A VIOLÊNCIA DO MAIS SUTIL

Nestes tempos em que se exige da sociedade uma opção preferencial pela paz, o homem pode tornar-se tremendamente arbitrário quando se propõe considerar a violência sob o ponto de vista impessoal de léxicos horizontes. Porque o caminho da violência pode encontrar tradução num processo que retrata muito mais os meandros intermináveis do subjetivismo, do que nas teorias prontas para explicar superficialmente a sua origem, responsabilizando a economia, a educação, o governo, e isentando de culpa a turbulência dos relacionamentos interpessoais em suas formas mais dissimuladas.

Em princípio, cada um de nós deveria saber identificar a própria capacidade para produzir violência que, diga-se de passagem, encontra-se muito bem camuflada. Não falo aqui da violência oficializada, daquela que registramos em nossa consciência, desde a mais tenra idade, como atos contrários à moral, ao pudor, aos bons costumes. Esta, qualquer cidadão é capaz de reconhecer e, em reconhecendo, evitar. Falo de uma violência mais tênue, que não entra em choque com os poderes institucionalizados, que não se antagoniza com as normas estabelecidas, que não se indispõe com as regras constituídas. Falo da violência do mais sutil, daquela que fere mas não mata, que machuca mas não expõe, que violenta, tortura e mortifica sem deixar vestígios de crueldade. Esta é a violência que me comove mais, porque é feita de silêncios e conivências, é feita de velada complacência, de parentéticos distintos e mal revelados, na generalidade de um contexto de aparência harmônica mas de essência hipócrita e cruel.

Tal qual a ponta de um iceberg cuja profundidade só o fundo do mar conhece, essa violência produz uma antiviolência ainda mais violenta, num mecanismo orbicular encadeado que, um dia, vem à tona, como rescaldo de uma guerra deflagrada no lugar mais íntimo do coração.

Num certo sentido poderíamos chamá-la de violência mais eterna, porque ela se mantém, se periodiza, se eterniza e se revela desde o Gênesis, na aguda mágoa que tomou conta de Esaú quando este descobriu que o engano de Jacó era mais fundo do que um prato raso de cozido vermelho. Ela é quase eterna porque é capaz de retroceder genesicamente no tempo, desembocando no episódio em que Caim, percebendo-se mal amado, sem entender as razões do des-amor, matou seu irmão, Abel. Ela é mais antiga porque alcança o coração dos irmãos de José, disputando o amor preferencial de Jacó, processado simbolicamente numa túnica de cores densas. Ela explode na alma ferida e revolucionária de Absalão, clamando pela atenção de um pai, que só tinha energia para gastar com suas mulheres e seu reino. Ela é periódica porque passam os tempos, as eras, sucedem-se as nações, as dinastias, e essa violência permanece ancorada no mais íntimo do coração dos homens, no horizonte perdido de anseios que nunca foram satisfeitos, de afetos que nunca foram saciados, de necessidades que jamais puderam vir à luz e, um dia, explodiram sob formas mais rudes e mais sangrentas.

Essa é a violência que deveria merecer de cada um de nós uma visão mais subjetiva e apurada, uma análise mais íntima e particular, uma investigação mais profunda. Nesse sentido, o cidadão mais assertivo deveria indagar se, de alguma maneira, não está produzindo violência dentro da sua casa, da sua família, de seus afetos. No capítulo das emoções e sentimentos, nem tudo o que se concede é mensurável, mas tudo o que se deixa de conceder, pode ser avaliado, medido e arrolado em cada milésimo recusado de tato e de tempo, de escolhas mal orientadas, de amores não vivenciados.

Desde que foi produzida pela indiferença, esta é a semente da violência que mais mata: mata de morte lenta, agonizante, cruel e ensandecida. E mata mais liberalmente porque não é um mal reconhecido, identificado ou combatido. No campo minado dos afetos rotos, cambaios e trôpegos, resta-nos uma única arma que previne, trata, cura e restaura: o amor de Deus no desempenho eclético das funções de pai, noivo, marido, amigo, do grande “Eu Sou tudo quanto o homem necessita.”.

Este é o único remédio para a violência do mais sutil: o amor de Deus em suas múltiplas manifestações!