Intelectualóides

Cultura. Ser uma pessoa culta. Ter conhecimento da “boa cultura”. Ego. Ser uma pessoa egocêntrica. Ter a cegueira da auto veneração. Talvez inicie-se por aí a definição de um intelectualóide. Algumas pessoas tendem a menosprezar outras por preconceito cultural (eis uma modalidade de preconceito pouco destacada na mídia), julgando inferior, ou até mesmo sem qualidade a cultura alheia. Assim, antes de se ponderar sobre tal comportamento, é preciso tentar entender melhor o que seria cultura. Tome-se como definição dois sentidos que se costuma atribuir à cultura: o primeiro, culturas seria o aglomerado das várias manifestações que surgem de determinadas sociedades ou grupos sociais, como comportamento, arte, crenças, etc, ou como afirma Da Matta: “a palavra como um conceito chave para a interpretação da vida social [...] é um mapa, um receituário, um código através do qual as pessoas de um dado grupo pensam, classificam, estudam e modificam o mundo e a si mesmas”, o segundo: cultura seria o acúmulo de informações “importantes” que alguém possua, transformando-a em pessoa “culta” (aqui entra, talvez, o personagem principal deste texto), Definições, estas, superficiais, tendo em vista a grande leva de estudos a cerca da definição de cultura. Porém, recorra-se a estas duas definições simples e comuns da palavra.

Na primeira, o intelectualóide encontra material para alimentar sua máquina de sugar informações, tentando, através desta, chegar à segunda definição de cultura. Um intelectualóide faz uso de conhecimentos sobre diversas áreas, de diversas culturas, pra criar um aglomerado de informações capaz de surpreender a qualquer um. Ele é capaz de reter todo tipo de informação. Porém, para quê? Eis a questão! Um intelectualóide, em geral, possui muito conhecimento, mas não sabe o que fazer com isto. O máximo que consegue é vomitar toda sua enciclopédia cultural em cima dos seus próximos (coitados!). Alguém já ouviu o termo verborréia?

E qual o problema? Nenhum, diria-se. O que mais dói, de fato, ao engolir-se o vômito verborréico de um intelectualóide, é sua capacidade de repetir conceitos, cheios de lugar-comum, ditando-se culto, como na segunda definição e mesmo que indiretamente como na maioria dos casos, não só por possuir todas as informações que possui, e sim, por possuir todas as informações “cultas” que possui, destacando sua “cultura”, como mais importante, mais aprimorada e refinada que as outras. E pobres artistas elitizados como Chico Buarque, Vinícius de Moraes, entre outros, que nada tem a ver com isto, vivem temperando esse prato difícil de se engolir, principalmente quando insistem, nossos queridos intelectualóides, em dizer que aqueles são artistas populares, que fazem parte da cultura popular. Será que realmente são comuns ao povo brasileiro ou a um certo grupo restrito de brasileiros? Enfim, não importa.

A questão é que, através de sua indigestão cultural o intelectualóide consegue ferir aos demais, quando este toma como única e verdadeira sua própria cultura, conhecimentos, inferiorizando as demais. Criando desavenças com os grupos menosprezados e até mesmo, repugna por parte destes grupos em aceitar ou mesmo apenas tomar conhecimento da existência de qualquer coisa que tenha sido vomitada pelo intelectualóide, algo como: “se você acha que o meu é ruim, por que haveria eu que aceitar o seu?”, criando uma barreira capaz de separar pessoas, dificultando o crescimento individual de cada um, até mesmo o do próprio intelectualóide, tendo em vista o conceito supracitado de Da Matta, ou, nas palavras de Isaac Newton: “O que sabemos é uma gota, o que ignoramos é um oceano”.

Andréia Alves

*Texto publicado no jornal A Tribuna do Povo, na seção "Espaço do Leitor" de 30 de março de 2008. Umuarama - Pr