Meu Deus! Ela ronca!

Meu Deus! Ela ronca!

                                                              

Acordei durante a madrugada e, na semi-escuridão do quarto, ecoava estridente aquele som que interrompera meu sono.  Ainda zonzo, demorei a identificar o que seria. 

Imaginei, no primeiro átimo de tempo, que aquilo viesse da tevê ligada, onde algum filme “B” exibisse horrendas criaturas mutantes. Mas não era!  Àquela altura, o televisor despejava um pastor ensandecido que expulsava demônios de créus espectadores que, certamente, deveriam estar ligados àquele culto eletrônico sustentado noite adentro.  Mesmo isso, não seria capaz de me acordar, mas aquele ruído incomum o foi e, assim, passadas frações de segundos, desde que despertei de meu sono, enfim, identifiquei a origem de meu flagelo auditivo.

Era ela, que estava ali, dormindo a meu lado e, pasmado, exclamei mentalmente: “Meu Deus! Ela ronca!”.  Só então lembrei-me que minha cama, habituada a acolher somente a mim, tinha, hoje, uma “convidada” a me fazer companhia.  “Meu Deus! E ela ronca!”. 

De repente lembrei-me do ocorrido desde poucas horas antes, onde nos encontramos, nos cooptamos mutuamente e, enfim, chegamos às famosas vias de fato.  Inevitável, naquele momento, perceber que o encanto original estivesse razoavelmente abalado porque, enfim, ela ronca. “Meu Deus! Ela ronca!”.  Logo, aquilo que poderia se transformar numa decepção, na verdade, foi racionalizado rapidamente.  Afinal, todos somos humanos e ninguém está livre das idiossincrasias e reações que nos afetam comezinhamente.  Certamente, em outras oportunidades, outros tantos sons deveriam existir e eu, compulsoriamente relutante, me esforçava para ver isso como algo natural.

“Meu Deus! Ela ronca!” Passados alguns instantes meus olhos já se adaptavam à luminosidade do ambiente e, recém despertos de sono profundo, agora já podiam divisar, entre luzes e sombras, o que de relevante se apresentava no ambiente.  Nesse contexto, vislumbrei ali, a meu lado, aquele corpo feminino, nu e gostosamente largado em descanso repousante.  Fitei as curvas, revivi a consistência das formas, a umidade da pele e o sabor da volúpia. 

Olhei para suas feições enquanto dormia e, de lábios semicerrados, ela parecia sorrir.  Parecia um sorriso de satisfação.  Em função disso, foi inevitável que eu complementasse minha exclamação: “Meu Deus! Ela ronca!... Que charme isso! Não?”