O LADRÃO E A OCASIÃO

Há um ditado popular que afirma que “a ocasião faz o ladrão”. Esse adágio é muito utilizado no sentido de alertar para que cada cuide melhor daquilo o que é sua propriedade, dificultando para que alguém surripie.

A princípio, o provérbio significa apenas um alerta, no entanto ele encerra um sentimento corrente de desonestidade. Parte da idéia de que todos nós somos ladrões em potencial, ou seja, basta encontrar facilidade para apossarmos do que não nos pertence.

A grande verdade é que temos de nos proteger das pessoas desonestas, cujo rol cresce a cada dia em progressão geométrica. Todavia, o fato é que nenhuma ocasião pode fazer um ladrão: o ladrão já estará feito quando surgir a ocasião, ainda que não tenha roubado ou furtado antes; quem não é ladrão não estará sujeito aos efeitos de nenhuma circunstância que o transforme em tal. É claro que, neste caso, estamos nos referindo à pessoa egoísta capaz de simplesmente se apossar de algo que não lhe pertence, para proveito próprio e em prejuízo de outrem.

O adágio vem reforçar o culto à desonestidade que permeia nossos costumes. Em nossa cultura, a facilidade de ludibriar, mentir, lograr, levar vantagem sobre o outro é sinônimo de inteligência, esperteza, “sabedoria”. Isto pode ser mensurado com muita facilidade na política: quanto maior o poder de enganar, de manipular as pessoas, maiores serão as chances de o político ingressar e permanecer no pode. Mas, além dos políticos existem outros segmentos em que a grande maioria dos seus integrantes se apóiam na manipulação da consciência de outras pessoas para obter sucesso: destaque para os advogados, os comerciantes, os publicitários e outros.

Daqui a dois anos completarão exatamente quatro séculos que Erasmo de Rotterdan escreveu a obra “Elogio da Loucura”. O autor já questionava, entre outras coisas (inclusive o papel manipulador da igreja na sociedade da época), o fato de os comerciantes exercerem controle sobre a vontade dos clientes com a exposição dos produtos à venda; a exposição, na opinião dele, estimula uma vontade de comprar que, na maioria das vezes, não existe sem a visualização da mercadoria. Quatrocentos anos depois o pensamento dele permanece atual.

Podemos dizer que todos os políticos, advogados, comerciantes e publicitários são desonestos? Claro que não. Se dissermos isto seremos injustos com os que são honestos. Para toda regra há exceções, contudo, podemos afirmar que, nessas profissões, os honestos freqüentemente são atropelados por uma avalanche de ações de concorrentes desonestos. Por outro lado, é preciso ressaltar que a desonestidade está presente nos mais variados ofícios e funções, e que vem se tornando algo tão comum que por vezes sequer a percebemos.

No século XIX, Rui Barbosa (advogado, político, jornalista, diplomata, ensaísta e orador) notabilizara-se com a frase: “De tanto ver se agigantar o poder nas mãos dos maus, de tanto ver a maldade suplantar a virtude e a mediocridade reinar sobre a inteligência, o homem sente vergonha de ser honesto e de cultivar a razão". Eis mais uma assertiva que, infelizmente, permanece mais atual do que nunca e talvez nunca o deixe de ser.