NOSSOS MEDOS

O que há por trás da sensação de medo? Sem dúvida há muito mais do seria possível expor neste espaço e que transcende a nossa capacidade de esgotar o tema, haja vista que ele pode ser abordado sob o prisma de diversas áreas do conhecimento humano, cuja grande maioria estão a anos-luz das limitações cognitivas deste escriba.

Mas, por que sentimos medo? Ou, o que é pior, por que sentimos medo de admitir que sentimos medo? A primeira pergunta parece-nos ser de mais fácil resposta, por está relacionada à sobrevivência da espécie humana: o medo é parte do instinto de sobrevivência dos animais (o medo impulsiona a busca de proteção contra qualquer tipo de ameaça). Colocamos trancas nas nossas portas por medo de que alguém invada nossa casa, olhamos para os lados ao atravessar a rua por medo de ser atropelado, observamos onde pisamos quando andamos no mato por medo de pisar num buraco, numa serpente ou em espinhos, evitamos locais ermos e mau iluminados por medo de sermos assaltados, e por aí vai.

A segunda pergunta não se refere apenas ao medo objetivo, real, mas, sobretudo, ao medo processado no nosso racionalismo: sentimos medo de sentir aquele medo que não devíamos sentir. Quem determina qual o medo que não devemos sentir é a nossa cultura. Às pessoas do sexo masculino, nas culturas de crenças de base monoteísta, não é dado o direito de sentir medo, exceção feita para o temor ao “Ser Supremo”; qualquer outra forma de medo é considerada sinal de fraqueza que só é admitida nas mulheres, o chamado “sexo frágil”.

O medo, mesmo o mais natural, muitas vezes é confundido com covardia e o oposto desta, a coragem, passa a ser cultuada e, ao mesmo tempo, a ser confundida com audácia, ousadia, violência, agressividade, rebeldia, etc. Os comportamentos e reações que possam ser entendidos como sinais de medo, são sublimados, camuflados. O ser humano é o único animal que tem dificuldades de lidar com os seus temores.

O medo, como parte do instinto de sobrevivência, opera no indivíduo preparando-o tanto no plano psicológico como biológico para sobreviver ao perigo. Destarte, toda vez que o cérebro entende uma situação como sendo de perigo, envia mensagem para as glândulas supra-renais e estas, incontinenti, injetam na corrente sangüínea a adrenalina (hormônio responsável pela preparação do organismo para suportar situações de stress e/ou de grande dispêndio de energia).

A adrenalina provoca, dentre outras reações, palidez e tremor em virtude de maior concentração da corrente sangüínea no interior dos músculos, aumento dos batimentos cardíacos por exigência de maior velocidade da circulação do sangue e respiração acelerada para maior oxigenação das células. Tudo isto tem o objetivo de preparar o indivíduo para fugir ou enfrentar a situação de risco defrontada – torna-o, provisoriamente, mais forte, mais resistente e mais ágil. Curiosamente, vivemos um paradoxo todas as reações provocadas pelo efeito da adrenalina passaram a significar, no nosso contexto cultural, sinais de fraqueza.

Os medos imaginários, ao longo da História da humanidade, disputam, com os medos objetivos, espaço na mente das pessoas. A timidez, as paranóias, o medo do sobrenatural e outros temores subjetivos são capazes de provocar as mesmas reações orgânicas que os medos objetivos, reais. Um exemplo claro disto é o pavor de falar em público que muitas pessoas têm ou já teve.

Teoricamente não há motivos para alguém sentir medo de falar em público, pois, em tese, não envolve nenhum risco à sobrevivência de quem vai discursar. Todavia, o cérebro dessa pessoa entende tal situação como sendo uma situação de risco e provoca o desencadeamento do processo que envolve as glândulas supra-renais a que já nos referimos; essa pessoa terá dificuldades para fazer seu discurso – alguns nem conseguem – porque o seu organismo, na verdade, está preparado para fugir ou para lutar e não para falar.

Talvez a grande falha na nossa educação é a de não nos preparar para aceitarmos e convivermos com o medo, como algo inerente ao processo vital. Não aprendemos a distinguir o medo natural do medo patológico e, conseqüentemente, a não aceitar o primeiro nem a buscar cura para o segundo; aprendemos a negar categoricamente os dois, colocando-os de lado (sob o tapete) e nos iludindo acerca da inexistência deles. O resultado é uma mórbida e desenfreada procura de auto-afirmação que encontramos a todo instante nas relações sociais.