DISCURSSO ACERCA DE NÓS MESMOS

Compatriotas, amigos e patrícios,

Disse Ruy Barbosa em seu último manifesto público que “de tanto ver triunfar as nulidades”, havia o ilustre brasileiro se cansado de persistir em algo que, embora ele acreditasse piamente, constatou que, na prática, ninguém mais acreditava, de tal forma que a frustração invadiu-se a mente e a alma, deixando-o triste e desiludido com as possibilidades de esperança para o futuro. Esperança essa, aliás, que tem sido um verdadeiro calcanhar de Aquiles nas mentes e almas de diversos seres humanos célebres ao longo da história da humanidade e que também experimentaram o amargo sabor da derrota, da decepção e da desesperança.

Assim é que, pois, encontram-se a maioria de nós: tristes e desiludidos com tudo e com todos. É quando nada mais resta a acreditar; nada mais resta a servir de depósito de nossas esperança, de nossos anseios mais profundos; quando todos os sentimentos que sempre reputamos como de elevado valor e nobre propriedade, constatamos que, no dia-a-dia, ninguém se importa com eles. Sentimentos como carinho, respeito, dedicação, companheirismo, afeto fraternal soam como expressões ocas e desprovidas de qualquer valor tanto para quem por elas se expressam como também para aqueles que venham a servir de interlocutores. O resultado é a frustração e o sentimento de decepção com tuto e com todos.

Assim tem acontecido com este subscritor, uma vez que pertencendo á uma casta em extinção de pessoas que acreditam no potencial de todas as outras, nunca sentiu-se tão entristecido com o simples fato de que aqueles que o cercam não usufruem do prazer da companhia que ele tem em alta conta. O simples contato diário com aquelas pessoas lhe causa, ou melhor lhe causava, enorme prazer, pois muitas das vezes sabemos que estar com alguém pode ser suficiente para nos tornar pessoas um pouco melhores, assim como alimenta nosso espírito de com renovados anseios de uma caminhada menos onerosa, com um fardo mais suave.

Da mesma forma acredita-se, inclusive o presente subscritor, que a morte nos retira tudo aquilo que o universo material nos proporciona de modo efêmero e repleto de futilidade. Roupas, sapatos, veículos, imóveis e, principalmente, dinheiro são atributos materiais que o desligamento com a vida nos retira, muitas vezes de forma abrupta e torpe, conspurcando nosso espírito com a sensação de absoluto vazio e de absoluta ausência de validade diante da luta travada na conquista destes bens que reputamos como mais importantes que qualquer outro, até mesmo a simplicidade de um cumprimento, de um aceno de mão, de um gesto de fraternidade.

Poucos são aqueles que compreendem que o repositório que de fato levamos conosco para a eternidade são os sentimentos que usufruímos e compartilhamos com nossos semelhantes; sentimentos estes que deviam, mas desde já afirmo não o são, caros e vitais para a nossa existência além da vida. Sentimentos que na maioria das vezes podemos compreender em nós mesmos, mas que, via de regra, sempre nos esquecemos de aceitar que possam ser objeto da compreensão de nossos semelhantes.

De fato é uma enorme decepção saber que aqueles que consideramos um pouco mais que meros colegas de situação, nos olhem com olhares que vão da indiferença ao puro descaso, passando, algumas vezes, pelo desprezo. Desprezo este que pode ferir de forma muito mais contundente que qualquer arma apontada para nossas cabeças ou para nossos corações.

O respeito que anseia-se dar e receber de todos que nos cercam morre antes mesmo de existir porque achamos muito mais importante as diversões descompromissadas que não levam a nada e que nos roubam o pouco que temos ante a possibilidade de encontrar em nosso próximo uma palavra amiga e um gesto de sincera irmandade.

O mesmo se dá quando vemos que o conhecimento é uma chave capaz de abrir qualquer porta, mesmo aquela que, aparentemente, se mostra intransponível, e que, por muitas vezes exige uma combinação de chaves, pois sabemos que o conjunto prospera resultados muito mais eficientes que a tentativa solitária que se esvanece quase como um suspiro. O subscritor acredita que compartilhar conhecimento e sabedoria é um elemento de sucesso e realização, tanto que nunca se furtou ante a possibilidade de dividir o pouco que sabe com aqueles que lhe são extremamente caros, embora, saiba ele que não permanecerão ao seu lado eternamente, até porque eterno apenas o amor do criador.

Este documento não é um simples desabafo que tem por objetivo mesquinho diminuir ou humilhar, até porque se assim o fosse, antecipadamente seu autor estaria rogando pelo perdão de seus leitores, pessoas as quais ele reputa como de enorme valor para a sua vida, presumivelmente na mesma órbita de seus próximos mais caros. É apenas um relato que tem por finalidade tentar despertar em cada o sentimento de carinho e afeto que corresponde à amizade que sempre na vida resulta em progresso e desenvolvimento.

Tanto quanto o respeito que se dá, todos esperamos receber tal qual uma dádiva que no enleva e nos torna um pouco melhores do que aquilo que consideramos como ideal, também o conhecimento - coletivo e dividido de forma a conquistar novos horizontes - é oferecido como uma dádiva que poucos são merecedores, mas a que todos tem direito.

Um certo pensador alemão chamado Kant orientou assim a sua vida, partindo do pressuposto que devemos agir de forma que aquilo que não desejamos para nós também não faremos para prejuízo de nossos semelhantes, agindo de acordo com diretrizes de conduta ética que devem, necessariamente transcender ao aspecto meramente moral, pois como todos sabem a moral é elástica e aceita qualquer ajuste.

Somos o que somos não por acaso, mas porque o universo conspirou para que fossemos atores cumprindo um papel que nos foi dado e que exige de nós uma interpretação mais profunda e eivada de objetivos e valores que não se restrinjam à bens que aqui ficarão e que não nos fornecerão a elevação espiritual necessária para encontrarmos nossa realização plena.

Desta forma, vendo sempre e continuamente triunfar as nulidades do materialismo, da disputa sem objetividade, do desprezo, da ausência de carinho e fraternidade, é que este subscritor desistiu de acreditar que sua atitude isolada possa ser capaz de mudar o mundo, até porque não é a verdade. Todavia, é verdade que se cada um fizer a sua parte, ou melhor, se cada um se propuser a tomar uma pequena e quase despercebida atitude de solidariedade e de fraternidade com aquela pessoa que está ao seu lado, será fácil e quase instatâneo perceber o resultado que se revela numa sensação de conforto e de satisfação consigo mesma.

Acreditem, meus amigos, este subscritor não acredita no triunfo das nulidades, e nunca acreditará, muito embora a desilusão e a desesperança ceifem seu espírito com tristesa e amargor, somos sabedores de que, ao final, os sentimentos mais profundos do individuo triunfarão sobre estas alegadas nulidades, mesmo que resistam até o último bastião, mesmo que seja derrubada a última muralha, pois a vida ensina que a transparência e a sinceridade são atributos dos individuos de valor.

Nada mais a declarar ou mesmo a desabafar, aproveita-se a ocasião para rogar a todos que busquem respeito para si e para aqueles que o cercam, pois muitas vezes nos perdemos em divagações inúteis e desprovidas de finalidade apenas e tão somente para fugirmos de nós mesmos. E essa fuga, nos mostra os diversos exemplos contidos ao longo da história da humanidade, não satisfazem a alma que continua permanentemente em estado de angústia e de sofrimento perenes.

Ressalte-se que o respeito pode e deve ser conquistado diariamente por todos e para todos, devendo ser o verdadeiro mote de existência que deve ser a margem superior de nossas atitudes e delimitador de nossos erros, até porque errar também é uma experiência, muitas vezes mais válida do que os acertos dos quais nos vangloriamos e alardeamos a céu e de peito aberto.