda uma última palavra antes de o senhor selar o edito?

-- Fale rápido. – disse o rei nervoso.

-- Rei. O senhor sabe que eu provo sua comida, seu vinho. O senhor é um homem justo. Achei que seria certo provar o elixir da longa vida. Afinal poderia ser um veneno. O que o senhor pensa disso?

-- Sua colocação está correta. Você está livre. Volte ao cargo imediatamente. Na próxima vez que experimentar uma comida ou bebida, principalmente um elixir, Deixe Um Pouco Para Mim.

Gilberto Landim
Enviado por Gilberto Landim em 18/01/2008
Reeditado em 19/01/2008
Código do texto: T822132