VIÉS DO DESTINO

Não há dúvida de que quando o oprimido alcançar o poder oprimirá o opressor, porquanto, a lei de Talião, derrocada por Jesus, ainda prevalece entre os homens, talvez disfarçada com o nome de legítima defesa, ou coisa semelhante. Para isso, há um amparo legal na lei dos homens e até na lei divina, para que o “olho por olho e dente por dente” não desapareça do Código Civil nem do Canônico. “É direito, e também obrigação do cidadão, defender sua integridade física”, mesmo que para isso, não havendo outro recurso, tenha que levar à morte seu agressor.

Perdoa e serás perdoado, liberta e serás libertado,isso pode funcionar no plano divino, mas, na realidade humana, quase sempre, funciona ao contrário: perdoa e não serás perdoado, liberta e serás prisioneiro do libertado. Quem não tem saudade do tempo em que se podia ir e vir. Andar sem medo pelas ruas de qualquer cidade ou capital, dormir com janela aberta nas noites de calor... quem não tem saudade dos tempos em que somente o dono, podia tanger os bens tangíveis?

Quanta síndrome aporta o coração humano do homem moderno, informatizado, globalizado e abortado do convívio social com o semelhante. Cadê meu carro, meu relógio, meu celular, minha propriedade rural? Quem roubou a minha paz?

Nunca as placas luminosas informando a temperatura e as horas foram tão consultadas quanto agora. Não por causa da temperatura, mas por causa das horas, porque já não se podem usar relógios de pulso. Atualmente, ando com um relógio barato, uma verdadeira falsificação, coisa comprada do Paraguai por R$ 15,00. Quem ousa (o) usar um relógio bom, um celular bom, um carro bom?

Posso usar um relógio barato, um celular barato, coisas por que não se interessam os ladrões, mas devo usar uma carroça, para me transportar, porque a blindagem de um carro é mais cara que o próprio carro. Ih!

- Porque não usar transporte coletivo? – diria o interlocutor.

- São por acaso, blindados os coletivos?

Tenho que usar relógio barato, celular barato e andar à pé, em viés, atravessando a rua, ainda que meu objetivo esteja de meu lado. Preciso estar constantemente mudando o rumo do percurso, dar voltas como o faz a rolinha, que nunca pousa primeiro na árvore onde está seu ninho, mas pousa em outra, para não denunciar sua casa. Tenho que, freqüentemente, atravessar a rua e mais adiante, fazer o contrário. Não posso andar sempre pelos mesmo caminhos. É preciso despistar o predador, como faz grande parte dos animais silvestres...

Insistir em usar objetos pessoais, ainda que necessários é loucura. O cidadão que usar essas coisas, decerto, será assaltado, senão morto, para que aquele bem de sua propriedade seja transferido para outra pessoa, sem nenhuma recompensa remuneratória, a não ser a graça de permanecer vivo. Portanto, quem se encontrar com alguém na rua, portando um objeto de valor, afaste-se dele, porque ou é bandido ou é um cidadão preste a ser assaltado ou morto e pode ser que uma bala perdida te ache.

O cidadão não pode usar relógio, celular nem arma, mas o bandido usa tudo isso. É o oprimido que passou a oprimir o opressor. É o flanelinha do sinal de trânsito que agora, em vez de uma flanela, usa uma arma.