Filosofias pra quem tem coração de carne

Tenho certa afeição para com as histórias, pelo muito que elas, geralmente, têm a nos ensinar. Mas devo por em acréscimo as ressalvas que repousam sobre suas aplicações.

Trocando em miúdos: uma fábula, por exemplo, quando refletida e contextualizada, permite que viajemos em nossa imaginação; que tiremos conclusões e ensinamentos, sejam para fins práticos ou teóricos. Cabe, pois, sabermos compreender as causas e os efeitos, os princípios e cada um dos contextos, para então fazer uso desta apreensão em nossa vida (não como muleta, mas reflexão de e para a vida).

Vi recentemente num programa de televisão um relato, a princípio sem muita importância, mas que, se olhado de outros ângulos, pode nos deixar algumas contribuições.

Dizia a apresentadora que em uma determinada palestra, tendo lançado mãos a uma nota de cem reais, o monitor fez o seguinte desafio aos que o ouviam: amassou o dinheiro até que ficasse literalmente amarrotado e, em seguida perguntou: “quem de vocês quer esta nota?” – todos levantaram os braços atestando que sim.

Posteriormente pôs a verdinha debaixo dos seus pés e a pisoteou por alguns minutos, sujou-a até que ficasse irreconhecível e, novamente indagou: “desejam este dinheiro?” – sem exceção toda a turma continuara entusiasmada em obtê-lo.

Por algum tempo, o palestrante ocupou-se em ensaiar dinâmicas que desestimulassem os participantes do evento, quanto ao interesse no “peixe”. Invariavelmente, todos continuaram obstinados na decisão, em que pese todo o esforço daquele profissional ter sido na direção do contrário.

Pus-me a refletir depois de terminada a historinha e na direção do que propunha aquele programa. De fato, até que o palestrante viesse a rasgar o dinheiro (ato que não o fez), nenhum dos ouvintes desistiria dele! Afinal, mesmo amassado e sujo, ele ainda continuaria dinheiro e, como tal, não perderia seu valor.

Ora, antes que alguém me pergunte: e o que isso tem a ver com o tema? Convido-o para pensarmos nestas outras abordagens.

Se lhe pedisse para produzir uma lista com os cinco últimos ganhadores do prêmio Nobel de literatura; as duas modelos mais ricas do mundo, ou ainda, os três campeões mais recentes da Libertadores da América, você seria capaz de fazê-la sem consulta à internet? Salvo exceções tenho certeza que não. Agora enumere os nomes de quatro professores com os quais estudou o ensino fundamental; relacione os padrinhos de todos os seus irmãos e, por fim, o namoro que mais marcou a sua vida (quando couber!). Conseguiu?

Caros, volta-e-meia encontramos em jornais, revistas, programas televisionados etc., fotografias de estatuetas de ouro sendo entregues a personalidades e notáveis do meio público. São símbolos que valem uma fortuna, devo acrescentar, mas que, no final das contas, têm as estantes e a poeira como abrigos. Depois de algum tempo, acentuadamente, seus ganhadores já estão no anonimato.

Ao nos valermos dessas contradições, muitas certezas nos são colocadas. E todas se aplicam a uma dimensão humanística de reflexão: felizmente (com as devidas ressalvas), o que conta mesmo é o valor da vida e a forma como ela fala a cada ser. Não são os rótulos que o mercado postulou.

Assim, substancialmente ganha importância o sentido filosófico da nossa existência. Quase sempre não interessa o peso da conta bancária que sustenta um indivíduo, para que marque nossa história.

As pessoas são lembradas – por vias naturais – pelo que seus corações projetam no mundo; pelas suas competências. Elas marcam muito mais pelo que são e fazem, do que pelo têm (o dinheiro continuaria sempre dinheiro). É como o conceito de “bonito”. Durante toda sua atuação, a mídia insiste em denotar o “belo”, pura e simplesmente pela estética visual. Cada dia mais me convenço que a beleza está do lado esquerdo de nossos peitos!

Que a utopia guardada dentro de cada um, responsável em nos fazer caminhar para a felicidade, seja capaz de regar nossa sensibilidade de figurar o que não tem figura, de enxergar, mesmo não vendo.

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¹Educador Popular, 27. Licenciando Pleno em Letras e Monitor de Metodologia Cientifica da UEPA/Paragominas. Assessor Institucional da CAEPIM e Associação Ilha Mutirão/Japuretê. Colaborador dos Jornais Miriense e A Folha de Maiauatá.