O moleque que há em mim

O moleque que há em mim

     Houve, aqui em São Paulo, um encontro de colegas escritores do portal Recanto das Letras.  Nos reunimos numa cantina no bairro do Bixiga,  para comer umas pizzas regadas a muita cerveja, ou seja, nada mais paulistano que isso. Eu poderia me estender indefinidamente a falar sobre as figuras raras e ilustres que lá estiveram, já que houve um desfile de mentes brilhantes, talentos incontestes e personalidades espirituosas.  Contudo, de contrapeso, também compareceram os irmãos Davi e Arthur, com 13 e 11 anos, respectivamente.

     Sem nenhum deslustro aos demais escritores participantes do evento, marcantes para mim foram as figuras dos dois meninos. Afinal, nada como mentes e espíritos ainda em formação para que se tenha contato com inteligências intuitivas, talentos latentes e personalidades sem graves vícios de comportamento. E eu me diverti muito com os dois garotos! Davi e Artur são inteligentes, perspicazes e muito divertidos.


     Na mesa havia, como ocorre em muitos estabelecimentos, toalhas brancas de papel e gizes de cera, daqueles que ficam por ali para distrair as crianças enquanto os adultos conversam. A bem da verdade, quando cheguei todos já estavam presentes, os adultos conversavam animados, os meninos estavam alheios em outra mesa, os lápis coloridos estavam esquecidos e as alvas toalhas castas e intactas. Eu é que não resisti e fiquei brincando de desenhar. Ver papéis em branco me dá uma coisa! Talvez por isso eu escreva, só para preenchê-los. Como lá não dava para escrever, fui deitando figuras a esmo no papel.


     No final de tudo, quando já nos despedíamos todos, fui brindado por Davi com uma caricatura minha. Como deve ser, uma caricatura, menos deve se dedicar a acompanhar com fidelidade os traços físicos, e sim  espelhar de maneira espirituosa os traços de postura e personalidade. O menino, em princípio, com aquela sinceridade típica das crianças, foi inclemente no retrato que fez. 


     Em seus traços infantis colocou um cigarro aceso em minha boca e uma garrafa em uma das mãos o que, em si, só traduzia o que ele via acontecer à sua frente. Entretanto, curiosamente, na outra mão existe o que parece ser uma arma. Obviamente, não ando armado e, por certo, não sou dado a violências físicas de nenhuma espécie. Parece que ficou patente que, sem notar, de forma intuitiva o garoto expôs os efeitos de minha língua ferina que, sem nenhum favor a qualquer metáfora, dispara rajadas para todo lado.


     Entretanto, o mais importante, no meu modo de ver, é que, por algum impulso inconsciente – que nas crianças brotam de forma mais natural – ele me retratou vestido com calças curtas e camiseta. Ou seja, foi capaz de identificar em mim a criança que nunca deixei de ser e, por sorte minha, continuo sendo. Só mesmo aquelas crianças para descobrirem outra num ambiente com tantos “adultos”.