Da envelhescência nossa de cada dia

Lúcio Alves de Barros***

"Seria a existência o nosso exílio e o vazio a nossa pátria?” (Emil Cioran (1911-1995))

Um curioso acontecimento, o qual não passou despercebido, observei em Salvador (Bahia) no início desse ano ao participar do “Encontro de Formação de Coordenadores Regionais de Desenvolvimento da Educação Básica – DIREC”. Em meio a muita gente, uma simpática e assertiva senhora, aparentemente com mais de 65 anos, asseverou que era “idosa” e, por tal condição, exigia dignidade e respeito; não somente pela grande experiência de vida, mas por se tratar de uma professora que ainda labora em salas lotadas de alunos.

Bem humorada, afirmou com contundência que andava com o Estatuto do Idoso em sua bolsa e, apesar de saber que ele pouco vale no campo normativo, ela não perdia a oportunidade de fazer valer os seus direitos como idosa que era. Na verdade, ela disse que nem sentia ser, mas como a sociedade a queria assim, ela aproveitava a oportunidade e “botava pra quebrar”. Mais que isso, ela disse que ia fazer e sugerir ao governo do PT (Partido dos Trabalhadores) a criação de um botom, “Idoso: respeito e dignidade”.

O desabafo daquela senhora não poderia passar despercebido por duas razões: primeiro, porque é difícil nos dias atuais esperar ações contundentes e pragmáticas, repletas de dignidade, no campo do que se convencionou denominar eufemísticamente de "terceira idade". Poucos são aqueles que respeitam a envelhescência de homens e mulheres, mesmo sabendo que estamos todos na fila de espera. A questão é problemática e não deixa de ser lastimável a situação vexatória, humilhante e precária das condições de vida dos idosos nesse país. Falta à sociedade a cultura do respeito, do cuidado, a lembrança da finitude, do sofrimento e a contemplação da sabedoria daqueles que, de uma forma ou de outra, conseguiram ultrapassar os 60, 70, 80 ou 90 anos.

A segunda razão é mais do que óbvia. A despeito de passar despercebido e rejeitado, é inexorável o processo da envelhescência. Somos seres que caminhamos rapidamente para a morte. Àqueles que tem medo dela, o filósofo francês Emil Cioran (1911-1995) aconselha o suicídio. Mas o fato é que ainda estamos por aqui e somos livres tal como Sartre (1905-1980) cansou de asseverar. É bem verdade que a liberdade do “ser” carrega lá suas conseqüências, como fofocas, calúnias e difamações. Mas tudo passa e com a idade vemos que o passado, que muitas vezes nos fez cultivar o remorso ou o arrependimento, não valeram as energias que foram gastas. De todo modo, não cabe qualquer ação contrária às políticas públicas voltadas para os denominados idosos. Chega a ser absurda a acepção de deixar para amanhã o verdadeiro exército de homens e mulheres que, por acaso, conivência ou mesmo desinteresse, estão sendo excluídos das ações governamentais e dos espaços de sociabilidade.

Sejamos honestos: quanto conhecimento está sendo jogado fora? Quantas experiências de vida estão sendo desperdiçadas? A dor da existência é transitória e a vida um eterno e longo sofrimento, dizia Arthur Schopenhauer (1788-1860), daí a necessária e obrigatória reverência àqueles que acumularam e estão acumulando anos e anos de vida. Pelo que podemos notar, na “sociedade excludente”, infelizmente caminhamos em desfavor dos bons ventos. Tratamos dos idosos como se fossem crianças, infantilizamos suas opiniões e deixamos de lado suas experiências. São desprezíveis as ações que se limitam a somente levá-los para “passear”, “fazer turismo” ou mesmo deixá-los tomando conta dos netos.

Triste fim para aqueles que não suportam o ócio, sabem do seu valor e ainda estão labutando em um país que, historicamente, não respeita o que se convencionou denominar "terceira idade". O fato é que não existe uma outra saída, senão a de novos investimentos e um novo olhar sobre a envelhescência. Tal como países do chamado “primeiro mundo”, o Brasil é um país que “envelhece” rapidamente, todavia, ainda há tempo. Tempo para rever valores e princípios de igualdade. É óbvio que os “idosos” merecem muito mais do que têm direito, eles são iguais, todavia, diferentes em experiência e acumulação do que chamo de “capital de vida”. Mais do que nunca se faz necessário ver de perto o exército que vem se formando por aí. O Brasil não pode se dar ao luxo de desperdiçar muitas vidas que poderiam estar auxiliando na construção de dias melhores. Por isso, aposto no chamado que Karl Marx (1818-1883) e Engels (1820-1895) fizeram ao proletariado no conhecido Manifesto Comunista (publicado pela primeira vez em 1848), utilizando-o para os denominados da “terceira idade”:

Idosos de todo o mundo, uni-vos!

* é professor e sociólogo, licenciado e bacharel em Ciências Sociais pela UFJF, mestre em Sociologia, doutor em Ciências Humanas: Sociologia e Política pela UFMG. Autor do livro, Fordismo: origens e metamorfoses. Piracicaba: Ed. UNIMEP, 2004; organizador da obra Polícia em Movimento. Belo Horizonte: Ed. ASPRA, 2006 e co-autor do livro de poesias, Das emoções frágeis e efêmeras. Belo Horizonte: Ed. ASA, 2006.