Loira burra. Burra mesmo?

Não é de hoje que as loiras são tidas como vagabundas. Basta para um homem brasileiro observar um cabelo platinado para se sentir absurdamente atraído. Atraído no sentido sexual, é claro!

Quem culpar por esse estigma de mulher fácil e burra?

Olhando para o passado, uma figura resplandece em meio a essa dúvida: Marilyn Monroe. Em 1953, a atriz protagonizou o filme “Os homens preferem as loiras”, encarnando a interesseira e sexy dançarina, Lorelei. A personagem era extremamente burra e só conquistava a atenção dos homens por meio do seu corpão fenomenal.

Dizem, que a própria Marilyn não era lá muito inteligente e teve em seu currículo amoroso uma série de breves relacionamentos conturbados. Após a sua misteriosa morte, que tudo indica ter sido um suicídio, revelações demonstram que Marilyn estava cansada de ser um objeto de desejo sexual. Era tida como a perfeita amante, mas não como uma mulher ideal para se viver até o fim da vida. Enfim, não era vista como uma "mulher para casar".

Quase meio século depois do estardalhaço de os “Os homens preferem as loiras”, milhares de mulheres oxigenadas tomaram as ruas das grandes cidades. Nunca foi tão barato mudar o visual e se sentir mais sexy. Bastava comprar um vidrinho de água oxigenada volume 30 e torcer para a cabeleira não arrebentar.

Foi aí que, Gabriel o Pensador resolveu acabar com a paz das oxigenadas e colocar muito mais lenha nessa fogueira.

O carro-chefe do seu primeiro álbum, “Lôrabúrra” arrebentou nas paradas de sucesso com uma letra nitidamente preconceituosa. Em um trecho da canção, o cantor, compositor, filósofo, escritor e consultor para assuntos aleatórios, Gabriel o Pensador, diz: “vocês são o mais puro retrato da falsidade. Desculpa, mas eu prefiro mulher de verdade”. O cabelo descolorido é apontado por Gabriel como sinal de falsidade da mulher. Mas o cabelo não é apenas uma, entre muitas partes físicas de uma mulher que, somadas ao seu caráter, intelecto e sentimentos definem a sua personalidade? Gabriel surtou. Afinal, não podemos chamar de falsa uma pessoa que usa perna mecânica, olho de vidro, que bronzeia a pele, usa lentes de contato, que faz barba, sobrancelha e bigode. Muito menos as que fazem permanente e alisamento, que colorem ou descolorem o cabelo.

Entretanto, a música de Gabriel o Pensador se disseminou por todo o país. Com ela, a idéia de que as loiras não têm: “nada cabeça, e personalidade fraca. Têm a feminilidade e a sensualidade de uma vaca”.

Em uma participação no programa da Xuxa Meneguel, emparedado pela apresentadora, Gabriel tentou “explicar” a letra da canção dizendo que “Lôrabúrra” não são as loiras, mas todas as mulheres fúteis. Então, porque ele não criou uma canção chamada “Muiébúrra”?

Parafraseando o ditado popular: “seria engraçado, se não fosse trágico”. Afinal, imagine falar que um negro é burro só porque é negro. Isso dá cadeia! Já as loiras podem ser xingadas, humilhadas, zombadas e, de quebra, levar uma passada de mão na bunda... São vistas como vacas que têm um touro, mas pulam a cerca para se divertir com o touro do vizinho. Aí se mistura o conceito de fidelidade com o de burrice e essa salada de frutas resulta em mais e mais preconceito.

Entretanto, não podemos culpar como criadores do estereótipo de “loira burra”, apenas Marilyn Monroe e Gabriel o Pensador. Em nosso país tropical e predominantemente mestiço, as mulheres que proliferam essa lenda são, principalmente, morenas cansadas de terem que se sacrificar para obter coisas, cargos e regalias. Objetos do desejo feminino, que as loiras conseguem sem nenhum sacrifício só por serem “diferentes”. É um ódio que vem desde a infância. Walt Disney alimentou esse complexo de inferioridade com uma série de princesas loiras e de bruxas morenas, como em Rapunzel, Bela Adormecida e Cinderela.

Quanto aos homens, é provado cientificamente que, por medo da rejeição, consideram as loiras como burras. Ou seja, vale mais a pena a tranqüilidade de ficar com uma morena que quase ninguém quer, do que viver ao lado de uma loira requisitada. As chances de ser corno diminuem. Isso, teoricamente, e apenas na cabeça deles. Afinal, o que define a promiscuidade de uma mulher não são as suas madeixas. Para esses homens que se sentem diminuídos, é mais fácil dizer que uma loira é burra e que por isso não a quer, do que assumir que foi rejeitado por ela.

Agora, vejamos a Suécia e a Dinamarca, dois dos países mais desenvolvidos do mundo, com taxa de analfabetismo quase nula, com pessoas inteligentes, com alto nível de educação, erudição e ... Quase todas as mulheres de lá são loiras!

Veja também o exemplo deste texto que você está lendo agora. Se você chegou até esse parágrafo é porque te convenci com os meus argumentos ou, no mínimo, escrevi muito bem. Este texto, caro leitor, foi elaborado por uma loira de nascimento e de crescimento por conta da farmácia.

Na hora do vestibular, não fui aprovada porque me deram uma prova especial para loiras. Quando me chamaram para uma entrevista de emprego, após uma análise minuciosa do meu currículo, não constava lá que sou loira. Ganho dezenas de concursos culturais por meio de frases e redações e, acredite, ninguém sabe que sou loira na hora que lêem meus textos.

Nessa história toda de estereotipar loiras, só quem saem ganhando são os portugueses. Já que eles deixaram de ser protagonistas absolutos das piadas de burrice criadas pelos brasileiros. Mas esse é outro papo!

Agora preciso ir retocar minha tintura loira.