Parlamento do Pica Pau - O Falatório - Na Ponta da Chibata

Na Ponta da Chibata

Foi discutido no Parlamento do Pica Pau, a abolição da Chibata, segundo um projecto de lei do nosso Deputado Quatro Riscos.

A discussão do assunto foi acalorada tendo surgido muitos argumentos a favor e contra, de todas as bancadas. Segundo a Deputada Borboleta a abolição de tal instrumento fere a constitucionalidade, dado não se poder utilizar tão engenhoso utensílio, nos momentos lúdicos e de prazer, retirando muita criatividade aos momentos de lazer.

Não sendo tão drástico, o Deputado Quatro Riscos que a sua proposta apenas vem no sentido da sua percepção, que ultimamente nos temos pautado por viver sempre na ponta da chibata. Está a tornar vulgar demais, passar pelas situações sempre a roçar o limite do bom senso, a nível profissional, no amor e na sociedade.

Saímos de um desaire e nos debatemos com um sem fim de outros e, num rol de situações que nos forçam o corpo e a alma aos limites. Somos forçados a viver numa busca constante do paraíso, no meio de um lamaçal, onde em cada passo nos enterramos e nos deparamos a desenterrar um pé, enterrando o outro! E a vontade não esmorece, e continuamos a dar passos, na esperança que surja um pouco de chão firme. É esta chibata que temos de pôr cobro, que temos de banir, criando condições para que a vida, não sendo todos os dias o paraíso, possa de vez em quando dar umas tréguas, para respirar!

Já o nosso Deputado Três Palmos, insurgiu-se contra a proposta. ‘Eu não alinho nos lirismos e palavras ocas do Deputado Quatro Riscos’, disse ele. E continuou: ‘ Para mim, chibata, é chibata mesmo, uma igual à que tenho em casa.’

Ora nosso Deputado ainda não se apercebeu que a Chibata já foi abolida à muito, em muitos reinos, e que infligir castigos corporais com ela é contra a lei, pelo que não faz sentido continuar o seu fabrico.

O nosso ilustre Agente Secreto 042, fez uma missão de avaliação do ponto de situação da utilização da chibata em outros reinos. O caso mais flagrante que encontrou foi na Costa dos Caranguejos onde se deu a Revolta da Chibata, e que nos elucidou sobre os perigos de utilização da chibata, seja em termos de castigos corporais ou psicológicos.

Segundo o que descobriu o Agente 042, a Revolta da Chibata foi um movimento de oficiais de patentes inferiores da Marinha do Brasil que se desenrolou de 22 a 27 de novembro de 1910 na baía de Guanabara.

Na ocasião, dois mil marinheiros rebelaram-se contra a aplicação de castigos físicos a eles impostos como punição, ameaçando bombardear a cidade do Rio de Janeiro.

Os castigos físicos, abolidos na Marinha do Brasil um dia após a Proclamação da República, foram restabelecidos no ano seguinte (1890), estando previstas:

"Para as faltas leves, prisão a ferro na solitária, por um a cinco dias, a pão e água; faltas leves repetidas, idem, por seis dias, no mínimo; faltas graves, vinte e cinco chibatadas, no mínimo."

Os marinheiros, quase todos negros ou mulatos comandados por uma oficialidade branca, em contacto quotidiano com as marinhas de países mais desenvolvidos à época, não podiam deixar de notar que as mesmas não mais adoptavam esse tipo de punição em seus navios, considerada como degradante. O uso de castigos físicos era semelhante aos maus-tratos da escravidão, abolida no país desde 1888. Paralelamente, a reforma e a renovação dos equipamentos e técnicas da Marinha do Brasil eram incompatíveis com um código disciplinar que remontava aos séculos XVIII e XIX. Essa diferença foi particularmente vivida com a estada dos marujos na Inglaterra, em 1909, de onde voltaram influenciados não só pelas lutas dos colegas britânicos mas também pela revolta dos marinheiros da Armada Imperial Russa, no Encouraçado Potemkin, ocorrida poucos anos antes, em 1905.

Quando retornaram ao Brasil, o marinheiro João Cândido formou clandestinamente um Comité Geral para organizar a revolução contra a Chibata.

O resultado da revolta acabou por gerar a punição aplicada ao marinheiro Marcelino Rodrigues Menezes do Encouraçado Minas Gerais, em trânsito para o Rio de Janeiro. Por ter ferido um cabo com uma navalha, foi punido, não com as vinte e cinco chibatadas mínimas regulamentares, e sim com duzentos e cinquenta, na presença da tropa formada, ao som de tambores. O rigor dessa punição, considerada desumana, provocou a indignação da tripulação.

Uma semana depois, já na baía de Guanabara, na noite de 22 de novembro, os marinheiros do navio Minas Gerais se amotinaram, mataram quatro oficiais (entre os quais o comandante, Batista das Neves), obtendo a adesão do Encouraçado São Paulo (o segundo maior navio da Armada à época) e de mais seis embarcações menores ancoradas na baía. Foi então emitido um ultimato no qual ameaçavam abrir fogo sobre a então Capital Federal:

O governo tem que acabar com os castigos corporais, melhorar nossa comida e dar amnistia a todos os revoltosos. Senão, a gente bombardeia a cidade, dentro de 12 horas. (carta de João Cândido, líder da revolta)

E complementava:

"Não queremos a volta da chibata. Isso pedimos ao presidente da República e ao ministro da Marinha. Queremos a resposta já e já. Caso não a tenhamos, bombardearemos as cidades e os navios que não se revoltarem."

Surpreendido e sem capacidade de resposta, o governo, o Congresso e a Marinha divergiam quanto à resposta, pois a subversão da hierarquia militar é um dos principais crimes nas Forças Armadas. A população da então Capital, num misto de medo e curiosidade, permaneceu em estado de alerta, parte dela refugiando-se longe da costa enquanto outros se dirigiram à orla para assistir o bombardeamento ameaçado pelos marinheiros.

A Marinha esboçou um ataque aos revoltosos com dois navios menores, mas além de rechaçá-lo, estes bombardearam as instalações na ilha das Cobras.

Quatro dias mais tarde, a 26, o governo declarou aceitar as reivindicações dos amotinados, abolindo os castigos físicos e amnistiando os revoltosos que se entregassem. Estes, então, depuseram armas e entregaram as embarcações. Entretanto, dois dias mais tarde, a 28, alguns marinheiros foram expulsos da Marinha, sob a acusação de "inconveniente à disciplina".

A 4 de Dezembro, quatro marujos foram presos, sob a acusação de conspiração. Em meio a uma forte onda de boatos, isolados e desorganizados, os fuzileiros navais sublevaram-se na ilha das Cobras (dia 9 do mesmo mês), sendo bombardeados durante todo o dia, mesmo após hastearem a bandeira branca. De seiscentos revoltosos, sobreviveram pouco mais de uma centena, detidos nos calabouços da antiga Fortaleza de São José da Ilha das Cobras. Entre esses detidos, dezoito foram recolhidos à cela n° 5, escavada na rocha viva. Ali foi atirada cal virgem, na véspera do Natal. Após vinte e quatro horas, apenas João Cândido e o soldado naval Pau de Lira sobreviveram. Cento e cinco marinheiros foram desterrados para trabalhos forçados nos seringais da Amazônia, tendo sete destes sido fuzilados nesse trânsito.

Apesar de se declarar contra a manifestação, João Cândido também foi expulso da Marinha, sob a acusação de ter favorecido os rebeldes. O Almirante Negro, como foi chamado pela imprensa, um dos sobreviventes à detenção na ilha das Cobras, foi internado no Hospital dos Alienados em Abril de 1911, como louco e indigente. Ele e dez companheiros só seriam julgados e absolvidos das acusações dois anos mais tarde, em 1 de dezembro de 1912.

A intervenção da Deputada Xique trouxe outra chibatadas ao Parlamento. Segundo ela a actual iliteracia é a chibata usada hoje. Desta forma a classe dominante pode manter a outra classe, quieta, resignada, conformada, por intermédio desta nova escravidão, a intelectual, a ideológica.

A classe dominante percebeu que a escravidão mental é mais eficaz e menos danosa aos seus interesses, comparando com a escravidão física de outrora. Pois o método utilizado anteriormente comprovou que a chibata não era apenas um instrumento de opressão, mas também uma motivadora de revolta, de insubordinação, de rebelião.

Por esta razão, é que a classe dominante resolveu substituir aquela chibata por outras muitas chibatas, mais eficazes e eficientes, como a mídia, a ideologia consumista individualista, a educação e é óbvio, o Direito, materializado pelas leis que sempre estiveram presentes para legitimar as atitudes e o poder da classe dominante, tanto na escravidão de outrora como na de agora.

É por meio deste discurso jurídico, falacioso, velado, apenas escrito, somado às demais “chibatas”, que se consegue manter a ordem, tendo o controle dos indivíduos, os quais vão se distanciando, cada vez mais, da ideia de rompimento deste status quo, ou de até mesmo protestar contra a opressão exercida. Pois, a classe miserável é ludibriada de tal forma que não consegue perceber que ainda é escrava, que nada mudou, que hoje a escravidão exercida só se apresenta de uma forma mais subtil e disfarçada.

Metaforicamente, é exactamente isto que a classe dominante faz para manter a classe miserável quieta, ou seja, faz esta classe acreditar que a caverna é o melhor lugar para se viver, que estarão protegida dos maus e dos riscos que existe fora dessa caverna, e que ela, a classe dominante está ali para ajudar, para protegê-la, é aqui que se configura o “chicote” ideológico.

Após a discussão, que como vêm foi bastante acalorada, foi colocada à votação a proposta de abolição da Chibata. A proposta foi aprovada por maioria simples e será aplicada de imediato!

Portanto, a partir de hoje, atenção à Chibata!

Carimbado e Assinado,

Quadrado da Hipotenusa

20/1/2008

Ideias e informações obtidas:

http://www.ucam.edu.br

http://pt.wikipedia.org/wiki/Revolta_da_Chibata

Nenúfar
Enviado por Nenúfar em 23/02/2008
Código do texto: T871869
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