O “Caso Isabella” paralisa a razão

Nenhum assunto ganhou mais atenção da mídia nacional nos últimos tempos do que a investigação da morte da menina Isabella Nardoni. Comenta-se, inclusive, que tamanha repercussão se deve ao fato da vítima e dos principais suspeitos serem de classe média-alta, uma vez que crimes tão ou mais chocantes acontecem cotidianamente entre pessoas de classe baixa.

Nesse tipo de análise o que vale a pena ressaltar é que o assassinato de uma criança é sempre muito chocante. É como se estampasse não apenas a brutalidade de que é capaz o ser humano, mas também a sua covardia em agredir um ser tão inocente e indefeso.

Choca igualmente saber que pessoas pertencentes a uma classe social privilegiada, que têm melhores oportunidades na vida em todos os sentidos – e que, por isso, espera-se que sejam mais esclarecidas – possam ser capazes de cometer tamanha barbárie. Além disso, a morte de Isabella tem ainda um agravante: são suspeitos do crime nada menos do que o pai e a madrasta da vítima. Em tese, pelo menos para o primeiro, aquele que deveria amá-la e protegê-la.

Esse assassinato é um atentado à razão. No campo da emoção, então, não há nem parâmetros para classificá-lo! Enfatizando o título deste texto, o “Caso Isabella” paralisa a razão, pois a tese oficial defendida pela Polícia Civil e pelo Ministério Público – que foram mesmo Alexandre Nardoni e Ana Carolina Jatobá os autores do crime – deixam agora uma pergunta no ar: que motivo tiveram os dois suspeitos para matar uma menina de 5 anos?

Ao contrário da fé e da emoção, a razão precisa de argumentos lógicos para lidar com a realidade. É possível – ainda que chocante do mesmo jeito! – traçar uma linha de raciocínio lógico que leve ao envolvimento da madrasta na morte de Isabella. Na literatura o papel da madrasta está associado a uma figura suspeita, a sentimentos negativos e até ao Mal. Vide o clássico Cinderela e outras obras famosas. Nesta vertente o(a) enteado(a) representa uma lembrança inevitável do relacionamento anterior do marido e uma suposta ameaça à nova família. O que não cabe à mente é entender como um pai pode dar fim à vida da própria filha, a não ser num acidente em que ele esteja isento de qualquer responsabilidade.

Nesse terreno que mescla genética e afetividade a razão está acostumada a registrar informações sobre casos em que um pai entra num rio e abre com as próprias mãos a boca de um jacaré para salvar o filho; em que uma mãe projeta o corpo sobre seu bebê para que ele não seja atingido pelas balas disparadas por um assaltante... A razão foi programada para aceitar o sacrifício dos pais para que seus filhos continuem a jornada da família, para que a espécie seja perpetuada.

Enquanto esse homicídio brutal não for totalmente esclarecido a razão coletiva continuará em curto-circuito. Mais do que a razão individual, que pode até encontrar argumentos convincentes para as loucuras de seu dono, a razão coletiva é aquela que norteia os rumos de toda uma sociedade; é aquela que dirige a Ética enquanto ciência destinada a questionar morais apodrecidas e leis suspeitas. Sem ela somos um barco à deriva.

(publicado originalmente no Jornal TRIBUNA LIVRE, de Viçosa-MG, em 2 de maio de 2008)

Roberto Darte
Enviado por Roberto Darte em 02/05/2008
Reeditado em 02/05/2008
Código do texto: T971279