Tempestade na Janela

Quando os primeiros pingos alcançaram o vidro, os ventos fortes há muito já os havia feito trancar as janelas e portas da casa. O céu fechou-se num repente e o dia foi embora, dando lugar a um crepúsculo vespertino que trazia em seu seio o cheiro e a umidade do mato.

As gotas tornaram-se um véu e este em uma densa massa de água que se chocava em descontrole contra a casa, fazendo-se assobiar entre as frestas das portas. Lá fora, pequenos riachos já desciam à margem do leito das ruas e, nas calçadas, as poças se uniam formando pequenos lagos intransponíveis ao caminhante.

A segurança da casa, seu calor e aconchego, lembravam um pouco do que tinha sido sua vida. Protegido pelos pais, pela esposa e por si próprio. Um homem de sorte, o único que conhecera a alcançar o sucesso sem risco. A rede de relacionamento herdada de seu pai foi, implacavelmente, generosa com ele. Mas ele tinha muitos méritos, seus amigos, colegas e até adversários reconheciam isso.

Lá fora a chuva ainda apertava. Algumas folhas vieram grudar-se ao vidro e, instintivamente, ele tentou removê-las.

Quando a camareira adentrou a sala com o chá quente, encontrou apenas a porta entreaberta e a chuva, que ultrapassava a soleira e descansava no tapete vermelho.

(ouça também o audio desse texto)