SETEMBRO NEGRO, SETEMBRO TRISTE, SETEMBRO DA DOR.

(Ou, relembremos o 11 de setembro de 2001 através do 02 de setembro de 2004).

Parece que o mês de setembro vai ficar definitivamente marcado como o mês da profunda tristeza e também da profunda revolta de todos aqueles que amam a paz. A cada momento que nos deparamos com um novo atentado contra a vida de milhares de inocentes que nada fizeram e nem mesmo contribuíram para que o mundo esteja da forma que se nos apresenta, ficamos nos perguntando o que eles fizeram ? Qual o crime que crianças, jovens, homens e mulheres fizeram para merecer tal castigo: pagar por algo que lhes transcende a existência. Porque, nos perguntamos mais de uma vez, aquele que saca de uma arma ou destrava uma granada ou arma uma bomba espera que seu ato contra aqueles que foram escolhidos aleatoriamente como os responsáveis pelo sofrimento de seus semelhantes sirvam de exemplo para todos os demais, em especial os poderosos que controlam os destinos das nações e de seus integrantes ? Não é possível encontrar uma resposta satisfatória para esta questão, uma vez que ela não se responde por si, diferentemente dos sinos que sempre dobram por alguém.

Não nos parece lúcido, lógico ou mesmo humano que o ato praticado puramente pelo seu significado mais próximo, ou seja, o terror pelo terror, sirva de justificativa para opor-se àquele que oprime e que está acima de todos; acreditamos que atos como o de onze de setembro e, agora, de dois de setembro, em anos diferentes mas situações absolutamente idênticas, sejam apenas atos de absoluta insanidade, primeiro porque não atinge os homens do poder, não lhes causam qualquer tipo de perturbação, menor que ela possa chegar-lhe, pois para eles o que interessa é a manutenção de um sistema enferrujado, gasto e carcomido que se justifica unicamente por si mesmo. Não é mais uma questão ideológica ou política; trata-se, de fato, de uma questão meramente econômica, matemática: enquanto alguns morrem, enquanto muitos sofrem, todos esquecem de quem está com a razão e de quem é o inimigo, e assim, divide-se para conquistar e multiplica-se o prestígio e os valores depositados em contas escusas que potencializam mais terror, mais ódio e muito mais poder para poucos.

Aliás, o inimigo não importa, sua face não interessa, apenas seus gestos de revolta e sua postura ameaçadora que é levada ao mundo, num piscar de olhos por, uma mídia que se nutre da audiência gerada pelos seus noticiários e pelo marketing, direto e indireto que eles são capazes de produzir (muito dinheiro por quase nada de esforço, apenas alguns cadáveres no horário nobre). E não me venha qualquer colunista renomado, que vive tranqüilamente longe, bem longe da violência, apontar os culpados como sendo todos nós; todos nós responsáveis por mães que choram sobre os corpos frios e esmaecidos de seus pequenos brilhos de esperança que não mais respiram, por amigos que sabem que nunca mais verão seus entes queridos, por filhos que crescerão sem conhecer seus pais, enfim, por seres humanos que estão, pouco e pouco sendo bestializados pela incompreensão de uns poucos. É muito fácil, facílimo, propor soluções extraordinárias quando a violência está tão próxima quanto o holocausto esteve para quem não vivenciou aqueles anos de massacre indiscriminado de pessoas (diga-se seres humanos).

Como podemos falar de segurança jurídica, de princípios como igualdade, de liberdade, de ampla defesa, quando todos os nossos direito nos são retirados abruptamente por outros indivíduos que também sofrem, que também perderam entes queridos, que também sofreram invasão em sua privacidade, em sua cidadania, em sua soberania, em sua personalidade, por outros que lhes julgaram e condenaram previamente ao dissabor de não mais poderem caminhar pelas ruas de suas cidades, orar em suas mesquitas, saudar seus líderes, escolherem a melhor forma de conduzir suas próprias vidas.

Nesta lógica cruel do mundo moderno todos são culpados, todos são inocentes e, com certeza, todos poderão tornarem-se vítimas de suas próprias deficiências políticas, sociais e psicológicas, pois, não nos resta muitas opções entre aquelas que se nos apresentam como únicas disponíveis para um caminhar em direção do abismo sem fundo da absoluta ausência de bom senso.

Cada vez mais, perguntamo-nos como minimizar o sofrimento que se abate sobre todos aqueles que presenciam cenas como o ataque das torres gêmeas, no qual a maioria dos mortos não eram cidadãos americanos, mas sim estrangeiros que para lá foram em busca de uma oportunidade melhor do que aquela que se descortinava em sua terra natal ? Como justificar para uma mãe ou para um pai que acabou de perder a única razão que justifica toda a sua existência, todo o seu esforço, todos a sua razão de ser ? Seria por acaso, as palavras proferidas por líderes que se escondem em casamatas distantes de possíveis ameaças, cercados por milhares de seguranças bem pagos pelo erário públicos (por nós!), e que vêm à público apontar o dedo em riste na direção dos culpados que eles consideram potencialmente perturbadores de um sistema que se alimenta por si próprio ?

Acredito piamente que alguém deve se levantar e fazer algo; alguém precisa fazer ecoar a revolta que nos toma diariamente quando vemos violência, tristeza e terror vazarem pelas telas de nossas televisões, de nossos computadores, tal qual cascata sanguinolenta que se justifica, repito, por si mesmo, sem esperar qualquer ato de repulsa ou gesto de revolta; revolta não apenas contra aqueles que praticaram o ato, até porque ninguém sabe de fato o que os levou a praticar tal ato., mas sim contra todos que de uma forma ou de outra estão envolvidos ou coniventes com tal postura. Não deve se abster ninguém, pois todos são responsáveis, e todos pagam, e pagam caro pelo custo dessa verdadeira guerra silenciosa que se opera qual máquina alimentada tanto pelo medo como pela ânsia de renovar-se no poder.

Estamos cansados de ver tanto sofrimento, tanto ódio, tanto desvirtuamento da realidade apenas para atender o desejo oculto de uns poucos que se escondem, que se camuflam sob a égide de um sistema que não pode ser apontado como o único responsável pela dor e pela perda de tantas vidas, sejam elas islâmicas, judaicas, cristãs ou pagãs, pois como sabemos todos têm direito à vida, já que este é o bem inestimável por sua própria natureza: a existência humana.

Por favor não se esqueçam do onze de setembro de dois mil e um, como também não se esqueçam do dois de setembro de dois mil e quatro, mas, principalmente, tenham em suas mentes e em seus corações que algo precisa ser feito, e deve ser feito imediatamente, para que os dias a serem lembrados desta forma superem em número, grau e intensidade aqueles dias que almejamos ter em nossas curtas existências neste pequeno universo que mais se assemelha a um enorme vale de lágrimas, sangue e tristeza sem fim.

Lembremo-nos de Goethe que disse certa vez: “uma idéia jamais pode ser derrotada pela força das armas; uma idéia somente pode ser superada por outra ainda melhor”. Vamos plantar algo que possamos deixar para que nossos filhos colham frutos saborosos, repletos de sensações positivas, de segurança, de liberdade, de respeito, de honra, de dignidade. Enfim, vamos nos deleitar com a vida e não sofrermos com a dor, pois, querendo ou não, a dor do nosso semelhante também é a nossa dor, pois tudo o que atinge o ser humano atinge a humanidade da qual, vergonhosamente, fazemos parte.

São Paulo, 11 de setembro de 2004.