Deixar de ensinar as formas “certas” não significa negar aos alunos um instrumento de ascensão social? (Bagno, 2007)

São múltiplos os indivíduos adeptos do entendimento de que à escola cabe ensinar aos alunos as formas “certas” de fala e escrita, para os seus devidos processos de comunicação. E ainda apregoam, tais sujeitos, que dominar a “norma culta” da língua é condição para se crescer na vida.

Nesse sentido, devo-me perguntar e aos que assim se definem: a partir de quando o domínio da variedade padrão da língua é condição para se ascender socialmente?

Se assim fosse, o que dizer, por exemplo, de um industrial semi-analfabeto que possui substantivas posses, pertence à elite social brasileira e detém poderes ante o país? Como explicar, ainda, o fato histórico de existirem centenas de professores de língua portuguesa (teoricamente, “dominadores” da “norma culta”) que mal conseguem sobreviver?

Ora, desde outrora é sabido que a questão do crescimento social tem pressupostos sócio-econômicos e políticos como vieses à frente de conceitos culturais e sócio-históricos.

Por coerência é justo e oportuno garantir à educação – e, portanto, ao ensino – o posto de sustentáculo para o desenvolvimento humano, no sentido da busca pela emancipação pessoal e cidadania. Todavia, faz-se necessário que a observância prescritiva da norma padrão da língua portuguesa (aqui subentendida por formas “certas”) seja concebida e processada como, também, uma modalidade/variedade (conforme sugere Bagno), dentre as várias existentes.

Assim, dialética e pedagogicamente, deve-se transpor o conceito de “certo” para o de apropriado a contextos diversos. E isto sugere, por conseguinte, olhar para o (e ensinar a partir do) que é aceito e utilizado socioculturalmente. Dizendo-se que há formas e formas, para situações e situações.

Em termos específicos, o uso que devemos fazer da língua pode ser comparado ao uso que fazemos de um guarda-roupa (mobiliado). Neste encontramos diferentes peças e que nos servem para diferentes ocasiões. Com efeito, ninguém vai à praia de terno e gravata, assim como indivíduo algum se apresentará numa palestra apenas de calção. Do mesmo modo, os falares (e escritos) deverão satisfazer as necessidades de seus reais contextos, cabendo às normas a organização/qualificação dos entendimentos entre interlocutores, em vez de aprisioná-los numa fôrma pronta e imutável, às vezes sem nenhuma funcionalidade concreta.

De certo, a educação é sim um instrumento para melhoria de vida, ressalvada a garantia de que se parta da realidade para a teoria, no respeito às diferenças e variações.