"The Complete Chronicles of Narnia"/"As Crônicas de Nárnia - Volume Único"

Definitivamente C.S. Lewis não é J.R.R. Tolkien.

Nem poderia sê-lo.

São complementares, contudo, como Nárnia e a Terra Média. Como Aslam e Gandalf. Como o "Silmarillion" de Tolkien espelha o Gênesis Bíblico, como "A Última Batalha" do último dos Reis de Nárnia espelha o Apocalipse cristão. Talvez, só talvez, um não existiria sem o outro.

Acompanhar os acontecimentos em Nárnia ao longo das mais de setecentas páginas da primeira edição integral brasileira em volume único é traçar o mesmo caminho dos amigos Lewis e Tolkien: das histórias infanto-juvenis (Como "O Hobbitt" e "O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa" se propunham ser) até um amplo e complexo painel da vida imaginária que nenhum outro autor, além dos dois, conseguiu completar.

Finitude, aliás, que talvez só Lewis tenha obtido, uma vez que, apesar da grandeza épica da trilogia "O Senhor dos Anéis", todos sabemos que os demais escritos de Tolkien relativos à Terra-Média forma recompilados e organizados por seu filho Christopher, em um trabalho genial de reconstrução respeitosa, levando em consideração principalmente os "plots" criados pelo autor. Lewis, ao contrário, teve o prazer de ver toda sua obra-prima publicada em vida.

Mas Lewis não é Tolkien. Não, não há nele a grandeza metalingüística do primeiro, a criação de novas línguas, a descrição pormenorizada que variava da geografia meticulosa ao cotidiano de tantos e inúmeros povos, raças e espécies. Não há em Lewis a sutileza com que Tolkien nos premia com inúmeros níveis de leitura, do mais infantil e aventureiro ao filosófico, e deste ao meta-religioso. Há correlações mais óbvias, principalmente para quem é um pouco mais íntimo da iconografia judaico-cristã. Mas nem por isso menos poéticas.

C. S. Lewis constrói em "Nárnia" um clássico para todas as idades, um clássico para todos os tempos, de uma maneira direta que chega a nos incomodar por sua precisão. Nada nos sete livros é supérfluo, nenhuma "ponta" chega ao final desamarrada. A leitura flui solta, de forma que quando menos esperamos, estamos nós também lá, em Nárnia. Chegamos, vivemos algumas aventuras, partimos. Exatamente como seus personagens londrinos, ansiamos pelo retorno ao término de cada um dos livros. Exatamente como eles, sentimos que o tempo não passa quando estamos lá. Como eles, sentimos que uma parte de nós vive lá, que somos importantes de alguma maneira, que precisamos voltar.

Por isso, uma última alegoria. Não vi (ainda) o filme da Disney. Mas vi a trilogia de Peter Jackson baseada n'O Senhor dos Anéis. Diz-se, como um dos elogios mais populares ao filme, que Jackson despede-se da Terra-Média lentamente, como um filho que não quer deixar a pátria natal, rallentando ao máximo as despedidas n'O Retorno do Rei. Lewis faz o mesmo, como um Pai bondoso que nos permite reencontrar velhos amigos, trocar com eles algumas palavras, dizer adeus ou então um "Olá!" que talvez dure para sempre.

Como mundos dentro de mundos, existem várias "Nárnias".

"Pois todos encontram o que realmente procuram."

Renato van Wilpe Bach
Enviado por Renato van Wilpe Bach em 11/01/2006
Código do texto: T97537