OS APLAUSOS PARA “TROPA DE ELITE”

As ações do herói-policial, capitão Nascimento, do Batalhão de Operações Especiais do Rio de Janeiro (Bope), personagem do filme “Tropa de Elite”, dirigido por José Padilha e estrelado por Wagner Moura, tem levado algumas pessoas a verem na truculência das ações policiais da ficção a solução para o problema da violência urbana no país.

Em artigo publicado na revista Caros Amigos, Orlando Zaccone, delegado da Polícia Civil, afirma que hoje há dois atributos que tentam impingir, como uma marca, à polícia: corrupção e violência. Faz uma referência ao fato de que à instituição policial “um dia se destinaram as funções ideológicas de proteger e servir à sociedade”.

O filme “Tropa de Elite” foi originado do livro “Elite da Tropa”, de autoria de André Batista, Rodrigo Pimentel e Luiz Eduardo Soares, publicado pela Editora Objetiva. Na obra, o personagem Capitão Nascimento faz uma avaliação de que a cidade do Rio de Janeiro estaria toda dominada pelos traficantes se existisse apenas a “Polícia Militar convencional”; que isto só não está acontecendo por causa do Bope. Há um enredo totalmente discriminatório, especialmente exposto em vocábulos e expressões como “cursado” (integrante do Bope) e “pé-de-cão” (policiais militares que não pertencem ao Bope).

O Luciano Huck, apresentador de programa na Rede Globo de Televisão, após ser assaltado recentemente em São Paulo e ficar sem um relógio Rolex, escreveu um artigo no jornal Folha de São Paulo, lamentando o ocorrido. Na ironia do apresentador está o retrato do efeito que o filme causou em muita gente: “Onde está a polícia? Onde está a ‘Elite da Tropa’? Quem sabe até a ‘Tropa de Elite’! Chamem o comandante Nascimento!”. É a fala de um cidadão “burguês” que certamente coaduna com o canto de guerra dos policiais do Bope, reproduzido no livro e no filme: “Homem de preto, qual é sua missão? É invadir favela e deixar corpos no chão!”.

O professor Julian Rodrigues, no site www.pt.org.br, publicou o artigo intitulado “Tropa de elite: denúncia ou estetização da violência?”. O autor avalia que o filme cria as bases para uma discussão acerca da violência por um viés autoritário: “Ao optar por construir a narrativa sob a perspectiva do capitão Nascimento, o incorruptível e assassino comandante do BOPE, o diretor José Padilha abriu uma brecha para que o conservadorismo se apropriasse do filme e enxergasse ali, nas práticas de execução sumária e tortura, um caminho para o combate eficaz ao narcotráfico”.

Para quem vê nas ações policiais do filme um exemplo a ser seguido por policiais na vida real, o delegado Zaccone, no artigo citado, adverte com a fala de Hélio Bicudo: “A violência policial exacerbada, sob o pretexto de restabelecer a lei e a ordem, se constitui na ante-sala dos regimes autoritários”.

A necessidade da figura do herói é um indicador da falta de consciência de si mesmo enquanto agente produtor da história. Quem defende o herói é incapaz de se ver como alguém que participa da transformação da realidade que o cerca. O sistema capitalista depende da difusão da mentalidade de defesa dessa figura para evitar que cada um se conscientize do seu potencial e se some a outros no ideal de transformação social e política. Eis a principal razão do sucesso dos épicos da literatura e do cinema.

Somos de opinião de que os aplausos para o filme, enquanto obra de arte, são aceitáveis. Entretanto, os aplausos aos métodos utilizados pelo personagem herói-policial são sinais de que o problema da violência nas ruas não está apenas na violência em si, mas em todo arcabouço ideológico-cultural que se construiu em torno do problema.