O QUE CABE EM UMA LÁGRIMA.

Algumas semanas atrás, relendo velhos textos guardados, encontrei uma frase cuja origem eu não consegui aferir ou mesmo determinar. Tal frase dizia que todos os indivíduos devem chorar pelo menos uma vez em sua vida, pois isso lhes proporciona uma sensação posterior de bem-estar, de alívio repentino ocasionado pelo fato de toda a dor, todo o stress acumulado, toda mágoa retida, acabam por tornar-se nuvens que vão, pouco a pouco, dissipando de sua alma, tornando-a mais leve, mais solta, mais livre para continuar em frente.

Mas o que me causou certo grau de curiosidade foi a pergunta imediata que surgiu em minha mente, imediatamente após ter lido tal frase: o que cabe em uma lágrima? Quais são os sentimentos, as mágoas, as dores e as tristezas que cabem em uma pequena e, ás vezes, insignificante lágrima, ou melhor, uma precipitação de humor dos olhos? Que tipo de sensações passam pela mente de uma pessoa no momento imediatamente anterior àquele em que a primeira – de muitas ou única – lágrima rola pela sua face? Trata-se de um alívio, ou de uma tensão crescente? É uma forma de permitir que a pessoa pare para pensar ou ainda pare de pensar?

Certa vez um pensador não muito recente disse que o universo cabe em uma lágrima; que a própria vida cabe em uma lágrima e que ela só deve ser derramada quando realmente vale a pena. Em uma lágrima cabe a dor da mãe que se desvela pelo filho – ou pela filha – doente, sentada, curvada sobre a cabeceira do rebento, esperando por uma recuperação milagrosa, pela qual rezou impacientemente por horas (ou dias), almejando vê-lo acordar, recuperar-se e, simplesmente, sorrir para ela como que sinalizando que está tudo bem e que sua dedicação salvou mais aquela vez.

Em uma lágrima cabe a tristeza que percorre a alma atormentada de quem sofre uma perda irrecuperável do ente querido que nunca mais irá ver. A tristeza da perda – seja ela definitiva ou mesmo passageira – que veio sem avisar instala-se em seu coração e faz com que tudo o mais não tenha qualquer sentido, qualquer razão de ser. A tristeza enorme, incomensurável e irrecuperável que se encerra no âmago do indivíduo e o faz chorar copiosamente por horas, dias, meses, anos e até mesmo pela vida inteira; ou ainda aquela sensação transitória de que houve de fato uma perda, mas que, embora esteja doendo agora, possivelmente não passará de uma pequena nuvem que veio apenas para tornar nossas existências um pouco mais ricas do até então nos pareciam ser. Certamente a primeira lágrima da tristeza prenuncia que a próxima poderá ser maior e insuportável ou menor e destinada à insignificância da próxima.

Tenho certeza de que em uma lágrima cabe todo o amor e carinho que alguém sente por outro alguém, mas que nunca soube demonstrar de forma coerente e adequada. O amor que constrói vidas, que erige templos, que amplia horizontes, que possibilita ao indivíduo caminhar por trilhas menos tortuosas do que aquelas que lhe foram destinadas caso caminhasse solitário e abandonado à sua própria sorte. O carinho de quem nunca soube o que é ser desejado, cortejado, querido, próximo, tão próximo que o calor do outro poderia ser sentido e absorvido como uma lufada de acolhimento nunca sentido até então.

Em uma lágrima cabem todos os anseios e esperanças que o ser humano deposita em outro ser humano que, conhecendo, tornando-se intimo, dividindo confidências, passando a fazer parte de sua vida, torna-se uma pessoa muito melhor do que era antes, de forma tão radical, mas ao mesmo tempo tão sublime que a lágrima passa a ter o sabor da esperança. A esperança de saber que não está mais só, nem nunca mais estará, porque alguém estará ao seu lado para derramar por ele aquela lágrima que apenas ele poderá fazê-lo; não por gratidão, não por pena, mas por uma sensação que o enleva e o eleva à um estágio onde ele nem poderia imaginar que existisse.

Em uma lágrima cabe dor, cabe amor, cabe esperança, cabe carinho, cabe ódio, cabe ressentimento, cabe desejo, cabe toda uma existência, cabe, enfim tudo aquilo que torna um ser humano aquilo que ele de fato é: pequeno, insignificante, perdido dentro de toda uma existência que até então parecia não ter sentido. A lágrima que rola não acontece porque simplesmente queremos ou esperamos, mas sim porque antes dela nasceu uma sensação profunda de que podemos nos superar dia a dia, que podemos sempre ser melhores do que éramos, de que podemos conter dentro de nós um universo.

Em uma lágrima tudo o que resta é a esperança de saber que ela não será a última, mas que a partir dela passamos para um estágio superior, um tênue momento de sofreguidão, de paixão, de amor, de uma enorme sensação de que seja o que fizermos, seja o que seremos, seja o que queremos tudo foi um mero devaneio do que está por vir; um porvir muito mais eloqüente do que aquele em que nos encontrávamos antes.

Em uma lágrima cabe sim todo um universo, mas não é apenas isso. Em uma lágrima reside toda a possibilidade, toda a perspectiva de que podemos e somos capazes de superar qualquer obstáculo que surja diante de nós; somos realmente muito mais preparados para absorver as próximas experiências que a vida nos reserva – e sempre nos reserva – de forma mais profunda, extraindo delas alguma coisa boa, alguma sensação, alguma possibilidade totalmente nova e inesperada que, até então nos parecia apenas uma possibilidade remota de que o mundo poderia estar contido em uma simples lágrima que rolou inocente por nossa face, ou pela face de quem amamos.

Em uma lágrima cabem todos os anseios e todas as vicissitudes de uma vida, sem as quais não poderíamos ter a certeza que a vida realmente passou por nós sem que a tivéssemos sentido sua profundidade, sua razão de ser, sua essência; a essência de quem, pelo menos uma vez experimentou a enormidade existencial de uma simples lágrima.

Enfim, em uma lágrima cabem mais coisas do que supõe nossa vã filosofia, pois em cada lágrima de cada um de nós reside a certeza de que a vida vale realmente a pena ser vivida em toda a sua intensidade e em toda a sua grandeza. E é exatamente nessa grandeza que está a nossa diminuta participação na existência gigantesca do amor que transcende a alma e que se sobrepõe à tudo e à todos; que possui capacidade de regenerar-se a cada nova existência que surge; de criar novas expectativas e oportunidades que, minuto a minuto, se descortinam ante nós, demonstrando de forma inequívoca que sempre estamos prontos a chorar por alguém, pois sempre haverá alguém disposto a chorar por nós.

Em uma pequena e, muitas vezes, despercebida lágrima cabem todas as aspirações dos seres humanos, desde as mais pueris até aquelas mais complexas cuja importância e significado ultrapassam ao próprio ser humano, porque dele transcendem em direção à algo muito maior e com muito mais substância e essência que não se consome em si próprio, mas sim se alimenta e dá alimento àqueles que nela buscam o significado de suas vidas. Significado esse que representa a razão de ser de nossa própria existência: o amor do qual nascemos, pelo qual vivemos e sem o qual não sobrevivemos; o amor que constrói todas as coisas que possuem relevância na constituição de nossa consciência coletiva de bem-estar e de compreensão de uns para com os outros.

Nesta chorosa e simplória lágrima cabem todas as explicações que buscamos ao longo de uma existência que assim como surge sem sentido pode, muitas vezes, também terminar sem sentido, já que não nos preocupamos muito em entender porque viemos e muito menos porque não permanecemos focando nossas pobres e insignificantes existências muito mais no “TER” do que no “SER”, muito mais na aparência do que na essência, muito mais na forma do que na substância. O que realmente importa é conviver, que é viver em eterno compartilhamento, em constante e doce conspiração com o outro, que além de ser nosso semelhante também nasce com as mesmas expectativas que nós: a de usufruir a vida com os outros de forma a conquistar o bem maior almejado pela humanidade: o amor universal e sem fronteiras do poder criador da vida.

Em uma lágrima cabem muito mais premissas do que ressalvas; cabem todas as vidas passadas, presentes e futuras que estarão perpetuamente unidas pelo elo comum do amor e do carinho com que uma vê na outra não apenas o seu doce reflexo, mas sim a sua razão de existir, o verdadeiro motivo pelo qual nascemos, vivemos e morremos a fundamental pedra angular do bem e do mal: acreditar que tudo o mais não passa de uma mera ilusão se não houver o amor e o carinho sem o qual nada somos e nada poderemos ousar ser.

De alguém que ama para alguém que é amado.